Texto feito em 2010 para a disciplina Transformações no sistema de relações trabalhistas ministrada pela professora doutora Viridiana Diaz Aloy no curso de doutorado da Universidade de Buenos Aires (UBA). Nos próximos dias publicaremos a versão em espanhol deste texto.
Recentemente assisti o documentário “ABC da Greve” de 1978 realizado na região do ABC paulista pelo cineasta Leon Hirszman. O filme acompanha a greve dos metalúrgicos realizada na região e que ajudou a impulsionar o fim da ditadura no Brasil – foi a primeira paralisação da categoria durante o regime militar e mudou os rumos do sindicalismo no Brasil. Foi também o embrião do futuro PT, o Partido dos Trabalhadores do atual presidente do País, Luis Ignácio Lula da Silva. A principal reivindicação dos operários era a reposição salarial.
Desde então o Brasil passou por muitas transformações nestas três décadas. A ditadura militar chegou ao fim, o país passou por um processo de redemocratização e este ano os brasileiros irão eleger o sexto presidente de forma direta após o golpe dos militares em 1964. Os movimentos sindicais também mudaram, assim como as reivindicações dos trabalhadores, entre as quais está a redução da jornada de trabalho de 44 para 40 horas semanais.
Embora seja possível encontrar não poucos historiadores afirmando que a primeira grande conquista dos trabalhadores brasileiros foi a abolição da escravatura em 1888, basta uma observação mais atenta no processo histórico do trabalho no país para perceber que outros problemas foram criados a partir do fim da escravatura, não diminuindo, evidentemente, a significância do fato.
Com o fim do trabalho escravo a produção brasileira sofreu um abalo muito sério. Ninguém queria assumir as funções que anteriormente eram obrigações dos negros, por considerá-las indignas e por outro lado, muitos ex-escravos começaram a trabalhar na terra para outros grandes latifundiários que não tivessem sido seus donos e ainda a fazer trabalhos diários, buscando um serviço apenas quando precisavam de dinheiro.
Evidentemente que este momento da história brasileira não é um processo tão simplista assim e o assunto será retomado novamente ao longo desta monografia. Assim como as mudanças nas relações entre trabalhador e empregados que ocorreram durante o governo de Getúlio Vargas.
Assim que assumiu o Governo Provisório em 1930, Vargas criou o Ministério do Trabalho e a partir desta transformação social foram concedidos vários benefícios aos trabalhadores. Entre eles a Lei dos 2/3 – de proteção ao trabalhador brasileiro -, a Lei da Sindicalização, o regime de oito horas, salário igual para trabalho igual, licença maternidade e instituição da carteira profissional. Três anos depois, em 1933, foi regulamentado o direito de férias.
Em 1939, dois anos após a implantação do Estado Novo em 1937, Getúlio Vargas prosseguiu com sua política social e criou a Justiça do Trabalho e em 1º de maio de 1943 instituiu a Consolidação das Leis Trabalhistas, a CLT (Decreto-lei nº 5.452/43).
A CLT são normas legislativas referentes ao Direito do Trabalho e ao Direito Processual do Trabalho que há 57 anos regem as relações individuais e coletivas do trabalho no Brasil. Após a era Vargas poucas, embora de grande relevância, foram as conquistas dos trabalhadores. Entre elas a criação do Instituto Nacional de Previdência Social, o INPS, hoje INSS (Instituto Nacional de Seguro Social) e do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço), ambos durante o governo militar do general Castelo Branco.
A Constituição de 1988 estabeleceu o direito à 1/3 de acréscimo salarial nas férias e também a liberdade sindical, garantindo o direito de independência aos sindicatos em relação ao governo. Em 2007 o presidente Luis Ignácio Lula da Silva enviou à Câmara dos Deputados um projeto de lei que moderniza o texto da CLT, extinguindo 250 artigos considerados obsoletos e inserindo 51 novas profissões. O projeto de lei mantém todos os direitos e deveres previstos pela CLT. Mesmo assim é um assunto polêmico, evitado pelos políticos principalmente em anos eleitorais.
Com relação ao Direito do Trabalho, este surgiu no mundo a partir da Revolução Industrial no século XVIII, a qual impulsionou uma nova ordem econômica e social. Desde então o Direito do Trabalho tem absorvido (ou buscado) as mudanças na sociedade e se adaptado ao novo perfil do trabalhador mundial.
