Substância é usada em violência doméstica contra mulheres e também cada vez mais em crimes comuns na capital colombiana.
A incidência de ataques com ácido em Bogotá levou a prefeitura da capital colombiana a criar um programa de recuperação específico para mulheres vítimas desse tipo de ação. Mas o uso do produto vai além dos casos de violência doméstica, com registros recentes de uso de ácido em crimes comuns. As estatísticas existentes não distinguem os tipos de crime, mas de janeiro até agora foram registrados 20 casos na capital colombiana. No ano passado foram 42 e, em 2010, 55.
Atacada em dezembro de 2010 quando voltava da loja em que trabalhava, Gloria Piamba, de 26 anos, passou por seis cirurgias. Atualmente, está desempregada e vive com o filho de seis anos em um abrigo por não ter trabalho e renda suficiente para se sustentar.
Gloria conta que seu ex-marido começou a ameaçá-la seis meses antes do ataque e que chegou a denunciá-lo à polícia. "Mas não fizeram nada. Ele me seguia e me ameaçava dizendo que me destruiria e me marcaria para sempre", disse à BBC Brasil.
Como em outros casos similares, ela não chegou a ser atacada pelo ex-marido, mas por um homem que teria sido contratado para o trabalho. Por falta de provas, o antigo companheiro da ex-vendedora não foi preso. "A investigação só começou mais de um ano depois. Ele continua livre, vivendo a vida normalmente", afirma Gloria.
A ex-vendedora não recebe ajuda da família, que vive na zona rural. Ela diz que espera conseguir um emprego por meio do programa que a prefeitura está criando. "Era eu quem mandava dinheiro para os meus pais", disse. "Minha vida virou um pesadelo. Sou outra pessoa. Fiquei muito deprimida e tenho altos e baixos. Mas preciso trabalhar para cuidar do meu filho e continuar meu tratamento."
Além de ajudar as vítimas a encontrar empregos (alguns em órgãos da própria prefeitura), o programa colombiano quer viabilizar o pagamento de cirurgias estéticas, reparadoras e tratamento psicológico para essas mulheres.
Autoestima destruída
A esteticista Gina Potes, de 35 anos, foi contratada pela Secretaria de Saúde para ser a "Referência Distrital" para as mulheres vítimas de queimaduras com ácido. Gina foi o primeiro caso registrado de queimadura por ácido, há 15 anos. Ela tinha 20 anos quando foi atingida e era casada. De acordo com a esteticista, não foi um crime passional e até hoje não se sabe quem são os autores do crime e qual foi a motivação.
Ela relembra que estava em casa com os dois filhos pequenos quando a chamaram no portão. "Um homem que eu nunca tinha visto me disse: 'Você é muito bonita, ninguém pode ser tão bonita assim!'. Aí ele jogou o ácido e correu", recorda.
A mulher diz que sempre foi muito vaidosa. Quando falou à BBC Brasil, ela usava uma máscara para cobrir as marcas de sua 25ª cirurgia. "Quando acontece, nossa autoestima fica destruída. Sofremos discriminação, porque a beleza física praticamente acaba. E a recuperação é lenta psicológica e fisicamente, pois é preciso tempo entre uma cirurgia outra", afirma Gina, que está também criando uma ONG com outras vítimas para buscar ajuda.
Dependendo da gravidade das lesões, a pessoa pode passar por dezenas de cirurgias. E em muitos casos há perda completa ou parcial do nariz, olhos, lábios e cabelo.
Ácido como arma
A coordenadora de gênero da Secretaria de Saúde de Bogotá, Paola Romero, confirmou que a maioria dos casos é de agressões provocadas por ex-companheiros ou pessoas pagas por eles para executarem a ação, geralmente por motivações passionais.
O surgimento de casos decorrentes da criminalidade comum, entretanto, "acendeu" o alerta do governo. "Observamos que não é possível estabelecer mais um padrão dominante. O ácido clorídrico ou de baterias é vendido sem restrição nenhuma e eles são muito baratos. Isso facilita o uso", adverte Paola.
Há cinco dias a estudante de direito Ivonne, de 20 anos, foi atacada em um ônibus coletivo de Bogotá. Ela foi atingida com o ácido nas nádegas por um homem, ao recusar entregar-lhe seu aparelho celular durante uma tentativa de assalto. "Não estamos preparados para lidar com isso e temos de correr contra o tempo, porque a delinquência parece ter percebido essa brecha", admite Paola.
Um dos problemas é que os ataques são tipificados como lesões pessoais, que têm penas mais brandas que crimes práticos com armas, por exemplo. A impunidade também afeta as vítimas e "incentiva" novos casos. "Do total de casos registrados, somente dois foram julgados. O efeito é negativo para a vítima e para a sociedade, que vê os agressores livres para continuarem a ação", comenta a coordenadora.
Diferenças
Os casos em Bogotá não são parecidos com os registrados em outros países como Bangladesh, Paquistão e Irã, onde, muitas vezes, são relacionados aos chamados "crimes de honra". "Aqui em Bogotá, os crimes com ácido estão ganhando uma dimensão urbana, fora do espaço da violência intrafamiliar", analisa o sociólogo colombiano Bernardo Pérez Salazar.
"Não sabemos o perfil desse agressor, tanto do que planeja quanto o que executa, no caso de crimes passionais. Mas é surpreendente que a mente humana tenha a capacidade de agir tão cruelmente", pondera o sociólogo.
Com relação ao uso do ácido para crimes comuns, o sociólogo aposta na "readaptação" dos delinquentes. Pérez lembra que está mais difícil ter acesso a uma arma de fogo, com a proibição do porte de armas (em vigor em Bogotá desde fevereiro).
"Os criminosos tem uma grande capacidade de encontrar novas formas para alimentar o medo e o temor para realizarem seus propósitos. O que preocupa é pensar que o uso do ácido em crimes comuns como roubos e furtos se multiplica entre infratores jovens e adolescentes", alerta Pérez.
foto:eticaparapaz.blogspot.com
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