12/10/2012

Delegar a criação dos filhos a babás pode dificultar vínculos entre crianças e pais



A função da babá deveria ser dar suporte aos pais nos cuidados com as crianças. Mas não são poucas as famílias que delegam as próprias responsabilidades a essas profissionais. Até mesmo nos fins de semana, em que boa parte do tempo livre deveria ser dedicada aos filhos, há pais que não abrem mão de sua presença: no parque, no shopping, na festinha de aniversário dos amigos ou outro passeio qualquer, lá está a babá dando comida à criança, levando-a ao banheiro, contando historinhas ou brincando com ela. 
Contar com um auxílio para criar os filhos é um privilégio –as refeições de casais com filhos pequenos, por exemplo, podem ser bem caóticas e ter alguém por perto para ajudar é mais do que conveniente. No entanto, muitos casais têm contado com a presença das babás em tempo integral (ou quase).
Para Míriam Ribeiro de Faria Silveira, presidente do Departamento de Saúde Mental da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP), muitas pessoas não assumem que não gostam de dedicar cuidados aos filhos, como trocar fraldas, dar banho, alimentar e brincar. Aí inventam desculpas, como agenda cheia, cansaço e até falta de jeito, e repassam essas tarefas mesmo quando estão por perto.
"Os pais precisam entender que é por meio dessas interações que o desenvolvimento saudável acontece. Esses momentos são grandes oportunidades de trocas de amor e carinho que farão toda a diferença no futuro, inclusive na maneira de ser dos filhos na vida adulta e em como se comportarão no papel de pais", explica.
Míriam afirma que as diferentes formas de diversão são importantes. A criança deve brincar sozinha, com outras crianças, com os cuidadores (babás, avós, professores) e, principalmente, com os pais. "Brincar leva a criança a mostrar suas alegrias e dificuldades, é uma das melhores maneiras de conhecê-la", declara a pediatra.

Formação do vínculo

A interação constante das profissionais com as crianças interfere na formação do vínculo com os pais. Os laços que a criança cria com a babá serão muito mais intensos, dificultando o papel dos pais quando eles forem realmente fazer sua parte. "Por mais adequada e competente que a babá seja, a responsabilidade de cuidar e educar na maior parte do tempo deve ser dos pais. A criança espera que eles cuidem dela quando estão presentes, que brinquem, alimentem e deem banho”, diz a terapeuta familiar Roberta Palermo, autora do livro "Babá / Mãe – Perguntas e Respostas" (Mescla Editorial).
Se o cotidiano corrido não permite o tempo todo tal zelo, pelo menos aos sábados, domingos e feriados os adultos precisam dedicar maior atenção às crianças. Há o risco de os filhos se sentirem confusos e carentes, porque estranham o fato de que os pais, mesmo quando estão disponíveis para dar atenção, não o fazem.
Quem tem uma babá por perto o tempo todo acaba se acomodando. O ideal é que a babá ajude, principalmente, com as tarefas mais chatas. Ela pode encher a banheira e deixar tudo pronto para que a mãe ou o pai deem o banho. O mesmo vale para a alimentação: a profissional prepara as papinhas ou a refeição, mas os pais alimentam o filho.
Na opinião do pediatra Abelardo Bastos Pinto Jr., a babá pode ajudar em algumas circunstâncias que possam permitir também o lazer dos pais –uma festa ou um jantar em um restaurante, por exemplo. "Entretanto, delegar boa parte desse precioso tempo a elas pode provocar situações constrangedoras, como o fato de serem chamadas de mãe, pois estão desempenhando exatamente esse papel", diz o especialista, colaborador do livro "Filhos de 2 a 10 anos" (Ed. Manole), publicado como guia oficial da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), em 2011.
"É comum a mãe se queixar comigo que, ao buscar a criança na escola, ela corre para os braços da babá. Claro. Ela está cansada, com fome e quer brincar. Quem dá o colo, o banho? Quem alimenta? Quem brinca?", pergunta a terapeuta familiar Roberta Palermo.

Prejuízos futuros

Para o casal, ter uma pessoa que não é da família o tempo todo com os dois não só tira a privacidade como interfere na dinâmica familiar. "Na presença de um terceiro, nem sempre somos autênticos o suficiente e as crianças precisam conhecer seus pais", diz Míriam Silveira, da SPSP. É preciso ter em mente, ainda, que a babá, como qualquer profissional, pode um dia ter que se ausentar ou se demitir. Nos casos em que os pais delegaram a ela todos os cuidados, a criança pode sofrer muito com a falta dela e apresentar problemas emocionais como consequência.
"Os pais podem descobrir nessas ocasiões que seus filhos são verdadeiros desconhecidos e que perderam algo, muitas vezes, irrecuperável", diz Míriam. “O rompimento pode até favorecer aqueles pais que abriram mão do seu papel. Os que se mostrarem realmente interessados na formação de seus filhos serão capazes de compensar esse acontecimento", argumenta Abelardo Bastos Pinto Jr.
Quando a família troca de babá constantemente, a criança pode sentir insegurança, carência, abandono e apresentar baixo rendimento escolar. Na ausência de uma babá que realizava tudo, a criança sente uma perda muito grande. Por isso é fundamental que ela se despeça da cuidadora e entenda que não a verá mais. É muito inadequado mentir para a criança, dizer que a babá está de férias, por exemplo. Uma nova babá virá, entrará de férias e a criança achará que, mais uma vez, não vai voltar.
No futuro, os pais podem se ressentir ou se arrepender de terem participado pouco da infância de seus filhos. “Uma frase muito comum é ‘não vi meu filho crescer’. Se esse sentimento já aparece nos pais que participam de todas as tarefas, imagine nos ausentes. Dizem para si mesmos que tiveram que sair, que não deram conta, precisaram trabalhar, mas, muitas vezes, se acomodaram mesmo. Por maior que seja o cansaço e o estresse, tem de chegar em casa e cuidar de seus filhos, sim", afirma a terapeuta familiar Roberta Palermo.


Reportagem de Heloísa Noronha
foto:eunascinoviladaserra.com.br

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