Os rebeldes e as milícias da África descobriram o comércio ilegal de marfim. Objetos de desejo na Ásia, os dentes dos elefantes angariam belas somas que estão financiando guerras pelo continente. Os guardas florestais não têm a menor chance de impedir o massacre.
Os oito guardas do Serviço Silvestre do Quênia passaram horas esperando escondidos entre arbustos e árvores. Um informante havia denunciado que os caçadores iam aparecer naquele local à tarde.
Quando os caçadores de fato apareceram, houve um longo tiroteio de 40 minutos que deixou um caçador somali morto ao lado de seu rifle automático. Os outros cinco, alguns deles feridos, conseguiram fugir para a mata, e assim terminou mais um expediente comum na vida dos protetores dos animais do Parque Nacional Tsavo East.
De fato, este dia, há duas semanas, foi um dos melhores. Os próprios guardas não sofreram perdas na escaramuça e chegaram lá em tempo, em vez de encontrarem a carcaça de um elefante com os dentes cortados, como é o caso tantas vezes.
Cerca de 500.000 elefantes ainda vivem na África, mas os caçadores matam dezenas de milhares por ano, e esse número está crescendo. Autoridades alfandegárias apreenderam mais de 23 toneladas de marfim de elefante contrabandeadas em 2011, a maior quantidade em 20 anos.
Novos exploradores entraram no negócio sangrento do marfim africano, e são ainda mais brutais do que os caçadores comuns. São membros das milícias e rebeldes que trituram os animais com armas pesadas para financiar suas guerras. Grupos como o Al-Shabab, militante islâmico da Somália, e o Janjaweed, do Sudão, e o famoso Exército da Resistência do Senhor, da Uganda, estão torando as savanas da África Central em Campos de Sangue de elefantes.
Como os diamantes em Serra Leoa, o marfim atualmente está "patrocinando os conflitos pelo continente", escreveu o "New York Times" no início do mês. Em uma audiência no Senado dos EUA em maio, um especialista em comércio ilegal, Tom Cardmone, testemunhou: "Nos últimos anos, os sindicatos do crime organizado, as milícias e até elementos terroristas descobriram os lucros que podem ser obtidos com o tráfico ilegal de vida silvestre, gerando um aumento alarmante na escala da indústria e impondo sérias preocupações à segurança nacional para os EUA e seus parceiros". Especialistas na África já estão falando em "marfim de sangue", uma alusão aos "diamantes de sangue" que os senhores de guerra em Serra Leoa usaram para pagar sua munição.
"Mate-os também"
Julius Kipng'etich, que administra uma equipe de 3.500 guardas florestais quenianos, recusa-se a ser intimidado pelos líderes das milícias. "Vamos tornar a vida dos caçadores o mais difícil possível", disse ele. Sete de seus guardas foram mortos em tiroteios com caçadores só neste ano, então Kipng'etich emitiu uma nova ordem aos seus homens dias atrás: "Atirem para matar". Eles não devem mais dar tiros de advertência e sim mirar imediatamente no coração ou na cabeça. "Essas pessoas são duras feito prego", disse ele. "Elas querem matar o máximo do nosso pessoal e erradicar nossos elefantes. É tiro por tiro. Matem-nas também".
Kipng'etich armou suas tropas com helicópteros, veículos de tração nas quatro rodas e equipamento de laboratório. "Perto da fronteira somali, nós operamos como um exército", explica. É para lá que os senhores de guerra da Al-Shabab enviam tropas de assalto com cada vez mais frequência para caçar elefantes. Algumas vezes eles contratam jovens quenianos para o trabalho e pagam o equivalente de US$ 70 (em torno de R$ 140) por um par de presas.
A Al-Shabab, que está lutando contra o governo interino da Somália, não encontra dificuldades ao enviar seu marfim roubado para os mercados asiáticos, já que o grupo terrorista controla a cidade portuária de Kismayo, que também é um centro importante de armas e drogas.
Quase 90% do marfim que é comercializado globalmente vai para a China e Tailândia, onde o sucesso econômico alimenta a demanda. Os enfeites de marfim são um símbolo de status para os novos ricos chineses, e é um costume entre empresários japoneses selar contratos com selos de marfim talhado.
A China também tem outras formas de obter o marfim. Pequim tem várias centenas de milhares de trabalhadores e engenheiros na África, construindo ruas, linhas de trem e prédios governamentais. "E aonde vão, os elefantes estão morrendo". É algo que a embaixada chinesa não gosta de ouvir, mas é verdade, diz Kipng'etich.
