11/03/2013

"Honorários não podem depender de subjetivismos do juiz"


Apontado como principal culpado pelo volume de ações judiciais e pela demora na resolução dos casos pelos tribunais, o excesso de recursos à disposição dos litigantes pode ficar menos acessível caso mudanças propostas pela comissão que estuda o novo Código de Processo Civil na Câmara dos Deputados sejam aprovadas. A principal delas onera a recorribilidade, criando a obrigação de se pagar uma nova sucumbência a cada instância percorrida pelo processo. A parte que recorre assume o risco de, se perder, arcar com novos honorários em favor do lado oposto.
Mas a ideia, que pode inibir recursos protelatórios, enfrenta resistência de um adversário poderoso. O governo federal, por meio da Advocacia-Geral da União, pressiona para que o poder público, principal demandante e responsável por metade dos casos no Judiciário, receba tratamento diferenciado, por defender o interesse público.
A explicação é refutada pelo advogado Paulo Henrique dos Santos Lucon, que faz parte da comissão de estudo na Câmara e defende a criação da nova sucumbência. "Uma coisa é o interesse pro societatis e outra coisa é o interesse pró-Estado. Eles defendem o Estado, não a sociedade", afirma. 
Com 46 anos e quatro livros publicados, Lucon é mestre e doutor pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, onde é professor-doutor. Dá aulas de Processo Civil na universidade desde 2002. Hoje, é um dos encarregados de reformular a grade curricular do curso de Direito, criticada por alunos por manter muitas disciplinas práticas obrigatórias. Por imposição da reitoria, os professores agora precisam ajudar a enxugar o currículo. 
Lucon também é vice-presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo, onde recentemente assumiu o comando de um grupo que estuda propostas de reforma política no país. Seu nome foi escolhido devido à experiência de oito anos como juiz do Tribunal Regional Eleitoral paulista, entre 2004 e 2011.
Em 2005, montou o próprio escritório com outros três sócios, o Lucon Advogados. Entre os clientes está a gigante internacional Basf, a quem defende no complexo caso das indenizações decorrentes de contaminação ambiental por uma fábrica de pesticidas em Paulínia (SP), em 1994. O valor reclamado pelo Ministério Público do Trabalho em favor das vítimas ultrapassa a casa de R$ 1 bilhão. 
Em entrevista à ConJur, além de dar detalhes sobre o novo CPC, o professor fala ainda sobre processo eletrônico, defesa de prerrogativas, financiamento público de campanhas eleitorais e a as propostas da nova diretoria do Iasp, eleita em dezembro pela primeira vez com a participação de mais de uma chapa em toda a história da entidade — a mais longeva da advocacia, fundada em 1874. 
Leia a entrevista.
ConJur — O Brasil registra números cada vez maiores de processos em tramitação. A última apuração do Conselho Nacional de Justiça registrou 90 milhões de casos. Como o texto do novo Código de Processo Civil, em tramitação final na Câmara dos Deputados, pode resolver o problema?
Paulo Lucon — Um dos temas do projeto é a criação de mecanismos para se tentar diminuir o número de recursos. Um importante é a chamada “sucumbência recursal”. Ou seja, a fixação de honorários advocatícios para quem perde em grau recursal. O sujeito opta por recorrer. Se ganhar, vai ter o acréscimo nessa instância. Se perder, suportará a sucumbência.

ConJur — Isso não resolve no caso do poder público, não é?
Paulo Lucon — Não. Inclusive, há uma pressão violenta para se tirar a “sucumbência recursal” do poder público. Há forte resistência por parte da AGU [Advocacia-Geral da União] contra esse novo dispositivo. A tal ponto de só se admitir a sucumbência recursal quando a votação for unânime, o que acaba esvaziando o dispositivo. Querem enfiar goela abaixo também uma diferenciação de valores de honorários advocatícios nos casos de sucumbência recursal em que o poder público sucumba, o que seria mais um privilégio indevido. Argumentam que eles advogam no interesse público. Mas uma coisa é o interesse pro societatis e outra coisa é o interesse pró-Estado. Eles defendem o Estado, não a sociedade. Quem defende a sociedade é o Ministério Público.

