13/08/2012

Convenções de Genebra completam 63 anos buscando regular conflitos do século XXI

Convenções de Genebra originais

Em meio ao cenário caótico da Síria, completou 63 anos ontem (12/08) justamente o conjunto de tratados internacionais mais importante para a restrição de armas de guerra e para a proteção de civis ameaçados por situações de violência.
Fruto de um longo processo de elaboração, que se inicia com a redação do primeiro protocolo em 1864 e se conclui com um texto final em 1949, as Convenções de Genebra exigiram que a comunidade internacional limitasse os meios de ação de partes beligerantes e, assim, instaurassem o que até hoje permanece reconhecido como o Direito Internacional Humanitário.
A partir da fundação de organizações como o CICV (Comitê Internacional da Cruz Vermelha), os direitos básicos de civis encontraram espaço, ao menos jurídico, para receberem uma proteção mais eficiente.

Quando idealizou os primeiros protocolos das Convenções, o filantropo e nobel da paz Henri Dunant não buscava o fim do direito de fazer guerra, mas, antes, a elaboração de um direito que pudesse ser aplicado à guerra. Longe de determinar a legalidade ou a legitimidade de situações internacionais de violência, os acordos se propunham à preservação de pessoas vulneráveis dentro dos conflitos.

Mas os números de civis mortos não são pequenos e, de acordo com a própria Cruz Vermelha, não deixaram de crescer ao longo dos últimos três séculos. Mesmo após incluir ao texto original diferentes emendas que passam pelo respeito de religião e crença à proibição de sequestros em guerra, as Convenções de Genebra passam por um impasse. Sua validade e eficácia são postas em xeque diante da permanência de massacres e genocídios em pleno século XXI.

Para o argentino Gabriel Valladares, assessor jurídico do CICV, “o fato de hoje nos depararmos com diversas violações ao Direito Internacional Humanitário, não significa que seus princípios e regras fundamentais estejam desatualizados”. Isso porque, a seu ver, mesmo que as linhas entre combatentes e civis tenham se tornado menos nítidas ao longo do tempo, permanece uma responsabilidade política e jurídica dos Estados que ratificaram as Convenções em garantir que elas sejam integralmente cumpridas.

Evolução
“Há coisas ruins e boas nesse aniversário”, alega Valladares, assessor do CICV. Retomando parte de um discurso proferido em 2009 pelo suíço Jakob Kellenberger, diplomata e presidente da Cruz Vermelha, ele afirma que enquanto todos podem se lembrar com orgulho das muitas situações em que a regra foi respeitada, a maioria prefere dar mais atenção aos casos em que a regra é violada.
Um dos exemplos sintomáticos que menciona para ilustrar o dilema que envolve a possível atualidade ou atraso das Convenções de Genebra é o fenômeno de construção da guerra ao terror após os atentados de 11 de Setembro de 2001. “Toda a questão da guerra global ao terror apresenta um desafio ao CICV”, afirma, lembrando que o episódio contra as torres gêmeas fez muitos se perguntarem se o Direito Internacional Humanitário possuía uma estrutura adequada para acompanhar esse processo.
Valladares concluiu, a partir desse questionamento, que “95% das convenções e normas são úteis para os conflitos modernos, o que não quer dizer que esses confrontos não tenham mudado e que não seja preciso encontrar melhores respostas jurídicas”.
De acordo com o assessor, este é o caso, por exemplo, da imprecisão que permeia o conceito jurídico de participação direta em guerras.  “Para mim, o Direito Internacional Humanitário é mais vigente hoje do que quando foi criado”, o que não significa que não tenha de “acompanhar a evolução do mundo”, defende.
Elizabeth concorda com ele sobre a evolução que as Convenções vêm sofrendo. Ela não menciona a primeira década do século XXI como marco de mudanças para os tratados do Direito Internacional Humanitário, mas afirma que, a partir do fim da Segunda Guerra Mundial a sociedade internacional parte de relações de convivência rumo a relações de cooperação.  Sua avaliação é de que “isso obviamente facilitou não apenas a celebração, mas, também a aplicação de novos tratados internacionais”.
Síria
Grave não apenas pelos massacres de civis, mas, principalmente, pelo garimpo de capital político que membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas criaram em torno dessas mortes, o caso sírio é visto por ambos os especialistas como um marco do processo de constante construção das Convenções de Genebra.
Na percepção de Valladares, são casos como o do confronto entre forças do regime de Bashar al Assad e a oposição armada síria que evidenciam os desafios da Cruz Vermelha na “condução das hostilidades”.
Nesse tipo de conflito armado, os civis se envolvem cada vez mais nos combates e, sem uniformes, os combatentes nem sempre se diferenciam dos civis. É dessa mescla com a população civil que surgem seus questionamentos, por exemplo, do que significa a terminologia da participação direta na guerra.
A complexidade de guerras como a da Síria se agrava ainda mais quando surgem evidências de casos de escudos humanos e de transferências de tarefas militares para grupos mercenários.
Há crises também fora das frentes de Damasco ou de Allepo, onde, como Edgard Casciano, embaixador do Brasil na Síria, revelou em meados de julho, tornou-se “impossível pôr os pés na rua com tantos tiros”.
Muito bem protegido pela polícia de Nova York, submerso nas sutis evasivas do plenário do Conselho de Segurança, é o modelo diplomático contemporâneo que aflige Elizabeth. “O grande problema com a Síria é a incapacidade da ONU de tomar medidas mais severas e restritivas à violência”, alega.
Como a Rússia é membro permanente do Conselho de Segurança e não tem interesse no fim do regime a professora acredita que somos obrigados a não limitar quaisquer queixas às Convenções de Genebra, mas sim transpor o raciocínio para um patamar mais amplo.
“O que realmente há é uma necessidade de reformas não apenas sobre convenções, mas sobre a própria carta das Nações Unidas” e isso demanda “um sistema mais integrado, de convenções que se complementem”, conclui.

Reportagem de Fillipe Mauro
foto:pt.wikipedia.org


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