" Não há nada mais trágico neste mundo do que saber o que é certo e não fazê-lo. Que tal mudarmos o mundo começando por nós mesmos?" Martin Luther King
31/12/2012
A menina dos fósforos
Conto de Ano Novo de Hans Christian Andersen
Fazia tanto frio! A neve não parava de cair na Europa, e a noite aproximava-se. Aquela era a última noite de dezembro, véspera do dia de Ano Novo. Perdida no meio do frio intenso e da escuridão, uma pobre menina seguia pela rua afora, com a cabeça descoberta e os pés descalços. É certo que ao sair de casa trazia um par de chinelos, mas não duraram muito tempo, porque eram uns chinelos que já tinham pertencido à mãe, e ficavam-lhe tão grandes, que a menina os perdeu quando teve de atravessar a rua correndo para fugir de um bonde. Um dos chinelos desapareceu no meio da neve, e o outro foi apanhado por um garoto que o levou, pensando fazer dele um berço para a irmã mais nova brincar.
Por isso, a menina seguia com os pés descalços e já roxos de frio; levava no avental uma quantidade de fósforos, e estendia um maço deles a todos que passavam, dizendo: — Quer comprar fósforos bons e baratos? — Mas o dia tinha ido mal. Ninguém comprara os fósforos, e, portanto, ela ainda não conseguira ganhar um tostão. Sentia fome e frio, e estava com a cara pálida e as faces encovadas. Pobre criança! Os flocos de neve caíam-lhe sobre os cabelos compridos e loiros, que se encaracolavam graciosamente em volta do pescoço magrinho; mas ela nem pensava nos seus cabelos encaracolados. Através das janelas, as luzes vivas e o cheiro delicioso da carne assada chegavam à rua, porque era véspera de Ano Novo. Nisso, sim, é que ela pensava. Sentou-se no chão e encolheu-se no canto de uma varanda. Sentia cada vez mais frio, mas não tinha coragem de voltar para casa, porque não vendera um único maço de fósforos, e não podia apresentar nem uma moeda, e o padrasto malvado era capaz de lhe bater. E afinal, em casa também não havia calor. A família morava numa meia-água, um barraco, e o vento metia-se pelos buracos das telhas, apesar de terem tapado com farrapos e palha as fendas maiores. Tinha as mãos quase paralisadas com o frio. Ah, como o calorzinho de um fósforo aceso lhe faria bem! Se tirasse um, um só palito, do maço, e o acendesse na parede para aquecer os dedos...! Pegou num fósforo e: Fcht!, a chama espirrou e o fósforo começou a arder! Parecia a chama quente e viva de uma vela, quando a menina a tapou com a mão. Mas, que luz era aquela? A menina imaginou que estava sentada em frente de uma lareira cheia de ferros rendilhados, com um guarda-fogo de cobre reluzente. O lume ardia com uma chama tão intensa, e dava um calor tão bom! Mas, o que se passava? A menina estendia já os pés para se aquecer, quando a chama se apagou e a lareira desapareceu. E viu que estava sentada sobre a neve, com a ponta do fósforo queimado na mão.
Riscou outro fósforo, que se acendeu e brilhou, e o lugar em que a luz batia na parede tornou-se transparente como tule. E a menina viu o interior de uma sala de jantar onde a mesa estava coberta por uma toalha branca, resplandescente de louças delicadas, e mesmo no meio da mesa havia um ganso assado, com recheio de ameixas e puré de batata, que fumegava, espalhando um cheiro apetitoso. Mas, que surpresa e que alegria! De repente, o ganso saltou da travessa e rolou para o chão, com o garfo e a faca espetados nas costas, até junto da menina. O fósforo apagou-se, e a pobre menina só viu na sua frente a parede negra e fria.
Acendeu um terceiro fósforo. Imediatamente se viu ajoelhada debaixo de uma enorme árvore de Natal. Era ainda maior e mais rica do que outra que tinha visto no último Natal, através da porta envidraçada, em casa de um rico comerciante. Milhares de velinhas ardiam nos ramos verdes, e figuras de todas as cores, como as que enfeitam as vitrines das lojas, pareciam sorrir para ela. A menina levantou ambas as mãos para a árvore, mas o fósforo apagou-se, e todas as velas de Natal começaram a subir, a subir, e ela percebeu então que eram apenas as estrelas a brilhar no céu. Uma estrela maior do que as outras desceu em direção à terra, deixando atrás de si um comprido rastro de luz.
«Foi alguém que morreu», pensou para consigo a menina; porque a avó, a única pessoa que tinha sido boa para ela, mas que já não era viva, dizia-lhe à vezes: «Quando vires uma estrela cadente, é uma alma que vai a caminho do céu.»
Esfregou ainda mais outro fósforo na parede: fez-se uma grande luz, e no meio apareceu a avó, de pé, com uma expressão muito suave, cheia de felicidade!
— Avó! — gritou a menina — leva-me contigo! Quando este fósforo se apagar, eu sei que já não estarás aqui. Vais desaparecer como a lareira, como o ganso assado, e como a árvore de Natal, tão linda. Riscou imediatamente o punhado de fósforos que restava daquele maço, porque queria que a avó continuasse junto dela, e os fósforos espalharam em redor uma luz tão brilhante como se fosse dia. Nunca a avó lhe parecera tão alta nem tão bonita. Tomou a neta nos braços e, soltando os pés da terra, no meio daquele resplendor, voaram ambas tão alto, tão alto, que já não podiam sentir frio, nem fome, nem desgostos, porque tinham chegado ao reino de Deus.
Por isso, a menina seguia com os pés descalços e já roxos de frio; levava no avental uma quantidade de fósforos, e estendia um maço deles a todos que passavam, dizendo: — Quer comprar fósforos bons e baratos? — Mas o dia tinha ido mal. Ninguém comprara os fósforos, e, portanto, ela ainda não conseguira ganhar um tostão. Sentia fome e frio, e estava com a cara pálida e as faces encovadas. Pobre criança! Os flocos de neve caíam-lhe sobre os cabelos compridos e loiros, que se encaracolavam graciosamente em volta do pescoço magrinho; mas ela nem pensava nos seus cabelos encaracolados. Através das janelas, as luzes vivas e o cheiro delicioso da carne assada chegavam à rua, porque era véspera de Ano Novo. Nisso, sim, é que ela pensava. Sentou-se no chão e encolheu-se no canto de uma varanda. Sentia cada vez mais frio, mas não tinha coragem de voltar para casa, porque não vendera um único maço de fósforos, e não podia apresentar nem uma moeda, e o padrasto malvado era capaz de lhe bater. E afinal, em casa também não havia calor. A família morava numa meia-água, um barraco, e o vento metia-se pelos buracos das telhas, apesar de terem tapado com farrapos e palha as fendas maiores. Tinha as mãos quase paralisadas com o frio. Ah, como o calorzinho de um fósforo aceso lhe faria bem! Se tirasse um, um só palito, do maço, e o acendesse na parede para aquecer os dedos...! Pegou num fósforo e: Fcht!, a chama espirrou e o fósforo começou a arder! Parecia a chama quente e viva de uma vela, quando a menina a tapou com a mão. Mas, que luz era aquela? A menina imaginou que estava sentada em frente de uma lareira cheia de ferros rendilhados, com um guarda-fogo de cobre reluzente. O lume ardia com uma chama tão intensa, e dava um calor tão bom! Mas, o que se passava? A menina estendia já os pés para se aquecer, quando a chama se apagou e a lareira desapareceu. E viu que estava sentada sobre a neve, com a ponta do fósforo queimado na mão.
Riscou outro fósforo, que se acendeu e brilhou, e o lugar em que a luz batia na parede tornou-se transparente como tule. E a menina viu o interior de uma sala de jantar onde a mesa estava coberta por uma toalha branca, resplandescente de louças delicadas, e mesmo no meio da mesa havia um ganso assado, com recheio de ameixas e puré de batata, que fumegava, espalhando um cheiro apetitoso. Mas, que surpresa e que alegria! De repente, o ganso saltou da travessa e rolou para o chão, com o garfo e a faca espetados nas costas, até junto da menina. O fósforo apagou-se, e a pobre menina só viu na sua frente a parede negra e fria.
Acendeu um terceiro fósforo. Imediatamente se viu ajoelhada debaixo de uma enorme árvore de Natal. Era ainda maior e mais rica do que outra que tinha visto no último Natal, através da porta envidraçada, em casa de um rico comerciante. Milhares de velinhas ardiam nos ramos verdes, e figuras de todas as cores, como as que enfeitam as vitrines das lojas, pareciam sorrir para ela. A menina levantou ambas as mãos para a árvore, mas o fósforo apagou-se, e todas as velas de Natal começaram a subir, a subir, e ela percebeu então que eram apenas as estrelas a brilhar no céu. Uma estrela maior do que as outras desceu em direção à terra, deixando atrás de si um comprido rastro de luz.
