12/04/2013

Para juiz, redução da maioridade penal é saída fácil, mas ineficaz


O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), anunciou na última quinta-feira (11/4) que encaminhará ao Congresso Nacional um projeto de lei que torna mais rígido o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) para os casos de adolescentes envolvidos em casos de violências graves e reincidentes. Alckmin deu a declaração dois dias após o assassinato do estudante Victor Hugo Deppman. Um jovem de 17 anos teria, supostamente, cometido o crime. Segundo alguns especialistas ouvidos pelo Última Instância, a proposta é ineficaz no combate à violência e fere os direitos dos menores.
Para o juiz Luís Fernando Vidal, da 3ª vara da Fazenda Pública do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo), propor a redução da maioridade penal é a resposta mais fácil para o problema. "Aumentar o rigor da lei é uma medida de caráter simbólico que não resolve nada, [trata-se] de uma resposta pronta e fácil. Não aplacando a dor da família [da vítima] e não resolve o problema da sociedade", afirma.
No Congresso Nacional já tramitam algumas propostas pedindo mudanças no tratamento penal de crianças e adolescentes, entre as quais a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) 33/2012 do senador Aloysio Nunes (PSDB-SP) que está atualmente na CCJ (Comissão de Cidadania e Justiça) do Senado.
Vidal aponta o fato de adolescentes cometerem crimes violentos já não é incomum. "Não sendo excepcionalidade, é um desvio destes rapazes, ou um sinal de que a nossa sociedade é que vai mal?". "Os parâmetros da nossa legislação estão compatíveis com a Constituição Federal e com as normas internacionais, portanto elas não podem ser mudadas assim por um projeto [de lei] qualquer", completa o magistrado.
Na última década, o número de adolescentes infratores submetidos a medidas de privação e restrição de liberdade no país aumentou, em média, 10%, passando de 8.579 para 17.703, segundo dados da SDH (Secretaria de Direitos Humanos), da Presidência da República. Pelos números mais atuais, de novembro de 2010, 12.041 menores estavam internados, 3.934 em internação provisória e 1.728 em medida de semiliberdade. Projetando a evolução média do último triênio, com avanço baixo e estável, o Brasil tem hoje cerca de 20 mil adolescentes recolhidos em educandários e delegacias especializadas.
A Constituição Federal prevê que os menores de 18 anos não podem ser imputados penalmente (artigo 228). Eles estão sujeitos a punições específicas previstas no ECA, mas é grande a pressão de parte da sociedade para que os menores infratores sejam penalmente responsabilizado por suas ações.
O tema é polêmico, a maioridade penal chegou a ser debatida pela comissão de juristas responsáveis por elaborar o anteprojeto de novo Código Penal. Os especialistas se dividiram quanto à possibilidade de redução do limite atual - uma parte considera que o tema é uma cláusula pétrea da Constituição. Mas a comissão ressaltou que, de qualquer forma, o único caminho para uma eventual mudança da matéria seria por emenda constitucional, o que fugiria às atribuições da comissão do novo Código Penal.
As penalidades previstas ao adolescente infrator são as socioeducativas. Crianças até 12 anos são inimputáveis, não podem ser julgadas ou punidas pelo Estado. De 12 a 17 anos, o infrator será levado a julgamento numa Vara da Infância e da Juventude e poderá receber punições como advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, inserção em regime de semiliberdade ou internação em unidade educacional. Não pode ser enviado ao sistema penitenciário.
"De tempos em tempos a sociedade, impulsionada pela escalada da violência e pela sensação de insegurança, retoma a discussão acerca da redução da maioridade penal, divergindo sobre a idade em que a pessoa deveria ser considerada imputável, havendo quem defenda o patamar de 14 ou 16 anos, bem como quem pretenda a adoção do critério biopsicológico para avaliação da capacidade de entender e de querer do autor", afirma nota da ABMP (Associação Brasileira de Magistrados, Promotores de Justiça e Defensores Públicos da Infância e da Juventude) divulgada em dezembro de 2012. No mesmo documento a associação lembra que, pela atual versão do ECA, " o adolescente responde penalmente pelos atos por ele praticados se considerados infracionais, sob a interpretação do art. 103 que define o ato infracional como "a conduta descrita como crime ou contravenção penal", através de medidas socioeducativas adequadas à prática de cada ato".
