25/08/2012

Doentes terminais de países pobres não recebem tratamento digno contra dor, denuncia ONG



Dezenas de milhões de pessoas em todo o mundo não têm acesso aos medicamentos para dor, seja pela indiferença das autoridades em relação a esse problema, seja por restrições legais e administrativas ao emprego de analgésicos essenciais como os opiáceos.
Em um relatório publicado em junho de 2011, a organização Human Rights Watch (HRW) lembrava que “60% das pessoas que morrem a cada ano nos países de renda baixa ou média, ou seja, a desconcertante cifra de 33 milhões de pessoas, precisam de cuidados paliativos”. A ONG calculou que “mais de 3,5 milhões de pessoas afetadas por algum tipo de câncer ou pela Aids em estado terminal morrem a cada ano sem tratamento antálgico adequado”.
Uma das explicações é a Convenção Única sobre os Narcóticos, adotada em 1961 pela ONU. Esta reconhece que “o uso médico dos narcóticos continua sendo indispensável para aliviar a dor” e que “as medidas necessárias devem ser tomadas para garantir que narcóticos estejam disponíveis para esse fim”.
Mas ela afirma, paralelamente, que “a toxicomania é uma calamidade para o indivíduo e constitui um risco econômico e social para a humanidade”, que deve ser combatido. Portanto, é uma dupla obrigação para os Estados, monitorada pelo Conselho Internacional de Controle de Narcóticos (INCB, sigla em inglês), com sede em Viena, na Áustria.
O problema é que as preocupações sanitárias são secundárias em relação às motivações repressivas. Pesquisador sênior do departamento de saúde e direitos humanos da HRW, Diederik Lohman explica: “No final da vida, as pessoas que sofrem de doenças incuráveis, como o câncer, precisam de alívio pela morfina. Só que com à guerra contra as drogas, foram criados regulamentos e leis que constituem obstáculos ao alívio da dor. Os pacientes são vítimas colaterais invisíveis”.
O relatório da HRW fornece uma visão geral do problema. A organização, que passou em revista 192 países, constata que em 35 deles menos de 1% dos pacientes que apresentavam dores de moderadas a severas, em razão de um câncer ou de uma infecção pelo HIV em estado terminal, de fato recebiam os analgésicos potentes necessários.
A maior parte desses países está situada na África subsaariana, mas outros se encontram na Ásia, no Oriente Médio, na África do Norte ou na América Central. Por exemplo, a Nigéria, onde a cada ano mais de 173 mil pacientes de câncer ou de Aids em estado terminal precisariam de analgésicos para acalmar dores de moderadas a intensas, mas onde somente 274 doentes recebem a administração de opiáceos.
As desigualdades territoriais se refletem no uso médico da morfina: quase 90% do consumo mundial é feito na América do Norte e na Europa, ao passo que os países de renda baixa ou média só representam 6% deles, embora abriguem quase metade das pessoas que sofrem algum tipo de câncer e mais de 90% dos pacientes infectados pelo HIV.
Rastreabilidade dos opiáceos
Outros fatores também contam. A Ucrânia, por exemplo, só dispõe de morfina sob forma oral. A forma injetável do medicamento é utilizada no país para tratar dores crônicas, o que contraria as recomendações da Organização Mundial de Saúde. Mas essas injeções devem ser efetuadas por um profissional da saúde, o que acaba restringindo seu uso.
Um relatório de 2010 do INCB observa que, entre as barreiras de acesso aos opiáceos, figuram os temores dos profissionais da saúde de levar pacientes ao vício – ainda que estudos tenham demonstrado que não é esse o caso – e a formação insuficiente dos enfermeiros. Segundo a HRW, a isso se soma o fato de que “inúmeros países adotaram regras que vão bem além do que exige a Convenção Única, muitas vezes criando procedimentos complexos para o abastecimento, estocagem e entrega de medicamentos controlados, que entravam a acessibilidade para os pacientes que realmente precisam deles por razões médicas.”
Assim, na Ucrânia “são necessárias assinaturas de quatro médicos para emitir uma receita ou para modificar a dose prescrita para um narcótico”, relata Diederik Lohman. Outro exemplo, o México, que criou para as prescrições um sistema de etiquetas que levam um código de barras. “Existe um único lugar na capital de cada Estado que fornece os opiáceos, e o próprio médico que emite a receita deve ir buscar o medicamento”, descreve o pesquisador. “O farmacêutico precisa ter uma autorização, mas muitas vezes ele não possui um leitor de código de barras. Em outras palavras, o sistema implementado para garantir uma rastreabilidade dos opiáceos se revela uma barreira tanto para os pacientes quanto para os médicos”.
De alguns anos para cá a HRW tem participado das reuniões do INCB. Ela reconhece que o órgão das Nações Unidas tem evoluído positivamente, ao insistir mais na necessidade do acesso aos analgésicos essenciais. A HRW, no entanto, pede aos países que façam de tudo para respeitar aquilo que ela considera um “direito humano”.


Tradutor: Lana Lim
Reportagem de Paul Benkimoun
fonte:http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/lemonde/2012/08/25/doentes-terminais-de-paises-pobres-nao-recebem-tratamento-digno-contra-dor-denuncia-ong.htm
foto:carvalhoglaucia.blogspot.com

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