Ao lado das fotos de seus cinco filhos dispostas sobre o móvel da sala, vê-se uma moldura dourada. Ela dá destaque a um certificado de honra ao mérito dado em 2000 pela companhia mineradora Harmony Gold. “Em agradecimento aos empregados que contribuíram para a obtenção da excelência” graças a seus “esforços excepcionais”. “Eu trabalhava duro, e meu patrão me dizia que era bom”, lembra Ntlebesi Isaac, afundado em sua poltrona.
Hoje, aos 60 anos, ele o “ressente”, pois mal consegue andar mais de 500 metros de uma vez. “Preciso retomar o fôlego para chegar até o campo de milho”. Ele tosse com frequência, sente dores no peito, sobretudo quando faz frio. O nome de seu mal? Esse habitante do pequeno reino do Lesoto, que vive próximo à capital, Maseru, o descobriu depois de 31 anos que passou nas profundezas das minas de ouro de Free State, uma província sul-africana fronteiriça. Isso foi em 2004. Ele foi demitido, e em seu exame médico demissional acabou-se descobrindo que ele tinha silicose. “Foi um choque terrível, eu achava que não viveria o suficiente para ver meus filhos indo para a faculdade e se casando”, conta Isaac, que enterrou um de seus amigos, um ex-colega, em janeiro.
Incurável, a silicose é uma doença pulmonar que aparece após vários anos de exposição ao pó de silício. Enfraquecidas, as vítimas contraem então a tuberculose, igualmente mortal. Assim como 7.400 ex-mineradores do Lesoto, Ntlebesi Isaac decidiu incluir seu nome na ação coletiva contra as três principais companhias mineradoras sul-africanas: Harmony Gold, AngloGold Ashanti e Gold Fields.
“A cada dia, dezenas de ex-mineradores vindos do Lesoto, mas também do Zimbábue, de Botsuana, da Suazilândia e da África do Sul, todos sujeitos a terem contraído a doença, nos procuram; vamos apresentar uma queixa diante de um tribunal de Johannesburgo daqui a dois ou três meses”, explica o advogado sul-africano Richard Spoor, responsável pelo “maior processo civil da história de seu país”.
Em 2011, ele havia conseguido do Tribunal Constitucional Sul-Africano que autorizasse ex-mineradores doentes a processar seus empregadores para obter indenizações financeiras. O reclamante que ele defendia morreu alguns dias antes do julgamento.
Ntlebesi Isaac recebeu 23 mil rands sul-africanos (cerca de R$ 5.588) em 2004, mas está pedindo dez vezes mais hoje: “Não vi nenhum médico desde que descobri minha doença, pois é caro demais ir para a África do Sul; e aqui, no Lesoto, os médicos não são suficientemente especializados”.
A maior parte dos doentes não recebeu nenhuma indenização, muitas vezes por desconhecerem seus direitos.
Segundo um estudo publicado em 2009 por pesquisadores da Universidade de Witwatersrand em Johannesburgo e da University College of London, 288 mil ex-mineradores teriam direito a uma indenização, representando um custo, em 2012, de quase 27 bilhões de rands (R$ 6,6 bilhões) para as companhias envolvidas. No auge da atividade, nos anos 1980, meio milhão de pessoas trabalhavam nas minas.
“Após uma dinamitagem, eu não via mais ninguém a um metro de mim, de tanta poeira que tinha, era preciso beber água e aspergi-la nas paredes e no chão”, conta Lebitsa Lebhsa, 56, que começou a explorar as galerias em 1976. Ele conhecia na época o perigo associado a essas partículas? Ele faz sinal de negativo com a cabeça, baixando os olhos. “Foi só nos anos 1990 que distribuíram as primeiras máscaras”. Em 1991, uma radiografia detectou sua doença, “mas ele precisava continuar trabalhando para sustentar a família, que ficou no país”.
O advogado dos reclamantes acusa a “negligência” das companhias mineradoras sul-africanas que não protegeram seus empregados, sendo que elas conheciam os riscos. Estas, que por enquanto se recusam a emitir qualquer comentário, deverão negar sua responsabilidade, alegando a dificuldade de se fazer uma associação direta entre suas atividades e os problemas de saúde de vários casos individuais.
No início de 2013, a holding britânica AngloAmerican deverá enfrentar em Johannesburgo um processo movido por 18 mineradores (três dos quais já falecidos), e uma ação coletiva que já reúne quase 1.200 ex-funcionários será apresentada em breve perante um tribunal, em Londres. Muitas das vítimas, já em estado de velhice, gostariam que fosse feito um acordo para liberar o dinheiro mais rapidamente.
Para Richard Spoor, esses embates judiciários são uma forma de questionar e de “resolver” a herança do sistema econômico do apartheid, sobre o qual a África do Sul construiu sua riqueza: “Apoiadas pelo governo, as companhias mineradoras recrutavam no sul da África jovens migrantes negros saudáveis, os exploravam, depois os mandavam de volta para suas casas uma vez que estivessem esgotados, baixando assim seus custos de mão de obra e aumentando seus lucros. Hoje, há uma dívida a ser paga.”
Reportagem de Sébastien Hervieu para o jornal francês Le Monde
foto:revistafilosofia.com.br
Tradutor: Lana Lim
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