ConJur — Instrumentos como a Súmula Vinculante, a repercussão geral e as decisões em recursos repetitivos têm dado resultado no sentido de reduzir o número de demandas semelhantes?
Paulo Lucon — Falo como advogado: até o momento, não se sentiu uma melhora. Esses mecanismos de uniformização do entendimento são importantíssimos. Mas em termos práticos, não houve diminuição de processos. A população está procurando mais o Judiciário. Entram muito mais ações do que saem.

ConJur — Aumentar a estrutura do Judiciário funciona?
Paulo Lucon — É fato que existe um problema de funcionários. Sou vice-presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo [Iasp] que, em conjunto com a seccional de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil [OAB-SP] e a Associação dos Advogados de São Paulo [Aasp], ingressou com uma demanda questionando a redução do expediente no Fórum Central de São Paulo, que passou a atender advogados às 11h, e não mais às 9h. Está-se mexendo com uma prerrogativa do advogado, que tem livre acesso às repartições quando elas estão abertas. A justificativa do Tribunal de Justiça foi a falta de funcionários, porque muitos estão abandonando a carreira, se aposentando, e não há pessoal suficiente para atender os advogados. Por isso, eles precisariam ficar um período fechados para fazer o trabalho interno. É uma questão de política pública que merece tratamento por todos aqueles que fazem parte da comunidade jurídica: advogados, promotores, juízes, servidores. Sem dúvida, falta gente. Mas nós precisamos trabalhar com dados estatísticos. Precisamos saber o que é razoável um funcionário fazer, o que é legítimo cobrar dele, qual é a quantidade que esse funcionário deve produzir. Existe uma burocracia legal que precisa ser mudada, talvez com processo eletrônico. Fui juiz do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo por quatro mandatos, dois como juiz substituto e dois como juiz efetivo, de 2004 a 2011. Lembro que tinha de assinar várias coisas. Fica impossível ao juiz conferir tudo, essa é a realidade. Essa burocracia é que precisa ser verificada e extirpada. O novo CPC precisa ser visto de maneira prática. Às vezes, as discussões esbarram em questões puramente conceituais. Alguns membros da comissão não têm experiência como advogados, não estão no dia a dia com a barriga no balcão. Muitas vezes, as ideias são boas, mas é preciso termos estudos estatísticos. Não tem sentido, por exemplo, juízes com 60 mil, 70 mil execuções fiscais. Então, há problemas também de falta de diálogo entre o Judiciário e o Executivo.

ConJur — Sua tese de mestrado sobre Embargos à Execução tratou do assunto ao questionar os procedimentos que devem ficar a cargo do Judiciário nesses processos. 
Paulo Lucon — Eu chamo de execução provisória. O trabalho nasce da questão: será que todos os atos têm que ficar no Judiciário? Não se trata de execução fiscal administrativa. Vou mais longe. Trata-se de execução administrativa. Ou seja, execução fora do Judiciário, em alguns pontos do processo. Na Europa inteira a execução não é feita integralmente no Judiciário. Defendo que seja feita fora do Judiciário. Quando houver problemas pontuais, o Judiciário deve ser instado a resolver. Tem problema sobre a penhorabilidade ou a impenhorabilidade de um bem? Essa questão deve ser dirimida pelo juiz. Tem uma questão a respeito da existência ou não de pagamento? Vai para o Judiciário. Houve novação da dívida? Também isso vai para o Judiciário. O que não tem sentido é o juiz perder tempo determinando: “junte-se a guia do oficial de Justiça”; “verifique o endereço do devedor”; e coisas semelhantes. Na Grã-Bretanha, existe a figura do sheriff, que, antes do ajuizamento do processo, é quem vai buscar os bens. Nos EUA também.