Para o defensor público e conselheiro do Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente), Diego Medeiros, as medidas que visam recrudescer a punição a crianças e adolescente são “extremamente paliativas e buscam responder um anseio reacionário da sociedade, pois não será a redução da maioridade penal que diminuirá a incidência de atos infracionais por adolescentes”. Medeiros também alerta que esta política ajuda a aumentar a superlotação do sistema carcerário brasileiro.
Maioridade reduzida na prática 
Segundo dados do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), cerca de 50% dos encarcerados no Brasil estão entre 18 e 29 anos, o que para o militante do Tribunal Popular, Givanildo Manoel, revelaria que, talvez, a maioridade penal já tenha sido reduzida na prática. "Apesar de ainda não termos nenhuma pesquisa séria, creio que, desses [os internos maiores de 18 anos], a maioria já passou por internação quando adolescente", afirma. Manoel complementa afirmando que o debate não revela as causas da violência. "Ficam na obscuridade os verdadeiros motivos que levam ao aumento da violência, até porque esconde o fato de que são os adolescentes os que mais sofrem com a violência. Escondem ainda, por exemplo, que o Brasil é o 4º pais do mundo a cometer violência contra as crianças e adolescentes. Entre 1980 e 2010 aumentou em 346% o número de mortes de crianças e adolescentes, segundo o Mapa da Violência 2012. Você apresenta duas alternativas para a nossa juventude, a prisão ou o caixão e nada mais".
O coordenador de juventude do município de São Paulo e psicólogo, Gabriel Medina, acredita que a redução da maioridade penal não corrobora com políticas públicas de juventude, "ao contrário, é mais um ataque aos direitos da juvetude. Ao invés de ter direito a medida socioeducativa para os jovens de 15 a 18 anos - que é uma medida preocupada com esse momento da formação, mais adequada para um processo de reeducação e ressocialização do que por um processo punitivo - e acaba endurecendo a visão repressiva e punitiva, desmontando um sistema de proteção de direitos voltados para os jovens".
Tratamento aos menores infratores 
Em 2012, foi instituído o Sinase (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo) regulamentando a execução das medidas socioeducativas destinadas a adolescentes que estejam em conflito com a lei e estabelece diretrizes para nortear as diversas ações executadas diretamente pelos Estados e municípios em prol dos jovens infratores.
"É muito importante compreender este momento da vida, dos 15 aos 18 anos, como um momento ainda de formação da personalidade do sujeito e o estado precisa assegurar medidas não apenas no sentido punitivo, mas no sentido de orientação dessas pessoas para que saiam da medida socioeducativa com capacidade de reinserção na sociedade", afirma Medina.
O coordenador de juventude também destaca que, muitas vezes, a sociedade acredita que não punição para crimes violentos cometidos por adolescentes. "Não é verdade, o próprio sistema de medida socioeducativa é punitivo, pressupõe punições, dependendo da gravidade do ato infracional há internação nas unidades da Fundação Casa. O Sinase pressupõe medidas punitivas, inclusive de cerceamento de liberdade em casos mais graves", completa.
Manoel acredita que o tratamento a se dar aos menores infratores deve ser algo parecido ao realizado no Japão, na década de 90 houve aumento a violência entre os jovens e a resposta para isso foi o aumento da maioridade penal de 14 para 20 anos. "Compreendendo que o crime é porque tem algo errado na sociedade. O intuito da medida foi de se fazer ações protetivas para poder reduzir a violência entre os jovens, ou seja, o entendimento foi que a sociedade era responsável e não os adolescentes e para isso teriam que fazer ações sociais para reverter o quadro", afirma o militante.


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