«Foi alguém que morreu», pensou para consigo a menina; porque a avó, a única pessoa que tinha sido boa para ela, mas que já não era viva, dizia-lhe à vezes: «Quando vires uma estrela cadente, é uma alma que vai a caminho do céu.»
Esfregou ainda mais outro fósforo na parede: fez-se uma grande luz, e no meio apareceu a avó, de pé, com uma expressão muito suave, cheia de felicidade!
— Avó! — gritou a menina — leva-me contigo! Quando este fósforo se apagar, eu sei que já não estarás aqui. Vais desaparecer como a lareira, como o ganso assado, e como a árvore de Natal, tão linda. Riscou imediatamente o punhado de fósforos que restava daquele maço, porque queria que a avó continuasse junto dela, e os fósforos espalharam em redor uma luz tão brilhante como se fosse dia. Nunca a avó lhe parecera tão alta nem tão bonita. Tomou a neta nos braços e, soltando os pés da terra, no meio daquele resplendor, voaram ambas tão alto, tão alto, que já não podiam sentir frio, nem fome, nem desgostos, porque tinham chegado ao reino de Deus.
Mas ali, naquele canto, junto do portal, quando rompeu a manhã gelada, estava caída uma menina, com as faces roxas, um sorriso nos lábios… morta de frio, na última noite do ano. O dia de Ano Novo nasceu, indiferente ao pequenino cadáver, que ainda tinha no regaço um punhado de fósforos. — Coitadinha, parece que tentou aquecer-se! — exclamou alguém. Mas nunca ninguém soube quantas coisas lindas a menina viu à luz dos fósforos, nem o brilho com que entrou, na companhia da avó, no Ano Novo.
fonte:http://www.fabulasecontos.com.br/?pg=descricao&id=157
foto:marciaalfate.blogspot.com
30/12/2012
Ano Novo de Fernando Pessoa
Ficção de que começa alguma coisa!
Nada começa: tudo continua.
Na fluida e incerta essência misteriosa
Da vida, flui em sombra a água nua.
Curvas do rio escondem só o movimento.
O mesmo rio flui onde se vê.
Começar só começa em pensamento.
foto:http://cwtampa.cbslocal.com/top-lists/blast-friday-new-years-party/
Confira 9 alimentos e hábitos que ajudam a evitar diabetes
Quer evitar o diabetes? Pois saiba que, além de uma dieta saudável e exercícios físicos regulares, alguns alimentos e hábitos podem ajudar na batalha contra a doença, segundo pesquisas recentes. Confira abaixo nove dicas, listadas pelo jornal Huffington Post:
Use curry: a curcumina, presente no tempero curry, pode ajudar a evitar diabetes em pessoas com risco elevado, segundo pesquisadores tailandeses. O estudo incluiu 240 voluntários pré-diabéticos, sendo que metade ingeriu cápsulas com curcumina e o restante, um placebo (grupo controle). Depois de nove meses, 16,4 % dos participantes do grupo controle desenvolveram a doença, enquanto ninguém que ingeriu curcumina teve o problema.
Coma queijo: pesquisa da Universidade de Oxford e da Imperial College London, ambas da Inglaterra, concluiu que pessoas que comem queijo têm risco 12% menor de desenvolver diabetes. Os participantes que mais consumiam a iguaria apostavam em mais de 56 g por dia e os que menos degustavam, menos de 11 g.
Invista em frutas oleaginosas: pessoas que comem regularmente frutas oleaginosas (pistache, nozes, amêndoas, castanhas-de-caju) têm menor risco de diabetes tipo 2, doenças cardíacas e síndrome metabólica, segundo estudo da Universidade Estadual da Louisiana, nos Estados Unidos. Constatou-se que o consumo está associado a baixos níveis de um marcador de inflamação (proteína C-reativa), taxas elevadas de bom colesterol e menor índice de massa corporal.
Faça caminhada: reservar um tempo para caminhada diária é suficiente para diminuir a probabilidade de desenvolver diabetes em pessoas com alto risco e que não fazem exercício regularmente, de acordo com cientistas da Universidade de Washington e da Universidade de Pittsburgh, ambas dos Estados Unidos. A equipe analisou 1.826 voluntários e constatou que os que andaram mais apresentaram chance 29% menor de ter a doença.E não pense que é necessário andar muito, já que apenas 12% dos que investiam em cerca de 3,5 mil passos por dia (são cerca de 2 mil passos em 1,6 km) se tornaram diabéticos, em comparação com 17% dos que caminhavam menos.
Coma maçã, pera e blueberry: quem saboreia maçã, pera e mirtilo (blueberry) tem menos chance de desenvolver diabetes tipo 2, como informou um estudo divulgado pela publicação American Journal of Clinical Nutrition. O levantamento contou com dados de 200 mil pessoas e concluiu que o benefício está relacionado às antocianinas presentes nas frutas.
Durma bem: estudo realizado pelo Hospital Infantil da Filadélfia, nos Estados Unidos, mostrou que adolescentes obesos que desfrutavam de quantidade de sono adequada tinham menos risco de desenvolver diabetes tipo 2. O levantamento analisou 62 adolescentes obesos e descobriu que o benefício estava relacionado a descansar de sete horas e meia a oito horas e meia por noite, o que mantém os níveis de glicose estáveis. Dormir mais ou menos que isso se mostrou prejudicial.
Aposte em frutas e hortaliças: comer frutas e hortaliças variadas pode ajudar a diminuir o risco de diabetes tipo 2, segundo estudo divulgado pela revista Diabetes Care. O levantamento avaliou os hábitos alimentares de 3.704 pessoas.
Consuma álcool moderadamente: estudo da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, constatou que o consumo moderado de álcool diminuiu 30% o risco de diabetes em mulheres com dietas repletas de carboidratos refinados.
Beba café: pesquisadores chineses concluíram que o café pode evitar o acúmulo de uma proteína relacionada com diabetes tipo 2, possivelmente diminuindo o risco da doença. O levantamento sugere que três compostos são responsáveis pelo benefício: cafeína, ácido clorogênico e ácido cafeico.
fonte:http://saude.terra.com.br/doencas-e-tratamentos/confira-9-alimentos-e-habitos-que-ajudam-a-evitar-diabetes,1f6b9316bcde8310VgnVCM20000099cceb0aRCRD.html#tarticle
foto;blogsantalucia.com.br
Pesquisadores reinventam forma de prever o futuro
A desmoralização das previsões místicas e o fato de que economistas e consultores também erram feio trazem ao palco outros tipos de antecipadores do futuro, mais humildes, bem preparados e com alto grau de acerto.
Ok!
Bruxos, videntes, astrólogos, gurus e até - quem diria - os maias não erram mais do que economistas, consultores e outros futurólogos profissionais. Mas há erros e erros. Os dos místicos são divertidos, deixam as pessoas embaladas por deliciosas tolices durante algum tempo e, admitamos, tornam a vida mais tolerável e engraçada. Passada a data em que, segundo essa gente, uma hecatombe se abateria sobre o planeta, sobram as lembranças algo cômicas - pelo menos até que uma nova interpretação do calendário de alguma obscura cultura extinta volte a assustar os incautos e o ciclo da ansiedade com o fim do mundo recomece. São de outra ordem os erros dos que projetam a realidade atual no tempo futuro com base em certos padrões de evolução das conquistas obtidas nos campos que estudam.
Isaac Asimov, escritor de ficção científica, usou os cálculos sobre a curvatura da Terra para traçar a fronteira definitiva entre os equívocos originados pela credulidade acrítica e aqueles desvios do alvo feitos pela honesta busca da verdade por quem, mesmo tendo os instrumentos corretos, não logrou a pontaria certeira.
“Quando as pessoas pensavam que a Terra era achatada, elas estavam erradas.Quando as pessoas pensavam que a Terra era uma esfera perfeita, elas estavam erradas. Mas, se alguém pensa que o erro de pensar que a Terra era achatada é da mesma magnitude do erro de pensar que a Terra era uma esfera perfeita, esse alguém está mais errado do que todos os outros juntos.” Pode-se perguntar por quê. Porque a Terra achatada era apenas uma crença teimosamente absurda, que, aliás, desafiava as observações e o senso comum das pessoas que viam os barcos desaparecer no horizonte quando se afastavam cerca de 20 quilômetros da costa. Achar que a Terra é uma esfera perfeita é um pequeno desvio dentro de um enorme acerto, pois essa concepção é bem próxima da realidade e se chegou a ela pelos caminhos racionais. A Terra, na verdade, é um pouco achatada nos polos e, portanto, não é uma esfera perfeita.