ConJur — No Brasil, essa proposta nasceu na AGU e sofreu resistência por dar poderes sumários ao credor.
Paulo Lucon — Não defendo esse poder nas mãos do credor, mas nas de alguém de fora do Judiciário, como um advogado concursado, por exemplo. Na Itália existe a figura do notário, que são advogados que prestam concurso e exercem essa função. Na França, existe o advogado executor. Em Portugal, temos o agente de execução. Todos sem vinculação ao fisco ou à estrutura do poder. Eles são obrigados a cumprir determinações que emanam do título executivo.

ConJur — A penhora online surgiu como ferramenta para acelerar os trâmites da execução, mas a Justiça tem exagerado na dose do remédio. Como o novo CPC tratará disso?
Paulo Lucon — O que está havendo é uma onda contra a inadimplência. São os movimentos cíclicos da história. O Judiciário conviveu por anos com uma inadimplência absoluta. Agora, tem mecanismos mais agressivos de efetivação da penhora, o que resulta em uma reação desproporcional, em muitos casos. O novo Código faz uma previsão de o juiz ser cauteloso na determinação da penhora online. É evidente que isso deve ser visto com ponderação. Não adianta o credor dizer que tem 100 milhões no cofre do devedor e o juiz determinar: “Manifeste-se a parte contrária”. Sumiria todo o dinheiro. Temos que contemplar os interesses. A execução se faz no interesse do credor, mas não deve extrapolar os limites da dívida e tem que ser feita do modo menos oneroso possível. O que não pode é o juiz extrapolar, sabendo que o devedor tem outros recursos. Muitos dos abusos da penhora online ocorrem por um problema de “estado da arte”. O juiz entra no Banco Central, expede a ordem e bloqueia todas as contas, sem verificar o valor. Quando isso se resolver, a penhora online será, nesse aspecto, boa, porque será efetiva. Porque não adianta fazer a penhora de modo a inviabilizar a atividade do devedor. O juiz precisa sopesar isso. Também é a penhora de faturamento. O juiz precisa saber que critérios deve levar em consideração. Uma sociedade prestadora de serviços tem uma margem de lucro maior do que, por exemplo, um posto de gasolina, que fatura mais. Então, o que é razoável se penhorar nesses casos? É preciso que o juiz tenha essa sensibilidade.

ConJur — O Código vai prever isso?
Paulo Lucon — O Código tenta atacar esse ponto instituindo, de forma clara, a figura do administrador. Será criado um administrador provisório para que seja feito o pagamento sem onerar a empresa. Esse administrador, remunerado, entra na administração e verifica o que é viável, o que é possível para fazer de pagamento. O juiz decidirá a conveniência para cada caso, porque não compensa colocar esse administrador em dívidas de pequena monta ou em situações em que é evidente que o devedor tem condições de pagar. Mas o novo Código não vai tratar de execução fiscal. Será preciso uma nova Lei de Execução Fiscal para isso.

ConJur — Como ficou a questão da desconsideração da personalidade jurídica e da definição do que é grupo econômico, que em algum momento da discussão do projeto se tentou regulamentar?
Paulo Lucon — Essa questão do grupo econômico estava no anteprojeto e no projeto de lei do Senado. Na Câmara, nós retiramos porque o conceito de grupo econômico é de direito material, não processual, e não é unívoco. Um comercialista tem a sua explicação para o que vem a ser um grupo econômico. Já para um juiz trabalhista, grupo econômico se forma com qualquer elo coincidente entre empresas. Os limites das desconsiderações de personalidade jurídica são claros, estão no artigo 50 do Código Civil. No Código de Processo Civil, não temos que criar conceito de direito material.

ConJur — O que o texto final muda nesse quesito em relação à prática atual?
Paulo Lucon — Passa-se a ter de se observar o contraditório. Deve haver a citação, a não ser que haja um risco de insucesso da execução. O juiz pode determinar a constrição de bens e postergar o contraditório, quando o contraditório puder inviabilizar o sucesso da execução. É preciso esgotar, primeiramente, todas as medidas na busca dos bens da pessoa jurídica, para se verificar que não existe patrimônio. Então se parte para a desconsideração. Não se pode partir imediatamente para a desconsideração, a não ser que a ameaça de dilapidação de patrimônio esteja evidente.

