15/12/2012

Pacientes de países pobres sofrem por falta de acesso à morfina


A morfina é uma droga barata, de fácil uso e eficiente no controle da dor. Então, por que milhões de pessoas no mundo morrem sentindo dor, sem acesso ao medicamento?
Em um ala do hospital Mulago, em Kampala, capital de Uganda, na África, um dos leitos é ocupado por uma paciente idosa chamada Joyce.

Em sua agonia, ela torceu os lençóis em torno de si mesma. Seu rosto também está contorcido pela dor. O marido da paciente circula em torno da cama, sem saber o que fazer.
Joyce tem câncer, e a doença se alastrou por todo o seu corpo. Poucos dias atrás, ela estava sendo medicada com morfina. Mas os suprimentos do hospital terminaram.
Segundo uma enfermeira, a paciente sente dor constantemente. "Ela descreve a dor como profunda - dentro dos ossos", afirmou.
O governo de Uganda produz e distribui sua própria morfina para uso em hospitais, mas por falta de organização, a distribuição da droga é irregular.

De acordo com dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), mais de cinco milhões de pessoas com câncer morrem anualmente em condições de dor intensa, sem ter acesso a morfina."O fato de que o que separa essas pessoas do alívio daquela dor é uma droga que custa US$ 2 por semana é simplesmente inadmissível", disse Meg O'Brien, chefe da ONG The Global Access to Pain Relief Initiative - entidade que luta por um maior acesso à morfina.

O'Brien disse que em países ricos, como a Grã-Bretanha e os Estados Unidos, existe morfina suficiente para tratar 100% das pessoas que sentem dor. Em países de baixa renda, no entanto, esse índice cai para 8%.
A morfina é produzida a partir de papoula (Papaver somniferum) - cujo 'leite' também é usado para a fabricação da heroína. Ela foi descoberta em 1804 e comercializada como analgésico, pela primeira vez, em 1817. Ela é recomendada pela Organização Mundial de Saúde para combater a dor em casos específicos.
Segundo alguns relatos, no entanto, é praticamente impossível de se encontrar morfina em cerca de 150 países de baixa renda (a lista também inclui alguns países de renda média). Vários governos não oferecem a droga, ou limitam seu uso, por temor de que ela seja usada para fabricar heroína.
Muitos médicos também relutam em receitar o medicamento, temendo que os pacientes fiquem viciados - algo que, estudos comprovam, raramente ocorre.
Na Índia, ter ou não ter acesso à morfina vai depender de onde você é tratado. Em Mumbai, o moderno e bem equipado Tata Memorial Hospital tem quantidades suficientes de morfina para tratar seus pacientes.
"Nunca ficamos sem", disse a médica Mary Ann Muckaden, encarregada do controle de dor no hospital.
Mas a história é muito diferente em outras partes do país. Muckaden calcula que entre 1 e 2% apenas dos indianos com câncer tem acesso a morfina.
Dinesh Kumar Yadav, com 28 anos, viajou 30 horas em um ônibus para ir buscar morfina no Tata Memorial Hospital. A esposa de Dinesh está em casa, na cama, com dor, mas não pode obter morfina no Estado onde os dois vivem, no norte do país.
Muckaden diz que parte do problema é uma burocracia asfixiante. "Muitos médicos no norte não querem enfrentar o rigoroso processo de licenciamento para estocar morfina", afirma.

Preconceito

Não são apenas problemas de distribuição que separam pacientes com dor intensa da morfina.
O Palliative Care Centre Cipla, em Pune, no Estado indiano de Maharashtra - um hospital que oferece tratamentos paliativos para pacientes com câncer - tem morfina em abundância. Porém, médicos relutam em referir pacientes para o centro, que tem capacidade ociosa de 40 %.
"Isto aqui é um céu na Terra", disse Asha Dikshit. A mãe dela sofria de câncer de mama e foi internada no Cipla no estágio terminal de sua doença.
Arejado e cercado de fontes e jardins, o lugar deixou uma boa impressão em Asha, apesar de sua mãe ter morrido ali.
"Ela estava em agonia, tinha dor nas costas e às vezes sofria alucinações". Asha conta, no entanto, que a mãe morreu em paz, medicada com morfina.
Todos os pacientes do centro têm câncer, e o tratamento é gratuito.
Por que haveria, então, tantos leitos vazios no Cipla?
A diretora do hospital, Priya Kulkarni, disse que muitos pacientes têm preocupações em relação à morfina.
Eles associam a morfina com morte e se retraem quando os médicos sugerem seu uso, ela explicou.
E pela mesma razão, os próprios oncologistas também deixam de mandar seus pacientes para o centro.
"Dizer algo como, 'Vou enviar você para um especialista em (tratamentos) paliativos' significa dizer, indiretamente, 'não tem mais nada que eu possa fazer por você'".

Indícios positivos

Apesar de tantos obstáculos ao uso da morfina nos países em desenvolvimento, Kulkarni e outros dizem que já há algumas melhorias.
Em países de baixa renda, o consumo aumentou dez vezes desde 1995, segundo dados do International Narcotics Control Board. E em vários países onde, até pouco tempo, não havia morfina - como Uganda, por exemplo - hoje já existem suprimentos, ainda que limitados.
De volta ao hospital em Kampala, onde a paciente Joyce se contorcia de dor por falta de morfina, a especialista em tratamentos paliativos Leslie Henson teve sorte: ela encontrou um último vidro de morfina em uma prateleira, suficiente para tratar dois ou três pacientes.
Logo, a droga é administrada na paciente, que sorri. Seu rosto não está mais contorcido e seu marido está aliviado.
Outros pacientes no hospital ainda sofrem. Mas nas próximas horas, ao menos, Joyce não sentirá dor.


Reportagem de Joanne Silberner
fonte:http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/12/121211_morfina_mv.shtml?s#page-top
foto:imesa.org.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigada pela visita e pelo comentário!