02/04/2012

Dossiê Guerra das Malvinas

Trinta anos após guerra, argentinos e britânicos ainda disputam Malvinas



No total, 255 soldados britânicos e 650 argentinos morreram no conflito que começou com uma invasão argentina das Malvinas no dia 2 de abril de 1982. O aniversário acontece em um momento de novas tensões entre argentinos e britânicos. Recentemente a Argentina voltou a manifestar seu direito às ilhas, mas a Grã-Bretanha segue comprometida a manter a soberania na região no Atlântico Sul.
A Grã-Bretanha controla as Malvinas desde 1833, mas a Argentina afirma que o território pertencia à Espanha, e que foi herdado pelo país sul-americano com a sua independência.
Chama eterna

Veteranos britânicos de guerra e parentes dos mortos farão uma cerimônia especial no Memorial Nacional Arboretum, em Staffordshire, na região oeste da Inglaterra. Uma única vela será acesa como um gesto de memória aos mortos.
O primeiro-ministro da Grã-Bretanha, David Cameron, disse que a segunda-feira é um dia de lembrar argentinos e britânicos mortos no conflito
"Há 30 anos, o povo das Ilhas Falklands sofreram um ato de agressão que quis roubá-los das suas liberdades e do seu modo de vida", disse Cameron. "Hoje é um dia de comemoração e reflexão: um dia para lembrar todos aqueles que perderam suas vidas no conflito - os integrantes das nossas Forças Armadas, assim como os argentinos que morreram." Ele prestou homenagem ao que chamou de "heroísmo" dos soldados britânicos que libertaram as Malvinas da Argentina, e disse que a Grã-Bretanha está orgulhosa de "corrigir um erro profundo".
A presidente da Argentina, Cristina Kirchner, visitará o porto de Ushuaia nesta segunda-feira, para uma cerimônia de homenagem aos soldados argentinos mortos no conflito. Ela vai acender uma "chama eterna" no local. Na madrugada passada, veteranos de guerra fizeram uma vigília.
Diplomacia
Já os argentinos acusam os britânicos de militarizar o Atlântico Sul, depois que foi divulgado que um dos navios de guerra da Marinha britânica será enviado à região.
A derrota das forças argentinas no conflito contribuiu para o fim do regime militar liderado pelo general Leopoldo Galtieri, que foi preso acusado de "incompetência" na guerra. A premiê britânica na época, Margaret Thatcher, não participará de nenhum dos eventos desta segunda-feira, devido aos seus problemas de saúde.

foto:planobrasil.com




Mais de 700 ex-combatentes cometeram suicídio  após a Guerra das Malvinas



Há quem até hoje não consiga dormir. Coturnos afundados na lama, corpos sangrando, companheiros morrendo e o perigo iminente de um ataque protagonizaram, durante anos, os pesadelos de muitos argentinos e britânicos que participaram da Guerra das Malvinas, em 1982. Vítimas das sequelas psicológicas das frentes de batalha, muitos viram no suicídio o último recurso contra o tormento e a angustia.