ConJur — O novo Código tem sido tachado de “código de juízes”, por dar superpoderes cautelares aos magistrados. A crítica faz sentido?
Paulo Lucon — Com essa versão da Câmara, isso é atenuado. Não tem sentido atribuir poderes excessivos ao relator do recurso no tribunal. O órgão competente para as decisões seja no segundo grau, no Superior Tribunal de Justiça ou no Supremo Tribunal Federal, é o colegiado. O relator exerce seus atos por delegação, que precisam ser confirmados pelo colegiado. O que está havendo é uma exacerbação das decisões monocráticas, em detrimento da colegialidade. É evidente que, quando se prejudica a colegialidade, se prejudica a qualidade das decisões.

ConJur — O artigo 557 do atual CPC autoriza essas decisões monocráticas.
Paulo Lucon — Com base na “jurisprudência dominante”. Mas o que é jurisprudência dominante? Verificamos decisões em que o juiz aponta como dominante aquela que ele acha que é. Caminhamos para o arbítrio. É isso o que o Código precisará evitar, o subjetivismo no tratamento das causas. No novo Código de Processo Civil, há previsão expressa de recursos contra a decisão do relator. Porque o recurso, hoje, é o Agravo Regimental, que muitos tribunais não aceitam.

ConJur — O texto traz outra bola dividida, que é a exigência de conciliação em casos de conflito agrário.
Paulo Lucon — Isso é um problema sério. O que é conflito agrário? Como se caracteriza um conflito agrário? Muitas vezes, há movimentos políticos em que não se verifica um verdadeiro conflito agrário. Esse é um tema delicado que está voltando à Câmara. Já há uma nova redação para esse dispositivo. O Ministério da Justiça quer que haja previsão que evite o que aconteceu no caso de Pinheirinho. O que se procura estabelecer é um critério de razoabilidade e uma tentativa de conciliação. É preciso verificar se essa tentativa não vai “cumprimentar com o chapéu alheio”. O dono do imóvel cai numa desapropriação e demora anos para receber. Ora, a questão é de justiça para os dois lados. Que se coloque o poder público também na conciliação para que ele também seja responsável por eventual desapropriação estabelecida na fase conciliatória. O que não se pode é, simplesmente, conciliar só com as partes, sem o poder público estar presente, em detrimento dos direitos de uma das partes.

ConJur — O CPC atual prevê que os honorários advocatícios variem entre 10% e 20% do valor da causa, mas dificilmente os juízes respeitam esses limites, preferindo tabelar os valores conforme o pedido. A nova proposta disciplina algo a respeito?
Paulo Lucon — O novo Código tenta tratar da matéria. Honorários não são miséria. Não é possível se dar margem a subjetivismos por parte do julgador. O que se tem visto é que, com subjetivismo, os honorários têm sido fixados em valores irrisórios. Essas tabelas violam frontalmente o parágrafo 3º do artigo 20 do CPC. Não tem sentido a fixação de um valor apriorístico. Muitas vezes, uma causa contra o poder público demora 20 anos para terminar. Envolve vários profissionais, gerações de advogados. São anos de consumo de luz, água, gastos com funcionários, acompanhamento da causa. De repente, se fixam honorários em um valor ínfimo. O novo Código quer evitar isso. Um dos pontos que eu tenho defendido é a questão dos honorários contra a fazenda pública. Não tem sentido haver tratamento desigual nos honorários. O poder público é o que mais fomenta a existência de processos e deve responder pela sucumbência. Há um princípio de causalidade: ele causou a existência do processo. É evidente que os honorários devem ser tratados de forma digna. Não tem sentido o advogado atuar numa causa por 20 anos e receber R$ 100 mil numa causa de valor expressivo. E não se trata de comparar o que um juiz ganha com o que um advogado ganha. Porque o juiz tem que considerar quanto é o orçamento que vai para o Poder Judiciário, e não o quanto ele ganha. O advogado tem uma estrutura para manter. Não tem sentido um leiloeiro receber 5% do valor arrematado e o advogado receber 0,01%. Não tem sentido um corretor de imóveis, por um único ato, receber 6% e o advogado receber menos de 1% por uma causa que dura mais de 20 anos, arcando com responsabilidade ilimitada no processo, sem poder errar nem perder prazo.