A linha divisória traçada por Asimov é uma boa referência para avaliar a enxurrada de previsões com que as pessoas são bombardeadas nessa época de fim de ano e começo de outro. Quem não ouviu uma única previsão sobre alguma coisa que vai acontecer em 2013 só pode ter ido passar o verão em Marte. Dada a taxa de acerto próxima de zero - ou simplesmente igual à obtida por um lance de dados ou por algum outro meio aleatório baseado em sorte e azar -, não vale a pena nos ocuparmos aqui do que está sendo dito sobre o futuro pelos habitantes do lado místico da esfera cerebral. Não que eles se importem muito com isso. As previsões apocalípticas tendem a durar séculos, mesmo quando desmentidas por nada de relevante acontecer no dia em que o mundo deveria acabar. Elas exercem uma atração fatal sobre o cérebro humano. A observação científica dos fatos raramente pode vencê-las em uma competição por um lugar privilegiado na mente humana. Enquanto os fatos reais mudam em um passo geologicamente lento e sem emoção, as previsões apocalípticas oferecem cenas de alta tensão, colorido intenso, emoções exacerbadas e desfecho rápido. A narração bíblica do apocalipse é um show da Broadway. A previsão do fim do mundo pela ótica da ciência é de uma incomparável chatice: muito provavelmente o universo vai se expandir e esfriar até se transformar em uma escuridão total imersa em caos silencioso e definitivo. Ah... para piorar, isso vai acontecer devagarinho durante alguns bilhões de anos e, quando vier o ato final, não haverá vivalma para contar a história. Tédio total.
A visão colorida, dramática e irracional dos fenômenos predominou por milênios. Foi só no fim do século XVI e início do XVII que começou a aparecer essa gente chata que exige evidência de tudo o que se afirma e que estuda coisas infinitamente pequenas ou infinitamente grandes - gente como Galileu Galilei, que, perseguido pela Igreja Católica, renegou publicamente sua ciência para salvar a própria vida. Antes, porém, deixou como legado para as gerações futuras o método científico e o traçado fronteiriço entre a fé e a razão: “A Bíblia ensina como se vai para o céu, e não como o céu funciona”. À revolução de Galileu se sucederiam outras fundamentais. Isaac Newton mostrou como o céu funciona ao descrever as leis da gravitação; Robert Boyle descobriu as leis que definem o comportamento dos gases; Robert Hooke demonstrou que todos os seres vivos são formados por pequenas entidades interdependentes chamadas células. Ao acabar o século XVII, a humanidade, finalmente, tinha sido dotada dos recursos intelectuais que criaram o mundo em que vivemos atualmente.
São filhos dessas revoluções os pesquisadores que se apresentam como capazes de exercer a arte de enxergar longe, de projetar no tempo acontecimentos atuais e prever com bastante precisão certos eventos futuros. Eles procuram em todos esses eventos não a velocidade com que eles evoluem, mas o ritmo, o padrão de avanço baseado em observação cuidadosa guiada pela lógica e por métodos quantitativos de análise. Um desses observadores é o americano Samuel Arbesman, autor de um livro instigante, ainda sem tradução para o português, intitulado The Half-Life of Facts (em tradução livre, A Meia-Vida dos Fatos). Em sua concepção meramente científica, meia-vida é o tempo que determinado elemento radioativo precisa para que metade de sua radiação tenha se esgotado. Arbesman faz desse conceito um brilhante instrumento de análise de fenômenos que podem ser previstos com segurança quase total quando seu padrão de comportamento é estudado durante um período muito longo. Mais uma vez, ele toma emprestado o conceito da meia-vida, que só faz sentido no caso, por exemplo, de uma barra de urânio, e não de um único átomo. A barra de um dos isótopos do urânio perderá metade de seu poder radioativo em 713 milhões de anos. Mas um único átomo de hidrogênio, observado isoladamente, pode se desintegrar em um segundo ou em milhões de anos.
“A lição aqui é que eventos isolados são imprevisíveis, mas, quando vistos como um imenso conjunto, eles passam a ser previsíveis”, diz Arbesman. Uma pessoa pode morrer a qualquer hora, basta estar viva. Isso significa que tomada individualmente a longevidade é imprevisível. Mas quando se examina a longevidade de toda uma população o que se vê é que a cada ano que passa os avanços médicos permitem acrescentar quatro meses na expectativa de vida das pessoas. Da mesma forma que um biólogo perdido na selva africana pode deparar a qualquer momento com um leão ou um tigre, animais de grande porte, todos os biólogos do mundo em busca de mamíferos ainda não catalogados só poderão encontrar animais de menor porte do que aqueles já conhecidos da ciência . Conclui Arbesman: “Quando se descobre um padrão no ritmo em que novos fatos surgem e em que novas tecnologias são desenvolvidas, a maneira como o conhecimento muda pode ser entendida cientificamente”.
Essa é uma ideia poderosa. Ela ajuda a entender por que razão os institutos de pesquisa e os analistas políticos erram tanto em suas previsões sobre o resultado das eleições; por que a crise financeira de 2008 foi uma surpresa para quase todos os economistas e, principalmente, por que, poucos dias antes de quebrarem, bancos, financeiras e empresas de seguros tinham cotação máxima de segurança para o investidor - AAA - das agências avaliadoras de risco. A resposta é que muitos economistas e todas as agências avaliadoras de risco não identificaram - ou não quiseram identificar - um padrão único e perigoso para todo o sistema. Elas se concentraram em instituições individuais que, consideradas isoladamente, cumpriam as exigências para ser consideradas sólidas. Da mesma maneira que um engenheiro pode dar como seguras as estruturas de um único apartamento de um prédio de trinta andares construído sobre areia movediça.
Entender os padrões de mudança é, em resumo, o truque de Nate Silver, o estatístico americano que se tornou uma celebridade ao prever com quase 100% de acerto os resultados das duas últimas eleições presidenciais americanas - nas quais Barack Obama se elegeu e, em 2012, se reelegeu. Em seu recente livro The Signal and the Noise: Why Most Predictions Fail - but Some Don’t (O Sinal e o Ruído: por que Tantas Previsões Erram - Mas Não Todas), sem tradução para o português, Silver explica que ele acerta os resultados das eleições pela simples razão de que nunca se fia em uma única pesquisa eleitoral. Seu método é fazer uma média de todos os levantamentos disponíveis, dando peso para os institutos conforme sua taxa de acerto em eleições passadas. Além disso, entra forte na composição do peso dado a cada sondagem o fato de o próprio candidato cuja eleição está em jogo ser entrevistado pela empresa. Diz Silver: “Isso é fundamental para saber se o instituto está pesquisando as intenções de voto em uma pessoa de carne e osso ou se está medindo o apoio dos eleitores a um ser imaginário ou construído pelo marketing da campanha”.
O estatístico Nate Silver encontrou outro interessante padrão entre os institutos que fazem previsões - sejam elas eleitorais, econômicas ou meteorológicas. Esse padrão se refere à honestidade e à clareza com que eles informam seus usuários a respeito do grau de exatidão de suas investigações. “O serviço de meteorologia é o que acerta mais nos Estados Unidos e o que é mais transparente a respeito das incertezas de seus métodos.” Silver se refere ao fato de que o serviço de meteorologia dá resultados na forma de probabilidades, evitando afirmar peremptoriamente se vai chover ou fazer sol ou ainda que tipo de danos exatamente um furacão vai provocar e onde. Silver sustenta que seria muito mais racional se, por exemplo, os economistas fossem mais humildes quando fizessem previsões sobre os rumos da economia. Diz ele: “O governo americano divulga 40 000 indicadores. Institutos privados monitoram 4 milhões de estatísticas. A tentação de muitos economistas é pôr todos esses dados em um liquidificador e sair dizendo que a gororoba resultante é alta gastronomia”.
O psicólogo Philip Tetlock, da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, decidiu estudar não os métodos que produzem previsões mais acertadas, mas como a exatidão delas se relaciona com a personalidade da pessoa que está fazendo o estudo de futurologia. Tetlock adotou a classificação feita pelo ensaísta Isaiah Berlin, que, escrevendo sobre o romancista russo Leon Tolstoi, dividiu os personagens em dois tipos: os ouriços e as raposas. Berlin, por sua vez, inspirou-se nesta passagem atribuída a Arquíloco, poeta da Antiguidade grega: “A raposa conhece muitas pequenas coisas. O ouriço conhece uma única grande coisa”.
