12/05/2012

Febre da quinoa provoca conflitos na Bolívia


Cultivo do grão reacendeu disputa limítrofe entre áreas produtoras e, segundo denúncias, ameaçam causar desertificação.


Classificada pela Nasa como um dos alimentos "mais completos" para o ser humano por seu alto teor nutricional, a quinoa virou o grão da moda e agora impulsiona uma disputa por terras que tem espalhado violência na Bolívia.
O cultivo do grão, usado por adeptos da alimentação saudável em todo o mundo, reacendeu uma disputa limítrofe entre as principais áreas produtoras do país. Segundo denúncias, as plantações ainda ameaçam causar a desertificação de uma região já inóspita para a agricultura.
O enfrentamento entre produtores de quinoa das localidades de Coroma e Quillacas (oeste) teria deixado oito feridos no mês passado, segundo relatos do governador do Departamento (Província) de Potosí, Felix Gonzáles, que vem pedindo ao governo central boliviano a militarização da área.
Em março, três camponeses de Potosí foram feitos reféns em conflitos na mesma região, segundo a imprensa local, quando a representação da ONU na Bolívia se prontificou para mediar o conflito. De acordo com o jornal La Razón, de La Paz, dezenas de bolivianos teriam sido feridos por pedras e a explosão de uma dinamite, e cem policiais foram deslocados para controlar a situação.
As localidades onde ocorreram os enfrentamentos estão dentro de uma área disputada por Potosí e o Departamento de Oruro, as duas principais regiões produtoras de quinoa para exportação na Bolívia e provavelmente no mundo. Quillacas fica em Oruro e Coroma, em Potosí.
Segundo Mario Martínez, porta-voz do governo de Potosí, apesar de os camponeses da região terem chegado a uma trégua recentemente, dividindo pela metade a produção da área, as tensões persistem.
"Trata-se de um acordo frágil e, como estamos em época de colheita, poderíamos ter novos conflitos a qualquer momento", diz Martínez, que acusa camponeses de Oruro de "tomarem pela força" 25% da safra da região em disputa. Os orurenhos negam.
Nova fronteira agrícola
A Bolívia é o principal exportador de quinoa, que é produzida em menor escala em outros países andinos e, recentemente, também nos Estados Unidos, Canadá e Brasil (a Embrapa tem um projeto experimental no Cerrado).
Na última década, as exportações bolivianas do grão aumentaram mais de 20 vezes, de US$ 2,5 milhões para US$ 65 milhões. Com a alta da demanda internacional, o preço do produto triplicou desde 2006.
"A rápida expansão da fronteira agrícola na Bolívia ajuda a alimentar as disputas", explica David Coronel, do Instituto Nacional de Inovação Agropecuária e Florestal (Iniaf). "Antes era preciso viajar de quatro a cinco horas a partir de Oruro para encontrar áreas cultivadas. Agora há quinoa a menos de dez minutos da cidade."
Um dos fenômenos causados pela "febre da quinoa" é o retorno de camponeses que haviam deixado as empobrecidas áreas rurais do altiplano boliviano para as cidades ou outras regiões do país. Alguns desses migrantes voltaram a se instalar em suas antigas comunidades. Outros preferem permanecer no campo apenas na época de semeio e colheita.
"Há até casos de bolivianos que estavam vivendo no exterior, em países como Brasil e Argentina, e agora estão voltando para plantar quinoa", afirma Juan Ernesto Crispin, da Associação Nacional de Produtores de Quinoa (Anapqui), que reúne mais de 1.200 produtores.
A disputa limítrofe entre Oruro e Potosí é centenária. As duas regiões reivindicam uma área de cerca de 250 km² com solos propícios para o cultivo de quinoa, mas também ricos em urânio e em rochas usadas na fabricação de cimento.
Para Sandro López, da Câmara Departamental de Quinoa Real de Potosí (Cadequir), autoridades departamentais estão usando os conflitos entre produtores de Coroma e Quillacas para esquentar a contenda e exigir um posicionamento do governo central. "A questão da quinoa é parte do problema, mas há muito mais em jogo", defende.
Desertificação
Além dos conflitos, outro risco relacionado à febre da quinoa apontado por especialistas é que o cultivo pouco massificado cause desertificação em determinadas áreas.
O agrônomo Vladimir Orsag, que estuda a agricultura da região para a Universidade Mayor de San Andrés, explica que a quinoa é plantada em um solo frágil, cuja composição já inclui 80% de areia. O clima da região é seco e as temperaturas podem chegar a -30 graus.
"Com o boom dos preços no mercado internacional, há produtores que estão abandonando técnicas tradicionais e reduzindo os períodos de descanso do solo em favor de uma agricultura massiva", afirma. "Praticamente só quinoa cresce nessa região do altiplano e se o cultivo não for racionalizado, poderemos ter um quadro de desertificação."
Nesse caso, segundo Orsag, uma migração de produtores poderia provocar novos conflitos como os ocorridos em Coroma e Quillacas. "A chegada de pessoas de outras cidades e regiões nas áreas produtoras de quinoa cria uma tensão latente, que só tende a aumentar caso haja um esgotamento do solo", afirma Orsag, acrescentando que a quinoa também está ficando cara para o consumo dos bolivianos.
López, da Cadequir, também reclama que uma grande parte dos lucros com a venda da quinoa fica com quem exporta e comercializa o grão, e não com os produtores. Hoje, os camponeses bolivianos ganham cerca de US$ 1,60 pelo quilo da quinoa. Para o consumidor final, nos mercados de São Paulo ou Rio de Janeiro, o valor cobrado pode chegar a US$ 30 o quilo.
Alimento dos incas
Alimento muito consumido pelos incas, hoje a quinoa é usada em saladas ou no lugar do arroz. Segundo Clodomiro Carlos do Pinhal, o primeiro a importar a quinoa para o Brasil, o grão começou a se popularizar no mercado mundial por volta de 2007, passando rapidamente de restaurantes naturais às prateleiras de supermercados.
Nos anos 90, após pesquisas, a Nasa listou o grão como um dos alimentos que poderiam ser levados para abastecer a população de estações espaciais, principalmente por causa de seu alto teor de proteína.
Pinhal explica que começou a importar quinoa no Brasil em 2004, com uma remessa de 300 quilos da Bolívia. "Hoje já estou em 50 a 70 toneladas, e outros importadores entraram nesse mercado nos últimos anos."

foto:veghunter.wordpress.com e gato-negro.org

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