ConJur — As entidades da advocacia, incluindo o Instituto dos Advogados de São Paulo, do qual o senhor é vice-presidente, têm resistido à implantação do processo eletrônico. Isso não é atrasar uma marcha irreversível?
Paulo Lucon — A intenção não é impedir esse processo. É verificar se o projeto do CNJ é o mais adequado. Porque há quem entenda que o meio eletrônico utilizado, por exemplo, pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, é o melhor. Não faz sentido estabelecermos um processo eletrônico nos moldes que o CNJ deseja se existe um outro que está comprovadamente funcionando melhor. É necessário um debate técnico. Além disso, é preciso discutir a inserção gradual de 800 mil advogados nesse processo.

ConJur — Há cada vez mais jovens advogados alcançando funções de destaque nos escritórios e nas empresas. Em que eles são diferentes?
Paulo Lucon — Na visão profissional. A advocacia tem que ser empresarial. Você tem que tocar os processos adequadamente, mas precisa, também, dar atenção ao cliente, gerar relatórios... O advogado tradicional não está acostumado a isso. É absolutamente necessário dar retorno ao cliente, dar atenção, manter contato permanente, além de estar atualizado juridicamente, trabalhar com mecanismos de acompanhamento eletrônico de processos. É preciso também transitar bem nos meios. As pessoas precisam te reconhecer. Por isso a importância de comparecer a eventos, se fazer presente. Você depende sempre de uma cadeia de pessoas para deslanchar. É fundamental também ter bagagem, uma boa formação e ser conhecido por um trabalho bem feito.

ConJur — A universidade pública hoje continua à frente das privadas?
Paulo Lucon — As universidades públicas precisam se atualizar. Um exemplo são os cursos de especialização. Na PUC, a Cogeae [Coordenadoria Geral de Especialização, Aperfeiçoamento e Extensão] é um sucesso, tem inúmeros alunos. Já na USP, temos dificuldades tremendas para abrir essa vertente, que seria vantajosa em todos os aspectos, inclusive no financeiro, porque poderia redundar em benefícios para a universidade: reformar e modernizar as salas de aula, colocando computadores, internet, ar-condicionado, que fazem falta. Mas não resta dúvida de que, na Universidade de São Paulo, o material humano é primoroso. As dificuldades materiais são supridas pela excelência dos alunos, que têm se mostrado extremamente interessados. Ultimamente, eles têm mudado os mecanismos de aula. Querem mais o método socrático, de debate, de participação. Isso tem levado o professor também a se atualizar. Porque não basta ministrar apenas aulas expositivas, conferências. Elas devem ser residuais. O aluno quer participar, dar sua opinião, falar de temas atuais.

ConJur — A USP tem um programa forte de pós-graduação. Ele não é suficiente para quem deseja continuar os estudos?
Paulo Lucon — A pós-graduação da Faculdade de Direito expandiu-se excessivamente, o que prejudicou o nível dos trabalhos e é muito ruim para a universidade. Não adianta trabalharmos apenas com estatísticas, priorizando o número de mestres e doutores, se esses mestres e doutores não têm a qualidade necessária. Não adianta formar pós-graduandos. Os alunos saem da universidade sem o mínimo suficiente para começar na profissão. Por isso a procura por extensão universitária. Eles acabam correndo atrás do mestrado e do doutorado, mas a finalidade específica do mestrado e do doutorado é a formação de mestres e doutores, e não capacitar profissionalmente o bacharel. É um equívoco aumentar o número de vagas na universidade pública para o mestrado e o doutorado. Deve haver esses cursos, mas com menos vagas, compensando com um curso de especialização. Vejo com bons olhos o trabalho feito pela Fundação Getúlio Vargas na formação dos jovens advogados, por exemplo. Lá existe toda uma infraestrutura para o aluno, o que faz diferença. No entanto, a grande procura para o vestibular da faculdade de Direito da Universidade de São Paulo gera um material humano de melhor qualidade.