A conclusão de Tetlock é inequívoca - a personalidade de raposa é muito mais compatível com a tarefa de prever eventos do que a de ouriço. Ele põe na conta de pessoas ou instituições com a formatação mental dos ouriços algumas das grandes falhas em prever eventos tectônicos da história contemporânea, entre eles o desmoronamento da União Soviética, nunca antecipado pela CIA, a agência de espionagem americana, e a crise financeira de 2008, que iludiu algumas das mais brilhantes cabeças econômicas. Conclui Tetlock: “Karl Marx e Sigmund Freud são exemplos célebres do tipo de personalidade ouriço. Eles desenvolveram teorias poderosas e passaram a explicar todo e qualquer fenômeno com base nelas. Ambos erraram redondamente sobre o futuro do mundo em que viveram”.
Reportagem de Gabriela Carelli
fonte:http://veja.abril.com.br/noticia/ciencia/quem-preve-melhor
foto:curaeascensao.com.br
Por que a Índia trata tão mal suas mulheres?
Muitos a chamaram de “coração valente” ou “filha da Índia”. Mais do que motivar uma onda de orações e protestos em todo o país, a estudante de 23 anos morta no sábado após ser estuprada por seis homens em um ônibus em Nova Déli fez o país se perguntar: “Por que a Índia trata tão mal as suas mulheres?”.
No país, não são raros os casos de aborto de fetos femininos, assim como os de assassinato de meninas recém-nascidas. A prática levou a um assombroso desequilíbrio númerico entre gêneros no país. As que sobrevivem enfrentam discriminação, preconceito, violência e negligência ao longo da vida, sejam solteiras ou casadas.
TrustLaw, uma organização vinculada à fundação Thomson Reuters, qualificou a Índia como o pior lugar para se nascer mulher em todo o mundo. E isso se dá em um país no qual a líder do partido do governo, a presidente da Câmara de Deputados, três importantes ministras e muitos ícones dos esportes e dos negócios são mulheres.
Crimes em alta
Apesar do papel mais importante desempenhado pelas mulheres no país, crimes de gênero estão em alta na Índia. Em 2011 foram registrados 24 mil casos de estrupo – 17% só na capital, Nova Déli. O número é 9,2% maior do que no ano anterior.
Segundo os registros policiais, em 94% dos casos os agressores conheciam as vítimas. Um terço desses eram vizinhos. Parte considerável era de familiares.
E não se tratam apenas de estupros. Segundo a policía, o número de sequestros de mulheres aumentou 19,4% em 2011 (em relação ao ano anterior). O aumento dos casos assassinato foi de 2,7%, nos de torturas, 5,4%, nos de assédio sexual, 5,8%, e nos de violência física, 122%.
Discriminação mortal
Segundo Amartya Sen, prêmio Nobel de Economia de 1998, mais de 100 milhões de mulheres desapareceram ou foram mortas em todo o mundo vítimas da discriminação.
De acordo com os cálculos dos economistas Siwan Anderson e Debraj Ray, mais de dois milhões de indianas morrem a cada ano: cerca de 12% ao nascer, 25% na infancia, 18% em idade reprodutiva e 45% já adultas.
O estudo mostrou que mais mulheres morrem na Índia por ferimentos do que por complicações no parto. E esses ferimentos seriam um indicador da violência de gênero.
Outro dado estarrecedor é o de 100 mil mulheres mortas por queimaduras. Segundo os dois economistas, boa parte delas são vítimas de violência relacionada ao pagamento de dotes matrimoniais. Não raro, os agressores queimam as mulheres.
Sociedade patriarcal
Para os analistas, é preciso uma mudança estrutural nas atitudes da sociedade para que as mulheres sejam mais aceitas e tenham mais segurança na Índia.
O preconceito de gênero é reflexo de uma sociedade de tradição patriarcal, ainda mais forte no norte do país.
Para os manifestantes que saíram às ruas após o estupro da jovem estudante de medicina, os políticos, inclusive o primeiro-ministro Manmohan Singh, não são sinceros quando prometem leis mais duras contra a violência de gênero.
Eles ainda questionam o fato de que 27 candidatos nas últimas eleições regionais eram acusados de estupro. Além disso, seis deputados respondem pelas mesmas acusações. Como crer, então, na classe política?
Ainda é cedo para saber se o governo realmente concretizará suas promessas de leis mais duras e julgamentos mais ágeis em casos de estrupo. Os protestos em Nova Déli, no entanto, parecem trazer alguma esperança de que algo poderá mudar, para o bem das mulheres indianas.
Reportagem de Soutik Biswas
fonte:http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/12/121230_india_mulheres_realidade_preconceito_mm.shtml
foto:http://www.imagensdeposito.com/turismo/11136/mulheres+india.html
No Direito Eleitoral, ano mostrou que não há mágicas
Artigo de José Rollemberg Leite Neto,sócio do Eduardo Antônio Lucho Ferrão Advogados Associados e membro da Comissão de Reforma do Código Eleitoral, do Senado.
“A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.”
Eduardo Galeano
O ano de 2012 deixará como legado, no âmbito do direito eleitoral, a constatação de que não existem medidas mágicas aptas a resolver os problemas democráticos brasileiros. A construção de um sistema eleitoral hígido, liberto de influências malsãs do poder econômico e de interferências nocivas dos meios de comunicação, capaz de combater eficazmente os ilícitos de campanha, isento de maus personagens, ágil na solução de conflitos próprios do processo eleitoral, é uma utopia a ser perseguida mediante reformas sucessivas, que não podem ser limitadas ao campo legislativo.
De fato, nenhuma medida legislativa bastará à satisfação da expectativa cidadã de gestores e legisladores probos e competentes. Nenhuma alteração normativa, ainda que ampla e profunda, bastará para criar um âmbito político ético, preenchido por homens públicos hábeis a solver os problemas da sociedade que representam. Leis novas, infrações novas. O que precisa mudar, nesse terreno, é a mentalidade dos cidadãos, muito mais do que o rol dos direitos e deveres juridicamente estabelecidos. Só com a soma de ambas as mudanças é que a melhora republicana tão ansiada poderá ser viabilizada. Um ordenamento jurídico dotado de ferramentas de combate aos ilícitos eleitorais e de preservação da igualdade de condições de disputa entre os postulantes a um mandato popular é condição necessária, mas não suficiente, a uma democracia ideal.
A introdução acima se justifica porque esta foi a primeira eleição em que se deu a aplicação válida das disposições da tão anelada Lei Complementar 135, a Lei da Ficha Limpa. No começo de 2012, o Supremo Tribunal Federal, concluindo julgamento que vinha de 2011, decidiu que ela é compatível com a Constituição e pode ser aplicada a atos e fatos ocorridos anteriormente à sua edição (ADC 29/DF, ADC 30/DF e ADI 4.578/DF).
Dito diploma, com essa amplitude de incidência reconhecida pelo STF, limitou significativamente a participação de candidatos no processo eleitoral. Porém, nem por isso a sociedade pode dizer-se absolutamente segura de que, agora, a prática política brasileira foi renovada. Alguns personagens indesejados pelo novel regramento podem ter sido expelidos do processo eleitoral, mas as condutas inidôneas certamente continuam presentes. E o eleitorado é o principal culpado disso.
Quem poderá dizer que, doravante, o país estará livre de maus políticos? Algumas evidências militam no sentido contrário. As eleições realizadas em 2012 evidenciaram gastos — tomados em consideração apenas os declarados — ilionários, em proporções jamais vistas. Isso representa uma crescente influência do poder econômico, que acentua a disparidade entre candidatos, distinguindo-os entre as categorias dos que conseguem financiamento e dos que não o alcançam, estes com chances mitigadas de sucesso nas urnas. Mesmo quando as doações são destinadas aos partidos, as agremiações escolhem dentre os seus candidatos quais devem ser contemplados, o que diferencia, internamente, as candidaturas. Desse painel sobram as conclusões da necessidade de o legislador refletir acerca dos meios para limitar os gastos de campanha (tanto quanto a de verificar os meios de financiamento delas), e de o eleitor fazer-se a indagação das fontes de recursos dos seus escolhidos, já que elas indicarão, em significativa medida, o caráter da representação que será personificada pelo sufragado.
Mas não só. Os debates travados durante as campanhas municipais ignoraram, na maior parte das vezes, questões técnicas relevantes (como o endividamento público, a definição de prioridades orçamentárias, o equacionamento de problemas extremamente complexos como os de saneamento básico e trânsito, dentre outros). Quem poderá crer que o caminho para uma representação ideal está sendo pavimentado quando nas campanhas quase tudo quanto se afirma é pasteurizado, é um discurso pronto, prêt-à-porter, preparado pela publicidade eleitoral, tomado por clichês e promessas de difícil execução? Quem?