Apesar da falta de dados oficiais em ambos os países, estima-se que a quantidade de veteranos que tiraram as próprias vidas ultrapasse as sete centenas. Do lado britânico, as mortes no pós-guerra teriam superado as da campanha: pelo menos 264 suicídios foram contabilizados, contra 255 mortos em combate, segundo a SAMA82 (South Atlantic Medal Association 82) - grupo que reúne cerca de 3.000 veteranos que integravam as tropas do Reino Unido.
A cifra alarmante de suicídios de veteranos britânicos não chega perto, contudo, dos casos contabilizados na Argentina: segundo organizações de ex-combatentes, as mortes auto-provocadas no pós-guerra chegariam a 450. Segundo César Trejo, fundador da Federação de Veteranos de Guerra, os maiores índices foram registrados durante o mandato do ex-presidente argentino Raúl Alfonsín (1983-1989), pouco após o conflito.
“Era uma coisa tremenda, muita gente se matou. Às vezes escutávamos sobre um ou dois suicídios a cada semana, em diferentes províncias do país. Esta etapa foi muito dura”, lembra, ressaltando que o número de suicídios supera o dos 323 compatriotas mortos durante os combates nas ilhas, apesar de ser inferior ao número total de baixas argentinas durante a guerra, que pelo afundamento do navio General Belgrano chegou a 649.
As razões que levaram a essa taxa de suicidas divergem de acordo com o país. Apesar de terem sido recebidos como heróis no Reino Unido, os veteranos vitoriosos padeceram uma série de problemas psiquiátricos. O terreno difícil, o inverno rigoroso, a falta de equipamentos, comida e abrigo e a necessidade de uso de baionetas na batalha corpo a corpo são lembranças comuns entre veteranos. Muitos deles, apesar de se dizerem preparados para a guerra, foram chamados de última hora, antes de um feriado de Páscoa que passariam com a família.
A vida no campo de batalha foi muito mais complicada do que os combatentes de ambos os países imaginavam. Agrupamentos tiveram de caminhar mais de 40 quilômetros na ilha, entre campos enlameados, com 40 quilos de equipamentos nas costas, até chegar aos arredores da capital, Port Stanley, onde ocorreram as principais batalhas. Passaram frio e fome, e sofreram com congelamentos dos pés e extremidades.
Retorno ao campo de batalha
Bowles, coronel britânico aposentado, esteve envolvido na logística da Guerra das Malvinas e não pisou nas ilhas durante o conflito. Mas como parte da SAMA82 tornou-se responsável por levar ex-combatentes ao campo de batalha. As viagens, segundo ele, são terapêuticas.
Em 2007, no aniversário de 25 anos da guerra, cerca de 250 veteranos do conflito pisaram de novo nas Malvinas para prestar homenagens aos mortos e reencontrar amigos. “A maioria sofria de transtorno de estresse pós-traumático, e a viagem serviu para minimizar o estresse. Achamos que foi bastante importante leva-los para a área do conflito. A recepção dos moradores da ilha, que é um lugar bastante pacífico, também ajudou”, explica Bowles.
“Naquele ano”, continuou o coronel, “um companheiro veio falar comigo que não dormia direito há 25 anos, com pesadelos. Sonhava com lama, sangue, morte e perigo. Ao voltar, ver o lugar e conhecer as pessoas que foram ajudadas pela sua ação mudou tudo. As Falklands hoje são um lugar bastante pacífico.”
A ONG de caridade Combat Stress, cujo patrono é o Príncipe Charles, trabalha diretamente com veteranos de guerra do Reino Unido há 90 anos. A associação promove terapias alternativas para mais de 4.800 ex-combatentes britânicos.
Segundo dados da instituição, leva-se cerca de 13 anos para que um ex-militar com problemas psicológicos busque ajuda. Um acordo assinado em 2010 garantiu à ONG mais 350 mil libras esterlinas (cerca de 1 milhão de reais) para tratar veteranos. Todos os serviços de acompanhamento são gratuitos.
Derrotados e esquecidos
Para descrever a situação dos veteranos argentinos no pós-guerra, o capitão de navio Juan Carlos Ianuzzo utiliza um fenômeno do futebol argentino como base de comparação: “Fomos tratados do mesmo jeito com que a sociedade se relaciona com o Maradona. Se ele faz gol, comemora, mas se não faz, dizem que ele é ruim”, garante.
O paralelo utilizado pelo veterano da marinha exemplifica a mudança de humor na recepção dos combatentes antes e após a guerra. Apesar de terem partido de solo continental rumo às ilhas na condição de “heróis da pátria”, a derrota para os ingleses levou a que fossem recebidos de uma forma completamente antagônica: “Fomos para a guerra em contexto social e cultural de entusiasmo, euforia, algaravia popular e, quando voltamos, nos deparamos com um cenário de angustia da população e de negação por parte dos governos”, explica Trejo.
Secretário-geral da Associação de Veteranos da Guerra das Malvinas, Ianuzzo ressalta que os soldados que regressaram da frente de batalha sofreram um processo de “esquecimento e abandono”, que persiste até os dias atuais: “Na própria festa do bicentenário da independência, em 2010, não fomos convidados. Os veteranos que participaram do ato se enfiaram de gaiatos, quando na verdade, tinham que ter sido os primeiros a desfilar”, exemplifica.
Segundo as associações de veteranos, a falta de reconhecimento pela sociedade e pelo governo argentino derivou nas principais dificuldades sofridas no pós-guerra pelos soldados que combateram nas Malvinas. “Foi difícil principalmente para os recrutas, muitos de 17, 18 anos, que acabaram sendo dados de baixa. No começo não tinham nenhum tipo de apoio, nem médico nem econômico”, explica o capitão.
Trejo lembra que as mutilações de soldados em combate foram tratadas de acordo com a lei de acidentes trabalhistas. “Não tínhamos antecedentes de guerra e havia um desamparo jurídico e institucional absoluto. Tive muitos companheiros com dificuldades para conseguir emprego e ter atenção médica. Em algum momento o governo militar começou a se preocupar em empregar alguns no sistema público, mas isso não chegava a 15% dos combatentes”, relata.
“Muitos soldados ficaram mutilados ou morreram pela pátria. Mas muitos ficaram loucos e se suicidaram devido a esse esquecimento, por terem sido deixados de lado”, garante Ianuzzo, classificando a situação como “frustrante”.
Com a universalização das pensões para ex-combatentes, iniciada nos anos 90 e concluída na década seguinte, o cenário de reconhecimento dos veteranos melhorou. Alguns suicídios, no entanto, ainda são registrados, como no ano passado, quando um sub-oficial se jogou abaixo de um caminhão na cidade portuária de Bahía Blanca.
“Teve gente que ficou muito mal, com muitos temores, não pode escutar um barulho e já se afeta. No fim da guerra não se sabia muito sobre os efeitos do stress pós-traumático, que tem efeitos terríveis”, diz Ianuzzo, que relata ter tido pesadelos com submarinos britânicos espionando seu barco, à espreita de um ataque durante a guerra, mas que hoje agradece por suas boas noites de sono.

foto:jornalagora.com.br

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