ConJur — É preciso repensar o currículo do Direito nas universidades?
Paulo Lucon — Precisamos repensar que tipo de ensino queremos. Não adianta mais aquele ensino jurídico massificado, com vários alunos na classe, em que o professor é um mero expositor de ideias. Os alunos precisam criar um sentimento de discussão, grupos de debates, seminários com casos práticos. Na Faculdade de Direito da USP estão querendo promover uma reforma na grade, envolvendo mudanças nas matérias obrigatórias e optativas e um núcleo de práticas jurídicas. Mas eu temo que deixando um pequeno número de matérias obrigatórias, o aluno passe a escolher poucas matérias optativas, e as mais fáceis, criando um mecanismo horrível de multiplicação de diplomas. Não sou favorável a esse sistema de se abrir muito as matérias optativas. Deve haver uma formação básica mais ampla.

ConJur — Como está essa discussão?
Paulo Lucon — Está em estudo. Eu elaborei, junto com outros professores do Departamento de Processo, uma grade que consideramos mínima para a matéria de Direito Processual, Processo Civil e Processo Penal. A orientação foi de cortar matérias obrigatórias e oferecer matérias facultativas. Mas meu temor é que, com a criação de matérias facultativas, os alunos fujam daquelas em que haja maior grau de exigência.

ConJur — O que originou a orientação?
Paulo Lucon — Os alunos se queixam de ficar muito tempo na faculdade e não ter tempo para estudar. Mas a solução, a meu ver, seria que, durante três anos, o aluno estudasse em período integral, com bolsa, com uma ampliação dos laboratórios de prática para que os alunos possam saber como se comportar no mercado de trabalho. É preciso ter uma formação filosófica e teórica no início do curso de Direito? Sem dúvida. Mas é preciso também ter uma formação para inserir aquele aluno na sociedade, no mercado. Não basta tão somente dar uma formação humanística. Seria de bom tom tornar obrigatórias as matérias voltadas para o aperfeiçoamento profissional. Na minha área, é essencial estudar Teoria Geral do Processo, Teoria Geral das Provas, saber sobre princípios e garantias, para que se tenha ideia de como funcionam os mecanismos de legitimação de uma decisão judicial.

ConJur — Essas matérias não são obrigatórias?
Paulo Lucon — Existem matérias que foram deixadas de lado, como processo coletivo. É importante saber como é uma ação civil pública, uma ação popular, um mandado de segurança coletivo. Mas são matérias optativas. Mesmo que o aluno não vá ser advogado, precisa ter uma visão geral.

ConJur — Quando a Lei do Estágio obrigou os escritórios a manter os estagiários trabalhando por apenas seis horas, para que tivessem mais tempo para dedicar aos estudos, as bancas notaram que, depois de formado, o bacharel ainda tinha pouca experiência. Como a faculdade pode reverter esse quadro?
Paulo Lucon — É necessário compreender a realidade brasileira. Normalmente, os alunos precisam trabalhar para ter condições de sobreviver, de continuar o curso. O ideal seria que os alunos ficassem em período integral na universidade e tivessem bolsas de estudos. Isso prepararia o aluno para a profissão. Depois da faculdade, ele teria de cumprir um estágio obrigatório, como funciona em alguns países, como na Itália. Hoje temos cerca de 800 mil advogados no Brasil, muitos com um nível muito baixo. Nesse aspecto, o Exame de Ordem é absolutamente necessário. Não dá para jogar essa massa de pessoas sem preparo no mercado, porque quem será prejudicada é a sociedade.