As eleições são exercícios de escolhas. Ainda que o universo de opções de candidaturas possa ser limitado pela lei, ainda que ela possa castigar severamente quem abusa ou corrompe, o que se constata é que ao eleitor cabe a palavra final sobre as pessoas que irão representá-lo. E se ele, cidadão, entende que deve optar por alguém que não é dotado de predicados éticos ou de eficiência, infelizmente, não será a lei quem solverá o problema. Igualmente, se ele, votante, não consegue, ou, mais grave, não se interessa em verificar o que é factível ou não factível dentre as promessas feitas na campanha, isso não se resolverá na legislação. Se ele não consegue deixar de escolher seu representante influenciado por propagandas ocas, isso texto legal algum resolverá. Trata-se de uma liberdade não alcançável pelo ordenamento jurídico, eis que contida no espaço que só o campo da moral e da consciência regulam. Omitir-se é um direito. Escolher mal, também.
Trocando em miúdos: o ano de 2012 mostrou que, por mais que boas intenções sejam materializadas na legislação eleitoral, são os costumes políticos que precisam ser renovados. A menos que o eleitor deseje, sinceramente, mudar ditos hábitos, por mais que trabalhem os legisladores, por mais que suem os juízes, esses esforços oficiais serão baldios. As campanhas são caras porque o eleitor as estimula. Os maus políticos só se candidatam porque sabem que podem ser escolhidos e vencedores.
Não se trata, porém, de somente lastimar. Cuida-se, em rigor, de constatar que, às vezes, a sociedade se mune de esperanças demasiadas, confiando que a legislação, ou mesmo uma decisão judicial, pode suprir defeitos que só são solúveis por mudanças coletivas de mentalidade. A LC 135 tem o seu valor. Mas ela, sozinha, não faz milagres. É andorinha, não é verão.
Competência operacional da Justiça Eleitoral
É preciso consignar que o Judiciário Eleitoral fez um trabalho digno de especial nota. Realizou as eleições na data prevista, em todos os municípios brasileiros. Em poucas horas, entregou o resultado de todos os pleitos. É, sem risco de erro, o procedimento de apuração eleitoral mais célere do mundo. Protagonizou uma das maiores estratégias de mobilização do planeta, uma operação para a qual convergiram incontáveis servidores públicos e milhões de cidadãos, pacificamente, em um mesmo dia, na mesma faixa de horário, para a realização de milhares de eleições distintas (não é demais lembrar que prefeitos/vice-prefeitos e vereadores são escolhidos em separado, município por município). Tudo isso ocorreu, em primeiro e segundo turno, sem maiores problemas, com incidentes tópicos, incapazes de tisnar a lisura do procedimento e macular a competência da logística judiciária.
Bom frisar que esse é só o aspecto mais evidente de uma longa jornada. As eleições só sucedem depois de a Justiça analisar dezenas de milhares de pedidos de registros de candidaturas impugnados em primeira e segunda instâncias, e, em muitos casos, também em terceiro grau. Só o TSE julgou este ano mais de sete mil processos relacionados a registro de candidaturas. Para um Judiciário Nacional conhecido por ser lento, entregar milhares de vezes a jurisdição em três estágios, no estreito prazo de meses, mostra que uma prestação jurisdicional célere é possível.
Nessa impressionante empreitada, a Justiça Eleitoral interpretou a Lei da Ficha Limpa e, decidindo casos concretos, estabeleceu importantes balizamentos que, formando jurisprudência, deverão pautar os pleitos seguintes.
Disse, por exemplo, como se procede à contagem do prazo de inelegibilidades. Havia a dúvida: os oito anos fixados na lei como período de impedimento de candidatura contam-se à moda dos prazos civis ou por um critério sui generis, próprio à matéria eleitoral? O TSE, após oscilar inicialmente, fixou que a inelegibilidade conta-se até o derradeiro dia do oitavo ano após o início da causa impeditiva (AgR-Respe 2361, entre outros).
Afirmou, também, que os atos de improbidade administrativa que ensejam a inelegibilidade são os que causam dano ao erário e enriquecimento ilícito, concomitantemente. A simples violação de princípios, sem dano, ou a danosa, sem enriquecimento, não ensejam a perda do direito de ser votado (AgR-Respe 2167, entre outros).
Reiterou a corte o entendimento de que as inelegibilidades podem ser afastadas por medida judicial posterior à fase de registro, mas as condições de elegibilidade devem ser averiguadas até o instante do pedido, de nada importando o suprimento ulterior de eventual defeito. Pronunciou também, que inelegibilidades supervenientes ao registro só podem ser aferidas em sede de recurso contra a expedição de diploma (AgR-Respe 1217, entre outros).
O TSE reafirmou que compete ao Poder Legislativo julgar as contas do Executivo, sendo o Tribunal de Contas órgão opinativo nesses casos. Eventual rejeição de contas por este, nesse contexto, dá-se sob a forma de parecer prévio e não gera a inelegibilidade do ocupante do cargo de prefeito, governador ou de presidente da República. Tal inelegibilidade só se aperfeiçoa quando o julgamento do Legislativo sobrevém pela rejeição das contas. A exceção a tal compreensão está nas hipóteses de convênio, ensejo em que a Corte de Contas, ao apreciar a matéria, delibera em caráter definitivo (AgR-Respe 46450, entre outros).
Uma análise digna de ser sublinhada, também na seara das inelegibilidades, foi feita pelo TSE no sentido de que contas rejeitadas por gastos com educação aquém dos patamares constitucionalmente fixados é motivo para a inelegibilidade, pouco importando a diferença entre o percentual realizado e o determinado pela Constituição Federal, eis que, na ótica do TSE, isso caracteriza ato doloso de improbidade administrativa (AgR-Respe 7486, entre outros).
Finalizando essa síntese de posições quanto às inelegibilidades, cabe anotar que o TSE, variando compreensão anterior, entendeu que o vice-prefeito que assumir a chefia do Poder Executivo em decorrência do afastamento do titular, ainda que temporariamente, seja por qual razão for, somente poderá candidatar-se ao cargo de prefeito para um único período subsequente (Respe 12.907).
Devisões e fatos importantes
O Supremo Tribunal Federal assegurou aos partidos novos, criados após a realização de eleições para a Câmara dos Deputados, o direito de acesso proporcional aos dois terços do tempo destinado à propaganda eleitoral no rádio e na televisão que devem ser divididos na razão dos votos recebidos nas eleições para a Câmara no pleito anterior. Determinou que, diante da inexistência da agremiação no pleito disputado, fosse considerada, nesse cômputo, a representação dos deputados federais que migraram diretamente dos partidos pelos quais foram eleitos para a nova legenda na sua criação (ADI 4430/DF e ADI 4795 MC/DF).
O STF também teve de analisar a situação do chamado “prefeito itinerante”, aquele que sendo alcaide de um município resolve, depois de eleito e reeleito, transferir seu título para uma comuna diversa e se candidata, novamente, à chefia do Executivo. Em linhas gerais, Supremo Tribunal Federal, pacificando o assunto, definiu que, ainda que as cidades sejam distintas, o cargo é o mesmo, e, por isso, o prefeito não pode ser novamente candidato, o que impede o terceiro mandato (RE 637.485).
Demais disso, neste ano o TSE também debateu longamente se a rejeição das contas de campanha seria motivo para a perda da quitação eleitoral. Após uma posição inicial no sentido de ser a aprovação de ditas contas condição para o alcance da quitação, reviu o seu ponto de vista para acolher o entendimento de que a exigência legal é limitada à simples apresentação delas (Instrução 154264).
O tribunal, noutro julgado digno de realce, entendeu que é ilícita a gravação ambiente feita sem o conhecimento dos interlocutores. No caso, um eleitor teria gravado, clandestinamente, a oferta de dinheiro em troca de seu voto (Respe 34.426).
Na esfera administrativa, um evento marcante foi a celebração de convênio entre o TSE e a Advocacia-Geral da União para cobrar daqueles que deram causa à nulidade de eleições os custos decorrentes da renovação de pleitos.
A implementação do cadastro biométrico do eleitorado e a realização de eleições em algumas unidades federadas sob essa base cadastral segura contribuiu para que, nos locais onde ela se verificou, o índice de abstenção de eleitores tenha sido menor que a média nacional.
Com base na Lei 12.527/2011, a Lei de Acesso à Informação, o TSE passou a determinar que o nome dos doadores de campanha fosse informado ao público durante o processo eleitoral. Antes, a informação só era divulgada depois das eleições realizadas.