Ao longo desta monografia todos os aspectos citados nesta breve introdução serão abordados em profundidade para possibilitar um entendimento amplo sobre o tema e também para comprovar a tese proposta: a economia transforma as relações trabalhistas de forma contundente, ditando os rumos da sociedade e privando o trabalhador de direitos já conquistados. Juntamente com a política, desrespeita os direitos humanos mais básicos, colocando sempre como prioridade seus interesses de lucro e sua preservação no poder. Por isso, serão dedicados dois capítulos para tratar exclusivamente deste universo. Em um deles será feita uma análise da economia e política e no outro, uma avaliação minuciosa sobre o papel dos lobistas no Poder Legislativo (assim como em outros poderes), pressionando para que as decisões sejam sempre para beneficiá-los e quando isto não é possível da maneira que almejavam, buscam uma compensação (no presente ou mesmo para o futuro).
Também será apresentada a evolução histórica dos direitos do trabalhador no Brasil e em alguns países do mundo de maior relevância mundial. Assim trajetória dos sindicatos e das centrais sindicais no Brasil e em outros países será revista para possibilitar um entendimento mais detalhado sobre como se deram as lutas e conquistas dos trabalhadores. Ressaltando a proximidade (e não poucas vezes a subordinação) entre os líderes das organizações trabalhistas e o poder, com as conseqüências que esta relação produziu ao longo da história.
2.Histórico dos Direitos Trabalhistas
A Revolução Industrial e a Revolução Francesa, ambas ocorridas no século XVIII, marcam o inicio de uma nova ordem econômica e social mundial, sendo um marco do nascimento do Direito do Trabalho. A seguir, o surgimento e a evolução destes direitos em alguns países do mundo e no Brasil.
2.1. No mundo
A concepção do trabalho como uma pena a ser cumprida pelos indivíduos não é uma invenção atual nem surgiu com o capitalismo ou é fruto das Revoluções Burguesas. Nos textos bíblicos ele é considerado um castigo. Adão começa a trabalhar como punição por ter comido a maçã no paraíso. O trabalho coloca um fim em sua vida de prazeres. Porém, está não é uma afirmação defendida por todos. Barros (2010) reconta a origem do trabalho buscando elementos na história cristã da criação do mundo e dos seres humanos. Ela afirma[1]:
Sustenta-se que os primeiros trabalhos foram os da Criação. É o que se infere do Pentateuco, mais precisamente do livro do Gênesis, que narra a origem do mundo: “Deus acabou no sétimo dia a obra que tinha feito; e descansou...” (Gen. 2,2). O trabalho não tem aqui conotação de fatiga e o repouso é desprovido do sentido de recuperação de esforços gastos. Do mesmo livro Gênesis consta que “...o Senhor Deus tomou o homem e o colocou no paraíso de delícias para que o cultivasse e guardasse...” (Gen. 2:15). Verifica-se dessa passagem que, mesmo antes do pecado original, Adão já trabalhava. O trabalho é uma possibilidade de continuar a obra criadora de Deus.
No entanto, a própria palavra trabalho tem na sua origem, uma conotação de algo ruim. Ela vem do latim tripalium, que era o nome de um instrumento de tortura composto por três paus e também de uma canga que ficava em cima dos animais.
Além disso, a primeira forma de trabalho foi a escravidão. O trabalhador era propriedade do patrão sem nenhum direito, apenas o dever da servidão e obediência. Martins (2005) fala sobre o trabalho na Grécia[2]:
(...) Platão e Aristóteles entendiam que o trabalho tinha sentido pejorativo. Envolvia apenas a força física. A dignidade do homem consistia em participar dos negócios da cidade por meio da palavra. Os escravos faziam o trabalho duro, enquanto os outros poderiam ser livres. O trabalho não tinha o significado de realização pessoal. As necessidades da vida tinham características servis, sendo que os escravos é que deveriam desempenhá-las, ficando as atividades mais nobres destinadas ás outras pessoas, como a política.
Na Roma Antiga o trabalho também era uma atividade exclusiva dos escravos e encarado como algo desonroso. No entanto, era possível oferecer um trabalho em troca de pagamento. Ainda é Martins (2005) quem explica[3]:
A locatio conductio (...) estabelecia a organização do trabalho do homem livre. Era dividida em três forma: (a) locatio condutio rei, que era o arrendamento de alguma coisa; (b) locatio conductio operarum, em que eram locados serviços mediante pagamento; (c) locatio conductio operis, que era a entrega de uma obra ou resultado mediante pagamento.
