23/04/2013

“O Ministério Público nunca incomodou tanto”

Presidente da Associação do Ministério Público de Alagoas, a promotora Adilza Freitas critica a Proposta de Emenda Constitucional que limita a atuação do MP em todo o país.


Nesta quarta-feira, as entidades de classe do Ministério Público e outras instituições retomam as mobilizações em protesto pela tramitação da Proposta de Emenda Constitucional número 37, também chamada de “PEC da Impunidade”.
O objetivo é chamar a atenção da sociedade para os riscos de sua aprovação. A proposta tira do Ministério Público a prerrogativa de fazer investigações no âmbito criminal, deixando-a apenas com a polícia. Sejam as estaduais ou a Polícia Federal, aqui e em vários Estados, a média, segundo dado do Ministério da Justiça, é de 12% de elucidação dos crimes. Ou seja: a instituição que, por carências diversas, de pessoal e estrutura, e excesso de trabalho, assumiria mais essa – enquanto o MP deixaria de poder investigar, por exemplo, o desvio de verbas em prefeituras, que de maio do ano passado para cá levou mais de cem maus gestores a serem denunciados à Justiça – e outro tanto para a cadeia.
Nesta entrevista, a presidente da Associação do Ministério Público de Alagoas (Ampal), Adilza Freitas, fala dos riscos disso para a sociedade e de muitas outras iniciativas no Congresso para cercear as prerrogativas da instituição.
“As ações do Ministério Público vêm se aperfeiçoando, em especial, no combate à improbidade, que tem sido feito de forma magnífica, por todos os integrantes do Ministério Público brasileiro. E o resultado é uma reação contra essa atuação. Mas uma reação que não vem dos bons políticos, mas dos maus políticos, que visam interesses pessoais e não atuam em defesa da sociedade brasileira”, diz ela.

Gazeta - O que há na PEC/37 que está motivando essa mobilização do Ministério Público e de todas as outras instituições?
Adilza Freitas - É que caso esta Proposta de Emenda à Constituição seja aprovada, que é de autoria de um delegado [Lourival Mendes], será um retrocesso para o Brasil. Será muito prejudicial ao povo brasileiro. Por quê? Porque perderá uma instituição como o Ministério Público na realização da investigação criminal. Com menos investigação, teremos um resultado prático, que é impunidade. Se hoje a impunidade já é grande, com toda a atuação não só do Ministério Público, mas de outras instituições como o COAF, Banco Central, Ibama, imagine se todos esses órgãos e instituições que fazem investigação criminal perderem essa atribuição!

Gazeta -Na prática, qual a mudança que a PEC propõe à Constituição que resultará nisso?
Adilza Freitas - O Ministério Público perderia o poder investigativo de atos criminosos. E dá exclusividade às polícias civis e à Polícia Federal a atribuição de realizar atos da esfera criminal. É preciso deixar bem claro – e isso nós fazemos questão de registrar, sempre – que nós não temos interesse de presidir inquérito policial. Nós queremos apenas continuar fazendo o trabalho que o Ministério Público faz hoje. De combate à corrupção e principalmente à impunidade, que teima em reinar em nosso país.

Gazeta Para relembrar alguns casos em que o Ministério Público atuou na investigação, temos a elucidação do caso Ceci Cunha e o trabalho de combate ao desvio de recursos em prefeituras do interior que o Gecoc vem fazendo. Como é hoje, na prática, a atuação nessa parte de investigação?
Adilza Freitas - Primeiro, o Gecoc deixa de existir. Não só o Gecoc. Porque assim como ele existe aqui, também existem grupos de promotores que atuam no combate a organizações criminosas em todo o país. Uns são chamados de Gecoc, outros de Gaeco. Esses grupos, formados por bravos integrantes promotores de Justiça, deixarão de existir. E os processos que hoje estão tramitando resultados de investigações realizadas por integrantes do Ministério Público serão nulos, todos. Quem sai ganhando? Os criminosos, a impunidade. E quem sai perdendo é a sociedade. Então, essa campanha “Brasil contra a Impunidade” não é apenas do Ministério Público. Deve ser do povo brasileiro.

Gazeta Há duas semanas houve um ato público, também de caráter nacional, e uma panfletagem. Que outras atividades estão previstas para esta campanha?
Adilza Freitas - A mobilização já vem acontecendo desde o ano passado. Houve uma audiência pública em Brasília, com a presença de toda a bancada no Senado, em que os senadores da bancada se comprometeram a votar contra, caso chegue essa PEC ao plenário. No dia 12, houve o ato público em todas as capitais. E nesta quarta-feira [amanhã], teremos mais uma mobilização nacional, que será no Congresso. Pela manhã, teremos o primeiro Simpósio Brasileiro contra a Impunidade, em que teremos a presença de Carlos Ayres Britto; já confirmada também a do deputado do PT Alessandro Molon; do senador Randolph Rodrigues e de outros parlamentares que se farão presentes neste simpósio. E à tarde, todas as associações de classe do Ministério Público, tanto de âmbito nacional quanto local.

Gazeta Qual a sua avaliação sobre o grau de assimilação da sociedade sobre a gravidade da situação? A sociedade tem assimilado o caso?
Adilza Freitas - Eu creio que sim. Não é preciso ser doutor na matéria para saber que se o Ministério Público ficar fora da investigação de atos criminosos teremos mais corrupção. Só para se ter uma ideia, de maio de 2012 até hoje, cem pessoas foram denunciadas como resultado do trabalho do Gecoc, em parceria com a Polícia Civil. Eram vários crimes: fraude em licitação, apropriação de bens públicos, apropriação de verba pública, peculato e desvio de verba pública. Sempre procuramos esclarecer, numa linguagem bem simples: a quem interessa que o lixo continue debaixo do tapete? A quem interessa não saber sobre o desvio da merenda escolar? Que em vez de comprar a merenda escolar para as crianças, comprava ração para cachorro e uísque caro. Todo mundo entende essa linguagem, entende o papel do Ministério Público. Quem não gosta do Ministério Público? Aqueles que o conhecem muito bem e aqueles que não o conhecem. Os danos que este projeto trará, caso aprovado, são muito grandes para a sociedade. Sem contar que é inconstitucional, fere tratados internacionais, como a Convenção de Palermo e a Convenção das Nações Unidas, dos quais o Brasil é signatário e se comprometeu a combater a corrupção. E o Ministério Público tem participação ativa nesses tratados. E como lá se tem um discurso e aqui, outro?



Reportagem de Felipe Farias

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