Preocupado com os efeitos dos custos das campanhas e das dificuldades de que as prestações de contas correspondam à realidade dos processos eleitorais, o TSE designou uma comissão de notáveis para estudar o assunto e elaborar uma proposta a ser encaminhada ao Congresso Nacional para aperfeiçoamento do sistema jurídico.
Expectativas
Retomando o que dito no começo deste texto: leis novas são bem-vindas, mas precisam vir acompanhadas de uma nova postura do eleitor. Essa é a utopia da vez.
A Lei das Inelegibilidades já foi aperfeiçoada. É preciso aperfeiçoar outras. Ditos melhoramentos, porém, ficam na dependência da aprovação da tão esperada “reforma política” (outra utopia?), que tem índole constitucional e está em trâmite no Congresso, sobrestando discussões que dela dependem. Ela é, por exemplo, pressuposto da concretização de uma proposta consistente para um novo Código Eleitoral. Embora haja uma em fase de estudos, com comissão designada pelo Senado Federal para tal propósito, para que o anteprojeto seja concluído, apresentado e apreciado pelo Legislativo, é recomendável que seja precedido da conclusão da discussão da “reforma política”. Sem a definição de limite de gastos eleitorais, da forma de financiamento das campanhas, se exclusivamente público ou se misto, da permanência ou não de coligações proporcionais, de votos em listas ou não, distritais ou não, a confecção de um diploma infraconstitucional da envergadura de um código fica comprometida, submetida à incerteza de pautar-se por premissas que poderão ser modificadas.
Insista-se, porém, na mensagem inicial: a lei pode muito, mas não pode tudo. É preciso esperar do eleitor a mudança de atitude que é própria da educação democrática. Ele é o soberano. E precisa se reconhecer responsável pelo que ocorre no país. Afinal, embora não seja completamente certo dizer que cada povo tem os representantes que merece, inapelavelmente, nas democracias, tem os que escolheu.
fonte:http://www.conjur.com.br/2012-dez-29/retrospectiva-2012-direito-eleitoral-ano-mostrou-nao-magicas
foto:bloghb2b.blogspot.com
29/12/2012
Ano Novo de Ferreira Gullar
Meia noite. Fim
de um ano, início
de outro. Olho o céu:
nenhum indício.
Olho o céu:
o abismo vence o
olhar. O mesmo
espantoso silêncio
da Via-Láctea feito
um ectoplasma
sobre a minha cabeça:
nada ali indica
que um ano novo começa.
E não começa
nem no céu nem no chão
do planeta:
começa no coração.
Começa como a esperança
de vida melhor
que entre os astros
não se escuta
nem se vê
nem pode haver:
que isso é coisa de homem
esse bicho
estelar
que sonha
(e luta)
GULLAR, Ferreira. Toda poesia. Rio de Janeiro: José Olímpio, 1997.
foto:melhorpapeldeparede.com
Queijo e legumes são o 'lanchinho' ideal para crianças
Os ‘lanchinhos’, feitos entre uma refeição e outra, podem ser os grandes vilões de uma alimentação saudável na infância. Isso porque existe uma imensa variedade de junk food — como bolachas, salgadinhos e refrigerantes — que costuma ser consumida nesses momentos do dia. Agora, um novo estudo americano sugere que o lanche ideal para crianças é a combinação de queijo com legumes, como cenoura e brócolis. O prato, além de ser 70% menos calórico do que uma porção de batata frita, por exemplo, provoca maior saciedade ao longo do dia e faz com que a criança consuma menos calorias na refeição seguinte.
O estudo, feito na Universidade Cornell, nos Estados Unidos, foi publicado na última segunda-feira na revista Pediatrics. Participaram do trabalho 200 crianças de oito a doze anos. Elas foram orientadas a consumir um dos quatro tipos de lanches estipulados pela pesquisa: apenas batata frita; apenas queijos; apenas legumes (cenoura, brócolis e pimentão); e queijos e legumes. As crianças poderiam ingerir os lanches na quantidade que desejassem, enquanto assistiam a um programa de televisão com duração de 45 minutos. Os pesquisadores mediaram o nível de saciedade das crianças perguntando para elas se estavam com fome – e qual a intensidade da fome — 20 minutos após terminarem o lanche.
Como os pesquisadores já esperavam, as crianças que consumiram apenas os vegetais foram aquelas que ingeriram as menores quantidades de calorias e as que receberam batatas fritas as maiores. Os participantes que receberam somente queijo e os que ingeriram o 'combo' com queijo e legumes consumiram aproximadamente as mesmas calorias — uma quantidade 72% menor do que o grupo da batata frita.
Saciedade — No entanto, foram as crianças que receberam a combinação de queijos e legumes aquelas que relataram ter menos fome após lancharem. Segundo os pesquisadores, essa opção se mostrou a mais saudável, pois, além de ser muito menos calórica do que as batatas fritas, evita que a criança sinta fome e coma mais na refeição seguinte.
Os pesquisadores explicam que, embora o queijo possa ter mais calorias do que os vegetais, ele é nutritivo (e também é rico em cálcio e proteína) e pode ser mais facilmente aceito pelas crianças do que refeições que têm apenas vegetais. A combinação com vegetais, afirmam os autores, é ideal pois os legumes são ricos em fibras e garantem a saciedade por mais tempo.
fonte:http://veja.abril.com.br/noticia/saude/queijo-e-legumes-sao-o-lanchinho-ideal-para-criancas
foto:openhouse.constancezahn.com
Abate de elefantes e rinocerontes na África bate recorde em 2012
Os maiores animais da África foram caçados em números recordes em 2012, com a crescente demanda por chifre e marfim da Ásia impulsionando o abate de rinocerontes e elefantes. Até meados de dezembro, os caçadores mataram 633 rinocerontes na África do Sul, segundo dados do Ministério do Meio Ambiente.
O número marca um novo recorde anual no país que abriga a maioria dos rinocerontes do continente, e um forte aumento em relação ao recorde anterior de 448 mortes no ano passado e os poucos abates registrados há uma década. Em outros lugares da África, o abate de elefantes continuou inabalável, com assassinatos em massa relatados nos Camarões e na República Democrática do Congo.
De acordo com o grupo de conservação Traffic, que monitora o comércio mundial de animais e plantas, a quantidade de marfim extraído deve cair em relação a 2011. Mas a tendência permanece sombria.
"Parece que 2012 é outro ano abundante para o comércio de marfim ilegal embora seja pouco provável que supere 2011", disse Tom Milliken, que gerencia o tráfego do elefante de Sistema de Informação de Comércio.
Em 2011, cerca de 40 t de marfim ilegal foi extraído em todo o mundo, representando milhares de elefantes mortos. Até agora, este ano, cerca de 28 t já teriam sido extraídas, mas o número deverá subir à medida que surgem mais dados. "Os últimos quatro anos, desde 2009, são quatro dos nossos cinco anos de maior volume de comércio ilegal de marfim", disse Milliken.
A demanda por marfim como item ornamental está crescendo rapidamente na Ásia, em conjunto com a crescente influência e investimento da China na África, que abriu mais as portas para o comércio ilegal de elefantes e outros animais. O chifre de rinoceronte tem sido usado há séculos na medicina chinesa, onde era moído em pó para tratar uma série de doenças, incluindo reumatismo, gota e até possessão por demônios.
O contrabando de marfim também tem sido associado a conflitos, e na semana passada o Conselho de Segurança das Nações Unidas pediu uma investigação sobre o suposto envolvimento no comércio do Exército de Resistência do Senhor (LRA), em Uganda.
Liderado pelo senhor da guerra Joseph Kony, que está sendo caçado por uma força militar apoiada pela União Africana e pelos Estados Unidos, o LRA é acusado de aterrorizar o norte do país há mais de 20 anos com rapto de crianças para usar como combatentes e escravas sexuais.
"Os assassinatos ilegais de grande número de elefantes por causa do seu marfim estão cada vez mais envolvendo o crime organizado e, em alguns casos, milícias rebeldes bem armadas", afirmou a Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas da Fauna e Flora Silvestres (CITES), em um comunicado esta semana.
No caso do chifre de rinoceronte, a demanda tem sido crescente no Vietnã, onde uma nova classe afluente está adquirindo para o tratamento de doenças que vão desde a ressaca ao câncer. A maioria das mortes de rinocerontes acontece no Parque Nacional Kruger da África do Sul.
fonte:http://noticias.terra.com.br/ciencia/abate-de-elefantes-e-rinocerontes-na-africa-bate-recorde-em-2012,c9e3a92999dcb310VgnCLD2000000dc6eb0aRCRD.html
foto:dw.de
As linhas que dividem amor e Direito nas constituições
Artigo de Otávio Luiz Rodrigues Júnior, advogado da União, pós-doutor (Universidade de Lisboa) e doutor em Direito Civil (USP); membro da Association Henri Capitant des Amis de la Culture Juridique Française (Paris, França) e da Asociación Iberoamericana de Derecho Romano (Oviedo, Espanha).