ConJur — A litigiosidade é uma característica bastante criticada no advogado, a quem é atribuída boa parte da culpa pelos 90 milhões de processos que tramitam no país. O que a faculdade pode fazer a respeito?
Paulo Lucon — Há uma cultura do litígio, da sentença. Somos ensinados a buscar soluções de alguém que tenha autoridade. Teríamos de ter uma cultura de conciliação, de mediação. O profissional do Direito do século XXI será ligado à mediação, à conciliação, a formas alternativas de solução de conflitos, fora do Judiciário. A Justiça deve ser a última via. Não tem sentido chegarmos a esse número de processos, mas ele é resultado também da ação do próprio poder público, que incentiva as demandas, além de ser o maior demandante. A edição de normas em exagero, o desrespeito à lei por parte do poder público e a utilização abusiva de recursos são grandes culpados. Nos tribunais superiores, a maior quantidade de recursos está dividida entre União, INSS, Caixa Econômica Federal e Fazenda Pública do estado de São Paulo. Isso deve ser coibido.

ConJur — O Iasp tem discutido propor a criação de um Conselho Estadual de Justiça em São Paulo, nos moldes do CNJ. Qual é o propósito?
Paulo Lucon — A OAB-SP trouxe essa ideia. Há um problema sério a respeito da falta de recursos da Justiça comum estadual. Esse problema não diz respeito só ao Judiciário, mas a todos da comunidade jurídica. É salutar que exista um foro para debate, para encaminhamentos e soluções em prol do aprimoramento da Justiça. Vamos comparar o estado de São Paulo com o do Rio de Janeiro. No Rio, as custas vão integralmente para o Judiciário. Sem contar a folha de pagamentos, que é suprida também pelo Executivo. Já em São Paulo, o Judiciário tem apenas 30% das custas. É um problema que precisa ser discutido. O maior estado da federação, em termos de recursos financeiros, de discussão judicial, de volume econômico das causas discutidas, precisa ter um Judiciário forte e ágil. Um conselho estadual de Justiça ajudaria a discutir a questão de política pública para o Judiciário. Como investir, o que é necessário, onde está faltando juízes.

ConJur — O TJ paulista tem falhado na interlocução com o governo?
Paulo Lucon — Eu não posso dizer por essa gestão, não no todo. Mas ao longo do tempo, o Judiciário paulista foi perdendo receita. E essa receita está fazendo falta.

ConJur — A nova diretoria do Iasp foi eleita — pela primeira vez em uma disputa, e não por meio de chapa única — com a proposta de se aproximar do associado. Como está a implantação dessas mudanças?
Paulo Lucon — Já criamos diretorias sobre vários temas. Estamos recebendo feed back dos associados e tem sido positivo. Nossa primeira reunião de conselho teve uma participação grande. O primeiro ponto é trazer o associado para o instituto. Sentimos que o Iasp se oxigenou com essa eleição. O segundo ponto é que o instituto passe a participar das grandes discussões jurídicas, e daí vem a importância dos pedidos de ingresso como amicus curiae. Estamos também com um projeto desafiador de fazer com que a câmara arbitral que já existe no Iasp passe a efetivamente funcionar. O Iasp tem uma tradição secular. Seus associados têm nível altíssimo. Por que as arbitragens não são feitas lá? Também faremos, em junho, um convênio com a Universidade de Lisboa, comemorando os 100 anos da universidade. Vamos fazer visitas institucionais aos tribunais de lá.

ConJur — Qual é a vocação do instituto? 
Paulo Lucon — Analisar as questões jurídicas por um prisma de conteúdo, de estudo, e não corporativo. Tanto isso é verdadeiro que o Iasp congrega promotores e juízes, e não só advogados.

ConJur — O senhor preside uma comissão no Iasp que discute a reforma política no país. Quais são seus projetos?
Paulo Lucon — O instituto deseja ingressar como amicus curiae em processos de relevância para a comunidade jurídica, não só em matéria eleitoral. Queremos criar uma participação efetiva dos associados para que o Iasp possa se manifestar tecnicamente sobre os vários assuntos que estão em debate no Brasil. Nesse ponto específico, temos em curso uma Ação Direta de Inconstitucionalidade que diz respeito à necessidade dos candidatos de ter suas contas aprovadas para serem considerados elegíveis. Há um dispositivo que alterou a Lei 9.504, de 1997, e que fala que os candidatos devem apresentar suas contas de campanha. A princípio, o Tribunal Superior Eleitoral decidiu que bastava que as contas fossem apresentadas para que o candidato fosse elegível. Depois, entendeu que a aprovação das contas era imprescindível. Houve uma forte manifestação contrária por parte da classe política, porque isso inviabilizaria a candidatura de milhares de postulantes. O TSE voltou atrás e passou a interpretar o dispositivo como fazia antes. Agora, a Procuradoria-Geral da República ingressou com uma ADI para que o Supremo Tribunal Federal dê a correta interpretação ao dispositivo. A ideia do Iasp é entrar como amicus curiae para colocar suas ponderações a respeito desse caso. O problema da aprovação é que o Judiciário acaba entrando nas minúcias das contas. Porque há casos em que o tribunal de contas rejeita as prestações, mas os parlamentares aprovam. E também há o inverso. Mas não há estrutura na Justiça para isso.

