Mais uma morte de um preso político enfermo no Peru na semana passada, a quarta nos três últimos meses, trouxe a tona a precariedade com que presos condenados por terrorismo vivem nos cárceres do país. Segundo o INPE (Instituto Nacional Penitenciário), o Peru mantém encarcerado, ainda hoje, aproximadamente 500 presos políticos, entre homens e mulheres que fizeram parte de organizações que optaram pela luta armada no país para reverter o quadro político e social nas décadas de 1980 e 1990.
Num levantamento realizado recentemente pela CEAS (Comissão Episcopal de Ação Social do Peru), 24 presos políticos necessitam de indulto humanitário. “Os presos políticos que morreram faziam parte dessa lista e existe uma ameaça eminente de morte de mais pessoas dessa relação por falta de tratamento médico adequado no cárcere”, denuncia o médico Alberto Vega, que acompanha os casos.
Situação que vem sendo muito contestada pela CEAS, diante das declarações do presidente Ollanta Humala, que, indagado na campanha presidencial sobre o estado de saúde do ex-ditador Alberto Fujimori no cárcere, afirmou: “nenhuma pessoa deve morrer numa prisão”.Para o sacerdote Miguel Parets, “foi por causa dessa declaração de Humala que nos fortalecemos para fazer a lista dos presos que precisam do indulto humanitário, e achávamos que, quando presidente, Humala resolveria o caso dos presos políticos em estado de saúde grave e terminal no país”.
A visita
No ultimo domingo (06/05), a reportagem do Opera Mundi conseguiu visitar o preso mais emblemático da lista divulgada pela CEAS, Jaime Ramirez Pedrasa, na prisão de segurança máxima Castro e Castro.
Localizada na periferia de Lima, no bairro Lurigancho, Castro e Castro é um imponente complexo de prédios, onde detém diversos pavilhões divididos entre narcotraficantes, homicidas e presos políticos.
Depois da primeira cancela, as famílias esperam cerca de uma hora, num pátio a céu aberto para acessar a parte interna do presídio. Nesse espaço, crianças de quatro a doze anos trabalham emprestando canetas para o preenchimento de uma ficha distribuída pelos guardas, que posteriormente precisa ser entregue ao setor de identificação de visitantes no presídio. “Na prisão a gente ganha dinheiro para levar para casa”, diz uma das crianças.
Porta aberta, ficha entregue, diversos carimbos de identificação nos braços, várias formas de revistas para depois de cinqüenta minutos conseguir passar pelas três gigantescas portas e culminar num corredor mofado, apertado e escuro do Pavilhão 2 B.
Ali, aproximadamente 150 presos políticos se dividem em quatro andares. Homens do MRTA (Movimento Revolucionário Tupac Amaru), Sendero Luminoso, entre outros.
Na espremida cela número 17, de 5 metros por 3, magricelo com apenas 57 quilos, braços atrofiados, extremamente pálido e uma feição cadavérica, está Pedrasa, ex-militante do MRTA condenado há 25 anos de prisão por delito de Traição à Pátria e Terrorismo.
Sem mobilidade alguma, Pedrasa passa a maior parte do tempo sentado numa cadeira improvisada que ampara seu corpo e o possibilita movimentar o pescoço alcançando um canudo colocado dentro de uma caneca para sugar água.
Há dezessete anos preso, começou nos últimos quatro a apresentar sintomas de uma doença degenerativa, diagnosticada posteriormente como mal de ELA (Esclerose Lateral Amiotrófica).
No ultimo diagnostico realizado pelo médico neurologista Hugo Estrada concluiu-se que o preso político está num “grau de limitação severo, com dificuldades para alimentação, mobilização e higiene, além de correr alto risco de asfixia. Porém, totalmente lúcido”.
O médico esclarece: “Pedrasa precisa de um acompanhamento 24 horas por problemas respiratórios, o que em dois meses poderá piorar ainda mais. Creio que sua casa seria um lugar adequado para seu tratamento e descanso. Ele precisa de uma cama inclinada, um respirador artificial constante ao lado de sua cama, pois já se apresenta em fase terminal”.
Companheirismo
A cela de Pedrasa possui duas camas de cimento, situadas na parte superior e inferior do ambiente. Quase acoplada a cabeceira da cama de baixo tem uma privada, seguida por uma mesa com copos, canecas, pratos e algum mantimento, além de uma pequena cômoda em frente às duas camas que mantém um aparelho televisivo. No único espaço que sobra entre a mesa e a cômoda fica Pedrasa sentado praticamente dia e noite.
Uma lista com nome de oito presos políticos, dias e horários determina quem tomará conta do enfermo nos horários matinais, vespertinos e noturnos, evidenciando a preocupação de outros detentos em relação a sua situação.
O ex-professor de engenharia mecânica *Aroldo, condenado à prisão perpétua por também participar do MRTA, explica a rotina: “nos dividimos para poder dar o máximo de amparo ao companheiro Pedrasa, distribuindo tarefas entre oito presos que sempre ficarão de plantão, conforme a necessidade dele para medicação, banho, para colocá-lo na cama ou qualquer urgência”.
Com extrema dificuldade Pedrasa tenta se expressar: “são meus amigos que me ajudam em tudo, banho, comida e locomoção”.
*Ronaldo, que divide a cela com Pedrasa, também companheiro nos tempos de MRTA, descreve como tem sido os dias e as noites do amigo: “muito sofrimento, não tem mais como sair ao pátio para banho de sol, não faz mais nada sozinho durante o dia e por noite dorme apenas duas ou três horas, pois se engasga muito fácil e tem medo de morrer”.
Em março deste ano, a CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos) enviou um ofício indagando o Estado peruano sobre a situação de Pedrasa no cárcere. A resposta foi que Jaime Ramirez Pedrasa tem todo cuidado necessário na prisão, sendo acompanhado constantemente por um médico, por isso não precisaria de indulto.
Argumentos
A família de Pedrasa solicitou o primeiro indulto humanitário em 2010, negado pelo então presidente Alan Garcia. Em 2011 com apoio da igreja preparou novamente uma documentação enviada para Humala, que também negou. Agora a família prepara outra solicitação com respaldo da CEAS e do Instituto ELA- Peru.
Procurado pela reportagem, Humala não quis se pronunciar sobre o assunto. Um membro da comissão que avalia pedidos de indulto humanitário que prefere não ser identificado alegou, “que ainda que tenha problemas físicos, o preso político em questão tem sua mente intacta, o que concorreria para o perigo de proselitismo subversivo para a sociedade”.
Entretanto, o advogado que acompanha o caso, Aníbal Sanchez. explica: “Existem dois tipos de indulto, o geral e o humanitário. No geral se pode solicitar por comportamento exemplar depois de muitos anos de cárcere. O humanitário tem um regulamento especifico, se exige provas que o solicitante tenha uma enfermidade incurável e que se encontra em fase terminal. Jaime Ramirez Pedrasa se encontra assim e tem como provar, por isso não se pode negar o indulto a ele”.
*Nomes fictícios
foto:valberlucio.wordpress.com
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