“Tchiéne mais sacuelas ?”. Esta frase em rocambolesco portunhol era um clássico dos turistas brasileiros que visitaram a capital argentina entre 2007 e 2010 na hora de pedir aos atendentes das lojas mais sacolas para colocar a miríade de produtos que compravam, aproveitando os preços baixos. Mas essas cenas de consumismo explícito fazem parte do passado.
A disparada da inflação na Argentina - cuja existência o governo da presidente Cristina Kirchner nega - está atingindo as viagens de brasileiros. “E, aqueles que estão vindo, estão comprando muito menos”, afirmam lojistas, garçons e integrantes do setor hoteleiro consultados pelo Estado em Buenos Aires e Bariloche, os dois principais pontos de turismo para os brasileiros na Argentina.
Ao longo das últimas três décadas e meia, os argentinos visitaram em massa as praias brasileiras, enquanto poucos brasileiros viajavam para a Argentina. Mas, desde 2004, os brasileiros - de forma crescente - também começaram a visitar o país dos “hermanos”, transformando-se no principal grupo de turistas estrangeiros na Argentina.
Em 2011, segundo um relatório do Departamento Geral de Pesquisas e Observatório Turístico do governo portenho, 888 mil turistas brasileiros desembarcaram em Buenos Aires, o equivalente a 3,46% mais do que em 2010. Mas, entre janeiro e agosto deste ano, o governo portenho registrou uma queda de 6,0% em relação ao mesmo período de 2011.
Além da queda do volume de turistas, cada brasileiro que visita a inflacionada Argentina gasta cada vez menos. Entre janeiro e julho deste ano, os brasileiros deixaram no país US$ 537 milhões, isto é, 8,9% menos do que no mesmo período de 2011.
“Os preços estão absurdos”, afirmam em uníssono as amigas Florência, Mônica e Jane. “Hotéis, restaurantes... tudo está caro!”, explicam. “E, para complicar, o dólar oficial é baixo. Por causa das restrições do governo argentino sobre o dólar, temos de buscar um doleiro para trocar no paralelo.”
Gislaine e Joelsa, brasileiras que residem há três anos em Buenos Aires, onde estudam medicina, dizem que antes recebiam amigos e parentes do Brasil que visitavam a cidade. “Hoje, o pessoal vem só para passear mesmo. Compras, como antes, nada”, exclamam. “Até pensamos, algumas vezes, em voltar para o Brasil, por causa da alta inflação e do crescimento da criminalidade.”
Inflação
O governo da presidente Cristina Kirchner afirma que a inflação acumulada nos últimos 12 meses é de 9,9%. No entanto, economistas independentes, empresários, sindicatos e associações de defesa dos consumidores consideram que o índice está sendo manipulado desde 2007 e que o aumento de preços nesse período é de 23,2%. As consultorias econômicas afirmam que, nos últimos cinco anos, a inflação acumulada real é de 130%.
“Essa situação coincide com uma aceleração da inflação local, além de uma menor dinâmica do ajuste no tipo de câmbio nominal entre o peso e o dólar. Isso significa que os custos na Argentina, medidos em dólares, aumentaram intensamente desde 2011”, afirmou Mónica Kapusta, diretora da área de comunicação do Observatório de Turismo.
Miami
As autoridades portenhas temem que parte do fluxo de brasileiros esteja indo para Miami, nos Estados Unidos. “Essa visita a Buenos Aires é para passear e ver a cidade, que é muito bonita. Mas nada de compras. Os preços não compensam. Para compras, vamos para Miami”, disse Karina Russo, de Santos, que visita a cidade acompanhada do marido, Carlos Russo, e da filha.
O problema, afirma um integrante do governo portenho, é que nos países que antes enviavam turistas para a Argentina, a inflação é mais baixa. “O Brasil, que é nossa principal fonte de turistas, e outros países estão ficando relativamente baratos em dólares. O resultado desse cenário é que chegarão menos turistas para a Argentina.”
“Os brasileiros, quando têm dinheiro no bolso, gastam para valer. Mas, com a inflação que eles encontram aqui, ficam cautelosos e economizam”, afirmou Juan Manuel, que trabalha no bar Portezuelo, do bairro da Recoleta.
Priscila Bures, gerente de comunicação corporativa da CVC, afirmou que a Argentina continua sendo o destino internacional líder nas vendas da empresa. “Embarcamos em média 200 brasileiros para Buenos Aires diariamente”, diz. “Miami, Orlando e Nova York são destinos que crescem fortemente na CVC, mas ainda estão longe de alcançar Buenos Aires. A capital argentina se destaca por uma série de fatores, entre eles, a proximidade geográfica com o Brasil e o preço do pacote - que é mais em conta.”
Segundo Priscila, Buenos Aires conta com a vantagem da “proximidade do idioma, pois os brasileiros que fazem sua primeira viagem ao exterior sentem-se mais confortáveis em visitar a Argentina e lidar com o idioma espanhol, em vez do inglês”
foto:edgarlisboa.com.br
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