ConJur — Qual é a solução?
Paulo Lucon — Tem de haver um órgão técnico, com parecer, demonstrando claramente o que é uma conta insanável e o que é uma conta sanável. Com a possibilidade de o candidato, evidentemente, apresentar um assistente técnico, como funciona em uma perícia. O candidato, muitas vezes, não tem uma assessoria boa o suficiente para mostrar que a irregularidade não é insanável. O candidato não tem estrutura, o partido não tem estrutura. Ele não sabe prestar contas. No passado, o tribunal sempre se pautou pela verificação contábil. Como a legislação eleitoral é muito rigorosa, todo e qualquer pagamento tem que transitar em conta bancária. Bastava ter uma conta que não tinha transitado na conta bancária para os tribunais eleitorais reprovarem as contas. O sujeito não pagou a conta de luz com cheque, o imóvel foi emprestado por um parente, era motivo para reprovar. Agora, a pergunta é a seguinte: é justo tornar inelegível um candidato com irregularidades mínimas? Não. Nós temos que tornar inelegível o candidato com irregularidades graves, com irregularidades que comprometam a lisura do processo eleitoral. É aquele candidato que se utilizou de recursos vindos de fontes vedadas, de irregularidades em processos de licitação. Mas com o volume de trabalho no período eleitoral, muitas injustiças são cometidas, porque o juiz não consegue analisar todos os detalhes.

ConJur — O financiamento público de campanhas acabaria com a corrupção?
Paulo Lucon — Não tenho convicção formada sobre esse assunto. O que eu não gostaria é que o financiamento público viesse a onerar ainda mais o Estado. Penso que a transparência seria uma saída mais efetiva. Todo mundo tem que saber que aquele candidato representa determinado grupo econômico, como funciona nos Estados Unidos. Não sei se impedir doações por pessoas jurídicas também será uma solução.

ConJur — Qual sua opinião sobre as restrições recentes para a propaganda eleitoral?
Paulo Lucon — Impedir tremendamente a propaganda eleitoral acaba criando situações em que se propicia a candidatura de pessoas que têm veiculação na mídia por outros meios. É o sujeito que tem programa de rádio, programa de televisão, que tem exposição na mídia. Um candidato só ganha eleição fazendo propaganda. Na medida em que se veda a propaganda ou se impede tremendamente a campanha eleitoral, o prejuízo é da própria eleição, porque gera tratamento desigual entre os candidatos.

ConJur — Impedir o uso do Twitter inibe o surgimento de novos nomes, que usam as redes para buscar bases?
Paulo Lucon — Essas redes sociais, como o próprio nome diz, são redes. Portanto, são fechadas. O sujeito está numa comunidade se comunicando. Sou contra é em relação ao spam, o e-mail enviado para todo mundo. Isso é errado. Mas numa rede social, o candidato foi aceito, as pessoas querem saber dele. É evidente que isso deve ser permitido.


Reportagem de Alessandro Cristo
fonte:http://www.conjur.com.br/2013-mar-10/entrevista-paulo-lucon-professor-usp-vice-presidente-iasp
foto:http://www.ibahia.com/detalhe/noticia/judiciario-comeca-a-discutir-metas-para-2012-e-2013/?cHash=dea12abfc28e527d72ab5a5dc69a4331

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