Ela vestia roupas cor de rosa e sapatos de salto alto combinando enquanto visitava o canteiro de obras. Logo depois da visita de To Linh Huong em abril, as fotos que registraram o momento se tornaram virais na Internet, mas não devido ao senso de estilo de Huong.
Filha de um membro do Politburo do Partido Comunista Vietnamita, o corpo político mais poderoso do país, Huong tinha sido nomeada há poucos dias a chefe da empresa estatal de construção. Os comentaristas na Internet expressaram ultraje por alguém tão jovem –ela teria 24 anos– ocupar um cargo tão alto.
“Pegar uma garotinha que acabou de se formar em jornalismo e torná-la diretora de uma construtora não é diferente de pegar um homem com uma perna só e torná-lo goleiro de futebol”, dizia um comentário no “Pham Viet Dao”, um blog popular do escritor vietnamita de mesmo nome. “Lamento dizer –isso é estúpido demais.”
Como os líderes do Partido Comunista da China, os mandarins políticos do Vietnã estão lutando para conciliar a mensagem de igualdade e justiça social de seu partido com as realidades de uma elite repleta de riqueza e privilégio. A crescente divisão entre a pobreza rural e a riqueza urbana se tornou especialmente gritante, agora que uma década de crescimento vertiginoso chegou ao fim, diminuindo as perspectivas para os cidadãos pobres e de classe média subirem a escada social.
“Até agora, o crescimento era maravilhoso e ser rico era ótimo”, disse Carlyle A. Thayer, um especialista em política vietnamita que tem um banco de dados sobre os líderes vietnamitas e seus parentes. “Há um crescente ressentimento, particularmente entre os pobres, em relação aos ricos.”
Grande parte da ira se concentra na versão do Vietnã do capitalismo clientelista –os laços estreitos entre os magnatas e as principais autoridades do Partido Comunista. Essas críticas floresceram em parte devido ao vazamento das notícias de abusos, à medida que as empresas estatais, que continuam sendo uma parte central da economia, afundam, ajudando a agravar os sérios problemas financeiros do Vietnã. Ativistas e críticos também têm conseguido usar o anonimato da Internet para contornar os rígidos controles à mídia, que impedem que muitos escândalos se tornem públicos.
Com o aumento das críticas, alguns dos parentes das autoridades do Partido Comunista deixaram alguns cargos de maior visibilidade.
Huong deixou a estatal sob seu comando em junho, três meses após sua nomeação, e a filha do primeiro-ministro deixou recentemente um de seus cargos, em um banco privado.
Enquanto isso, as autoridades do governo soam na defensiva.
O presidente do Vietnã, Truong Tan Sang, emitiu uma dura autocrítica em um recente artigo na imprensa estatal, escrevendo sobre “os fracassos e ineficácias das empresas estatais, a decadência da ideologia política e da moralidade”. Ele também culpou o “estilo de vida de um grupo de membros do partido e autoridades” pelos problemas do país.
“Nós deveríamos nos orgulhar do que fizemos”, ele escreveu, falando do boom econômico sob a liderança comunista, “mas aos olhos de nossos ancestrais, nós também deveríamos nos envergonhar de nossas fraquezas e fracassos, que têm impedido o crescimento do país”.
Na Internet e nas redes sociais, grande parte da fúria contra o nepotismo e a má gestão econômica é direcionada ao primeiro-ministro Nguyen Tan Dung, que foi reeleito no ano passado para um mandato de cinco anos em meio à turbulência do fracasso das estatais.
“As pessoas temem que ele tenha poder demais –elas sentem que ele precisa ser contido”, disse Thayer, que é professor emérito da Universidade de Nova Gales do Sul, em Canberra, Austrália.
A família de Dung foi o foco de um cabograma diplomático em 2006, o ano em que ele se tornou primeiro-ministro, escrito por Seth Winnick, que era na época o cônsul geral dos Estados Unidos em Ho Chi Minh.
O cabograma, que se tornou público por meio do WikiLeaks, destacava a carreira empresarial de Nguyen Thanh Phuong, a filha do primeiro-ministro. “Não há dúvida de que ela é talentosa”, escreveu Winnick. “Mas sua rápida ascensão, e as muitas portas abertas para ela e seus dois irmãos, indica o quanto a elite política vietnamita cuida para que seus filhos fiquem bem situados política, econômica e educacionalmente.”
Apesar de ela ter trabalhado no setor privado, o cabograma notou o quanto o público e o privado tendem a se misturar no Vietnã, com seu sistema híbrido de governo comunista de partido único e crescente capitalismo.
Phuong administra um fundo de investimento chamado Viet Capital Asset Management e uma corretora, a Viet Capital Securities, ambas empresas privadas. Em junho, em meio às críticas na Internet à sua riqueza e influência, ela renunciou como presidente do Viet Capital Bank, um posto que ela ocupou por quatro meses.
Apesar de Phuong estar entre os mais conhecidos dos chamados “filhos dos poderosos”, a lista é longa. Ela inclui o irmão dela, que é vice-ministro das construções, e Huong, a jovem que comandou a construtora estatal e é filha de To Huy Rua, um membro poderoso do Politburo. Outros ascenderam dentro do partido. O filho de Nong Duc Manh, que se aposentou como secretário-geral do Partido Comunista no ano passado, é membro do Comitê Central do partido.
Devido aos controles rígidos à mídia –e punição severa com cadeia à dissensão– as críticas à liderança são em grande parte anônimas, em blogs e páginas do Facebook, frequentemente movidas por rumores e fofoca sem corroboração. Mas à medida que as estatais sofrem com escândalos e acúmulos de dívidas, detalhes do nepotismo e dos negócios escusos também ganharam domínio público.
Ao noticiar o colapso de um dos maiores conglomerados estatais, o Vinashin, o órgão estatal de notícias revelou que pelo menos três parentes do presidente da empresa, Pham Thanh Binh, ocupavam altos cargos na empresa, incluindo seu filho e irmão.
O custo total desses escândalos para a sociedade vietnamita permanece desconhecido. Mas os bilhões de dólares em dívida provavelmente serão um fardo imenso para a economia por muitos anos.
Diante da história de revolta do Vietnã, talvez seja adequado que muitos dos comentários amargos online sobre os escândalos frequentemente sejam acompanhados por um antigo poema vietnamita, ensinado às crianças na escola:
O filho de um rei se tornará rei
O filho do zelador do templo varrerá as folhas
Quando as pessoas se erguerem e tomarem o poder
O filho do rei perderá o poder e varrerá o templo.
Tradutor: George El Khouri Andolfato
Reportagem de Thomas Fuller
fonte:http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/nytimes/2012/09/04/vietnamitas-contestam-a-crescente-desigualdade-que-assola-o-pais-na-sociedade-e-na-politica.htm
foto:tropicalisland.de
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