O amor está ausente da maior parte das legislações estrangeiras, ao menos aquelas com vínculos históricos ou com maior influência no Direito brasileiro. Desse modo, é perceptível a eloquente ausência do amor nos códigos civis de Portugal, Espanha, Alemanha, Itália, França, Bélgica e Argentina. Os modernos códigos de Quebec, da Holanda (versão em inglês) e do Equador também nada dizem sobre essa palavra tão especial. Muito menos as codificações da Venezuela, do Paraguai e do México. A Califórnia, que possui um Código de Família, não refere o amor em seus artigos. É idêntica a situação da Lei sobre Matrimônio da Noruega (versão em inglês), do Family Law Act de 2011, da Colúmbia Britânica, no Canadá, e do Family Law Reform Act de 1969, do Reino Unido.
No entanto, o Código Civil da Louisiana, um enclave de civil law no território de common law, em seu artigo 134, ao tratar do princípio do melhor interesse da criança, afirma que a Corte deverá considerar todos os relevantes fatores necessários a sua determinação, de entre esses “O amor, o afeto e outros vínculos emocionais entre cada parte e a criança” (The love, affection, and other emotional ties between each party and the child). Além da capacidade e da disposição de cada um dos envolvidos em dar à criança amor, afeto e orientação espiritual (artigo 134, 2). Os tribunais da Louisiana utilizam à larga o artigo 134, itens 1 e 2, do Código Civil, especialmente em disputas judiciais sobre a guarda de crianças. Há decisão, por exemplo, que negou a guarda compartilhada de uma criança a um “pai não-biológico”, utilizando-se como fundamento esse dispositivo.[1]
Se forem pesquisados alguns textos constitucionais, como os da Alemanha, da Itália, de Espanha ou da África do Sul, o resultado também será infrutífero. Note-se que a Lei Fundamental alemã menciona a palavra “liberdade”, associada ou não a outros conceitos (de expressão, de reunião, de escolha profissional), mais de trinta vezes. A Constituição da África do Sul, em seu preâmbulo, pede que Deus proteja o povo daquele país, enquanto sua homóloga italiana silencia sobre o Todo-Poderoso, ainda que reconheça a independência e a soberania da Igreja Católica (artigo 7º) e a liberdade de culto (artigo 8º).
Ao contrário do que muitos imaginam, Deus não é mencionado na Constituição norte-americana, posto que a Primeira Emenda garanta a liberdade de culto e de religião. Nem Deus, muito menos a felicidade ou o amor, são mencionados na Constituição da República Portuguesa, que, todavia, define ser uma tarefa fundamental do Estado promover a “qualidade de vida do povo” (artigo 9º, alínea “d”). A belíssima Constituição espanhola de 1978 não alude ao amor. Deus não está em seus dispositivos, da mesma maneira que nela não se encontram palavras como felicidade ou afeto. Os russos não trazem o amor em sua Constituição (na versão em inglês).
Os húngaros, no governo do primeiro-ministro Viktor Orban, heróico líder estudantil na luta contra o comunismo, aprovaram uma polêmica constituição em 2011. Em seu preâmbulo, na tradução inglesa, o amor é expressamente citado: “Nós sustentamos que a família e a nação constituem a base estrutural de nossa coexistência e que os valores fundamentais de coesão consistem na fidelidade, na fé e no amor”. A Constituição húngara é repleta de inusitadas invocações de valores espirituais, como o reconhecimento de que a nação assenta-se na herança da coroa do rei Santo Estevão, que edificou o Estado em “sólidas bases e fez de nosso país parte da Europa cristã há mil anos”, sendo que é reconhecido o papel do Cristianismo na preservação da nacionalidade húngara. A União Europeia já determinou fosse revista a constituição húngara, por entender que alguns de seus artigos afrontam a Carta de Direitos Humanos da Europa.
A felicidade, ou melhor, a “busca da felicidade” (pursuit of happiness), é outra famosa expressão, que deita suas origens na Declaração de Independência dos Estados Unidos de 1776. O texto de Filadélfia é muito conhecido: "Consideramos essas verdades como axiomáticas, que todos os homens são criados iguais, que são dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, que estão de entre esses a vida, a liberdade e a busca da felicidade”. Há quem defenda que a “pursuit of happiness”substituiu o “direito à propriedade”. Só se poderia ser feliz com a posse de bens materiais. É um reflexo das teorias kantianas, conforme certos estudiosos defendem. Embora por caminhos diversos, a teoria do patrimônio mínimo chega a resultados muito aproximados.
Amor, felicidade e Deus. O leitor deve-se perguntar se a coluna não perdeu o foco, afinal, desde a semana passada [clique aqui para ler], está-se em uma verdadeira “busca pelo amor” nos ordenamentos jurídicos. Bem, antes de prosseguir, é necessário reconhecer que a pesquisa no Direito estrangeiro não produziu resultados muito diferentes da investigação no Direito nacional.
A referência conjunta a Deus, à felicidade e ao amor tem razão de ser. No Senado Federal, tramita uma proposta de emenda à Constituição (mais conhecida como PEC da felicidade) que daria a seguinte redação ao artigo 6º: “São direitos sociais, essenciais à busca da felicidade, a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.
Muitos acreditam que Deus é amor, inspirados na palavra do evangelista (“Aquele que não ama não conhece a Deus; porque Deus é amor” — Primeira Epístola de S. João, IV:8). Com o avanço do laicismo nas sociedades ocidentais, o que se percebe claramente pela retirada de Deus dos textos jurídicos, a procura por algum tipo de conexão do Direito com os elementos metajurídicos é, embora disfarçada, bastante comum em discursos doutrinários e jurisprudenciais. Dito de outro modo, a felicidade ou o amor são excelentes companheiros de qualquer argumento retórico, ainda que revestido de caráter jurídico. Como no passado argumentar com ou contra Deus seria algo perigoso ou indefensável, cercar-se do amor (ou sentimento equivalente) pode muito bem representar um salvo-conduto contra refutações puramente técnicas. Não teria a dignidade humana, a eminente e conspícua dignidade humana, entrado também por esse caminho tão obscuro?
Na última coluna, colocaram-se duas questões: (1) o amor é susceptível de se juridicizar?; (2) o amor é utilizável como fundamento no discurso jurídico, qualquer que seja ele, dogmático, legislativo ou jurisprudencial?
É o caso de voltar para esses problemas.
Há uma fotografia da Primeira Guerra Mundial, que retrata uma missa celebrada por um capelão do Exército Real e Imperial da Áustria-Hungria, pouco antes de uma das mais sangrentas batalhas daquele horrendo conflito, prestes a completar um século. O capelão está coberto por suas vestes sacerdotais, mas se percebe que ele está de uniforme. Todos estão ajoelhados, com ar de profunda compunção, enquanto o padre eleva a hóstia na consagração. A maior parte daqueles homens morreria horas depois, posto que sinceramente acreditassem na proteção de Deus. Eram leões liderados por cordeiros, para se roubar uma metáfora alemã. Do outro lado, estavam os russos. Provavelmente, abençoados por um capelão ortodoxo, que também rogara a(o mesmo) Deus que trucidasse os inimigos do czar Nicolau II.
Ambos os lados acreditavam que Deus estava de seu lado. Era uma crença. E há poucas coisas tão insusceptíveis de controle racional do que a fé. Os textos sagrados e a sabedoria popular assim o confirmam, pois a “fé remove montanhas” e “tudo é possível àquele que crê”. Se, no plano religioso, essas são afirmações que não se discutem, é possível transpor esse modelo para um campo tão aberto a conflitos quanto o Direito? Em cada processo, há um combatente. Se trocarmos Deus pelo Amor, não estaríamos agindo à semelhança daqueles pobres oficiais e soldados austro-húngaros?
A deusa pagã Thémis, símbolo de uma religião que nada mais diz ao homem ocidental, ao menos desde Juliano, o apóstata, ocupa posição privilegiada em nossos tribunais. A estátua da deusa vendada é a representação da Justiça. Alf Ross, em uma célebre frase, afirmou que invocar a justiça é como resolver uma questão jurídica com um soco na mesa. Ele, a despeito das restrições que se tenha a seu pensamento positivista, desejou alertar para os riscos do vazio argumentativo de quem imagina poder encerrar conflitos e “dar a cada um o que é seu” com a invocação de conceitos que, ao mesmo tempo, tudo e nada significam para os seres humanos. Se, em relação à Justiça, como defende o Jusnaturalismo, há o exemplo de Antígona, clamando pela prevalência de algo superior e antecedente ao Direito positivo, no que se refere ao “amor”, a situação é diferente.