Dinheiro fácil
Na região em torno de Gulu, no norte da Uganda, os elefantes agora estão extintos, muitos deles massacrados pelo grupo terrorista Exército da Resistência do Senhor. Joseph Okot, hoje com 25 anos, foi soldado infantil do ELS e foi forçado a caçar no Parque Nacional de Murchison Falls. "Matávamos tudo que cruzava nosso caminho", disse Okot. A carne ia para as panelas dos soldados e os comandantes ficavam com as presas.
O grupo está em conflito no triângulo onde convergem a República Democrática do Congo, o Sudão do Sul e a República Central Africana, uma região que nenhum governo controla. "O ELS domina a área, e o marfim é uma de suas fontes de renda mais importantes", diz Michael Warnithi, especialista em elefante e assessor do governo.
Os desertores muitas vezes informam que receberam ordens pessoalmente de Joseph Kony, o famoso chefão do ELS, para matar elefantes. Em abril, os guardas congoleses no Parque Nacional de Garamba pegaram de volta as presas dos elefantes de um grupo de combatentes do ELS. Em junho, os guardas pegaram outro grupo em flagrante -depois tiveram que fugir quando os guerrilheiros bem treinados abriram fogo contra eles como se estivessem em batalha.
Um quilo de marfim pode chegar custar US$ 2.000 no mercado negro, e uma única presa pesa de 10 a 60 kg. Em outras palavras, um elefante morto pode dar até US$ 120.000. Isso é muito dinheiro na África, e fácil de ganhar também -em vez de forçar violentamente centenas de trabalhadores a trabalharem em minas de diamante, só o que é preciso para botar a mão neste recurso valioso são alguns tiros e várias machadadas.
O ELS tem excelentes conexões em Omdurman, a maior cidade do Sudão, onde atravessadores trocam as presas dos elefantes por armas e munição. Mas também é possível transportar o marfim pela Uganda, Quênia ou Congo, onde as autoridades muitas vezes são mal pagas e fáceis de subornar.
Só uma solução
A guerra por elefantes começou com um erro político, reclama Wamithi, especialista em elefante no Quênia. Em 1989, com o elefante africano em risco de extinção, a Convenção de Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas de Fauna e Flora Selvagem proibiu o comércio de marfim no mundo todo. A convenção serviu seu propósito, e a população de elefantes se recuperou.
Como resultado, porém, inúmeras presas começaram a se acumular nos armazéns dos guardas florestais africanos, dos animais que tinham morrido de morte natural, por exemplo -e que incitavam a cobiça. Em 2008, Zimbábue, África do Sul, Namíbia e Botsuana obtiveram permissão especial para que seus governos vendessem 108 toneladas de marfim, e os comerciantes da China e do Japão pagaram milhões. Mas como alcoólatras em recaída depois de um longo período de abstinência, o apetite voltou imediatamente. "Isso alimentou a demanda", diz Wamithi, "e a matança voltou".
No início deste ano, o massacre atingiu um pico brutal quando, em apenas algumas semanas, os caçadores mataram 350 dos 1.500 elefantes que vivem no Parque Nacional de Bouba Ndjida, em Camarões. Os quatro guardas do parque, que ocupa uma área quase tão grande quanto o Estado federal alemão de Sarre (2.600 km quadrados), não tiveram a menor chance. Tudo o que puderam fazer foi olhar enquanto os estranhos guerreiros a cavalo invadiram a área com Kalashnikovs no peito.
Os caçadores cortaram pedaços das orelhas dos elefantes que mataram, uma indicação que provavelmente eles vinham do Sudão, a mais de mil quilômetros de distância, onde é tradicional pegar esse tipo de troféu.
Nenhum dos caçadores foi capturado, mas os guardas acreditam que eram novos membros da Janjaweed, guerreiros montados que mataram milhares de civis na região de Darfur, no Sudão. Os milhões de dólares obtidos com a incursão vão permitir que refaçam seus estoques de armas.
Michael Wamithi e a maior parte dos outros conservacionistas acreditam que só há uma forma de salvar esses animais no longo prazo: a proibição total do comércio estabelecida em 1989 precisa ser reintroduzida urgentemente. "Enquanto houver um mercado, a matança vai continuar", diz Wamithi.
Tradutor: Deborah Weinberg
Reportagem de Horand Knaup e Jan Puhl
foto:orkut.com
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