Como dito na semana passada, fazer justiça é cometer injustiça. O perdedor em um processo dificilmente dirá que Thémis lhe sorriu. Nessa hipótese, contudo, está-se no plano das baixezas humanas. A invocação de Deus, ao menos em Estados laicos, é irrelevante, o que não significa que Ele possa agir em outros planos. Mas, crentes e não crentes, ao menos para o Direito, são iguais perante a norma e é assim que o diz a Constituição.
O “amor”, e é bom que se volte a ele, definitivamente, não é jurídico. Sua juridicização pode até ocorrer, o que realmente se deu em casos excepcionais na legislação nacional e estrangeira. Assim, em resposta ao problema (1), tem-se que as fronteiras do amor e do Direito devem ser mantidas, ainda que exceções sirvam apenas para confirmar a diferença de planos. O “amor” não pode ser o novo “deus” laico. Ele é sublime demais para se conspurcar com o Direito, que só é nobre quando seus realizadores conseguem sê-lo. No entanto, os homens guardamos em nós mesmos o gérmen da destruição, da imperfeição e da incompletude.
Aqui cabe voltar um pouco a fundamentos menos metafísicos: de acordo com a teoria egológica de Carlos Cossio, o ato humano é necessariamente um ato jurídico, por se colocar nos campos da licitude ou da ilicitude. Hans Kelsen, que com ele debateu em sua viagem à América Latina, [2] tal como referido pelo ministro Ruy Rosado de Aguiar Júnior, teria assim se pronunciado: “Kelsen, reptado por Cossio, o criador da teoria egológica, perante a congregação da Universidade de Buenos Aires, a citar um exemplo de relação interssubjetiva que estivesse fora do âmbito do Direito, não demorou para responder: 'Oui, monsieur, l’amour’. E assim é, na verdade, pois o Direito não regula os sentimentos”.[3]
Mesmo se buscarmos respostas na religião, essas diferenças essenciais entre uma relação jurídica e uma relação amorosa tornar-se-ão igualmente nítidas. Na famosa parábola do Bom Samaritano, descrita no Evangelho de S. Lucas (X:30-37), Jesus fala do “amor ao próximo” e eis que um doutor da lei indaga-lhe: “E quem é meu próximo?” A resposta é assim fornecida:
“30. Prosseguindo Jesus, disse: Um homem descia de Jerusalém a Jericó, e caiu nas mãos de salteadores que, depois de o despirem e espancarem, se retiraram, deixando-o meio morto. 31. Por uma coincidência descia por aquele caminho um sacerdote; quando o viu, passou de largo. 32. Do mesmo modo também um levita, chegando ao lugar e vendo-o, passou de largo. 33. Um samaritano, porém, que ia de viagem, aproximou-se do homem e, vendo-o, teve compaixão dele. 34. Chegando-se, atou-lhe as feridas, deitando nelas azeite e vinho e, pondo-o sobre o seu animal, levou-o para uma hospedaria e tratou-o. 35. No dia seguinte tirou dois denários, deu-os ao hospedeiro e disse: Trata-o e quanto gastares de mais, na volta eu to pagarei. 36. Qual destes três te parece ter sido o próximo daquele que caiu nas mãos dos salteadores? 37. Respondeu o doutor da lei: Aquele que usou de misericórdia para com ele. Disse-lhe Jesus: Vai-te, e faze tu o mesmo”.
Até o momento em que o samaritano cuidou das feridas e levou o doente à hospedaria, ele nada mais fez do que cumprir uma obrigação jurídica. Lembram-se da gestão de negócios? Ou da omissão de socorro? Ao dizer ao estalajadeiro “trata-o”, o samaritano também não agiu por “amor”, mas obrigado pelas relações jurídicas estabelecidas pelo contato social. Mas, quando ele completou a frase, dizendo “e quanto gastares de mais, na volta eu to pagarei”, ali entrou a luz do amor ao próximo. Fez-se o marco divisor entre os dois planos. O Direito, como sempre, é envergonhado pela magnanimidade do amor. Assim tem de ser, porquanto se o amor se converte em obrigação, ele deixa de sê-lo.[4] A separação entre o amor e o Direito é tão importante quanto foi uma conquista histórica a distinção entre religião e Direito, a qual já se encontrava prevista na própria Bíblia (“Daí a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus” — Mateus XXII:21).
A utilização do amor no discurso jurídico (questão 2), considerada a distinção entre relações, nos termos já apresentados, é de ser também objeto de fortes restrições. A invocação do “amor” para se restringir prerrogativas jurídicas é absolutamente contrária ao Direito, dado que se, nas palavras de Cossio, o Direito é liberdade e as normas são violáveis. Ora, o que se dizer de um sentimento como o amor? Se convertido em obrigação ou dever, pode-se chegar ao extremo de “fabricar” o amor para se evadir dos deveres jurídicos a ele imputados.
Alguns “elementos parcelares” do altruísmo foram historicamente juridicizados e convertidos em obrigações (ou deveres). O seguro social (que é universal) constitui-se num exemplo dessa conversão da caridade e da filantropia para com os inválidos por exercício de atividades profissionais em um dever jurídico. Os alimentos são outro notório (e bem sucedido) modelo de juridicização (com as vênias pelo uso reiterado desse neologismo) de uma conduta que outrora se radicava no campo da moral. O direito real de habitação é um resquício dos tempos de Justiniano, quando se procurou resguardar as viúvas, casadas pelo regime dotal, que ficavam sem teto, abandonadas pela cupidez e pela avareza de seus filhos. A gestão de negócios e a omissão de socorro são exemplos já citados. O Código Civil é repleto de fósseis da “civilização dos costumes”, que se operou pelos séculos dos séculos, graças à experiência humana.
O século XXI assiste ao embate da juridicização do amor nas relações parentais, como se nota, v.g., com a teoria do abandono afetivo. E isso se dá, paradoxalmente, em paralelo com a irrelevância crescente do casamento como instituição jurídica, cada vez mais equiparado a um mero negócio jurídico, no qual os “deveres” amorosos (que não estão presentes no rol do art. 1.566 do Código Civil)[5] são tidos como questão de foro íntimo, al heia ao Direito. Tenta-se construir uma interessante (e rica) diferenciação entre afeto e amor. Se o amor pode não mais existir (ou nunca ter existido), o afeto é susceptível de exigibilidade e conversão em reparação pecuniária..
Os legisladores ocidentais, em sua maioria, têm fugido da associação do amor a um dever (ou obrigação, conforme o caso) jurídico. As contradições humanas, mesmo em pleno laicismo, fazem com que a busca pelo sublime se haja transferido de Deus para outros elementos metafísicos. Corre-se sério risco se essa “busca pelo amor” terminar por vulgarizá-lo, como hoje parece ser o caminho de outros conceitos tão displicentemente recitados nos discursos jurídicos.
[1] La. Ct. App. 1st 2010, citado em: LOVETT, John A. Love, Loyalty and the Louisiana Civil Code: Rules, Standards and Hybrid Discretion in a Mixed Jurisdiction (August 21, 2012). 72 Louisiana Law Review 923 (2012).
[2] Para maiores detalhes dessa visita à América Latina, que também se estendeu ao Uruguai e ao Brasil: DIAS TOFFOLI, José Antono; RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz. Hans Kelsen: o jurista e suas circunstâncias (Estudo introdutório à edição brasileira da “Autobiografia” de Hans Kelsen. In. KELSEN, Hans. Autobiografia de Hans Kelsen. Tradução de Gabriel Nogueira Dias e José Ignácio Coelho Mendes Neto. 4. ed. Rio de Janeiro :Forense, 2012. p. LIII e ss.
[3] Citação extraída do corpo do voto no REsp 148.897/MG, Rel. Ministro Ruy Rosado de Aguiar, Quarta Turma, julgado em 10/02/1998, DJ 06/04/1998, p. 132.
[4] Devo esse exemplo a Antonio Junqueira de Azevedo, titular de Direito Civil da Universidade de São Paulo, modelo de professor e de brasileiro, precocemente falecido em 2009, meu orientador no curso de doutorado.
[5] “Art. 1.566. São deveres de ambos os cônjuges: I - fidelidade recíproca; II - vida em comum, no domicílio conjugal; III - mútua assistência; IV - sustento, guarda e educação dos filhos; V - respeito e consideração mútuos”.
fonte:http://www.conjur.com.br/2012-dez-27/direito-comparado-linhas-dividem-amor-direito-constituicoes
foto:senado.gov.br
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