No Feudalismo os servos substituíram os escravos, assumindo funções que anteriormente não eram designadas às outras categorias de indivíduos na sociedade. O trabalho neste período da História da humanidade era visto como um castigo. Os servos trabalhavam para os senhores feudais em troca de proteção militar e política, entregando aos nobres a maior parte da sua produção rural.
Neste mesmo momento surgem as corporações de ofício, composta pelos mestres, companheiros e pelos aprendizes. Os primeiros era os donos das oficinas, os companheiros eram funcionários assalariados dos mestres e os aprendizes estavam lá para aprender um ofício, não recebendo nenhuma remuneração e podendo até mesmo receber punições físicas dos mestres. Muitas vezes os pais dos aprendizes pagavam altas somas para garantir o aprendizado dos filhos. A jornada de trabalho nas oficinas podia chegar até 18 horas no verão.
As oficinas começaram a ser suprimidas em 1776, sendo definitivamente extintas a partir de 1791 com a Lei Le Chapelier que proibia o restabelecimento das corporações de ofício, de agrupamentos de profissionais e coalizões. Isto aconteceu logo após a Revolução Francesa, quando teve inicio a liberdade contratual.
Com o advento da Revolução Industrial o trabalho é transformado em emprego e os trabalhadores passam a receber um salário. Para o pensador alemão Karl Marx a Revolução Industrial integrou o conjunto das chamadas Revoluções Burguesas do século XVIII, juntamente com a Revolução Francesa e a Independência dos Estados Unidos da América, formando a base do capitalismo.
A Revolução Industrial aconteceu na Inglaterra na segunda metade do século XVIII, colocando um fim na transição entre o sistema feudal e o capitalismo e iniciando o processo de mecanização do trabalho. É um período de transformação e de evolução tecnológica. Até 1850 a Revolução Industrial esteve restrita a Inglaterra, sendo que após este período espalhou-se por vários países da Europa e de outros continentes como América e Ásia.
A Inglaterra reunia os quatro principais elementos que foram fundamentais para a ocorrência da Revolução Industrial: capital – em virtude das riquezas acumuladas com a conquista de mercados mundiais -; recursos naturais (a maioria proveniente das colônias inglesas); mercado e as mudanças agrícolas que aconteceram no país. Com a Revolução Industrial os trabalhadores perderam o controle do processo produtivo, não tendo mais a posse da matéria-prima nem do produto final. Passaram a controlar as máquinas e a depender de um patrão que ficava com todos os lucros da produção.
Explica Machado (2009)[4]:
Esse processo de industrialização, que submeteu os trabalhadores ao regime das fábricas, trouxe muitas transformações. Além de alterar o próprio ritmo de fabricação, conseguindo produzir mais mercadorias em menor tempo, a industrialização alterou a vida dos homens e forçou um rápido crescimento das cidades. Assim, na Inglaterra do século 18, os ricos haviam se apropriado dos campos para obter matérias-primas para suas fábricas. Nesse processo, eles cercaram suas terras e expulsaram a maioria dos camponeses, que foram para as cidades. Lá chegando, devido ao excesso de mão-de-obra, os trabalhadores acabaram tendo que se sujeitar ao regime desumano de trabalho das fábricas. Nesse período, recebiam salários baixíssimos. Além disso, crianças, mulheres, homens e idosos eram obrigados a cumprir jornadas de trabalho de até 18 horas.
Além das explorações nas fábricas têxteis, os trabalhadores, principalmente os ingleses sofriam frequentemente acidentes e adquiriam diversas doenças - como tuberculose, pneumonia e asma, em decorrência da inalação de poeira e dos gases – nas minas de carvão. Trabalhando em condições insalubres, muitos deles eram comprados e vendidos com seus filhos, assinando contratos vitalícios com seus empregadores e não raras vezes eram obrigados a pagar multas que consumiam todo seu salário, ficando endividados eternamente com seus patrões.
A situação do trabalhador era tão degradante que foi necessário uma intervenção do Estado, que passou a protegê-lo jurídica e economicamente. Em 1802 a Lei de Peel na Inglaterra limitou em 12 horas a jornada dos menores nas fábricas e proibiu que trabalhassem no turno da noite.
Em 1813 a França proibiu o trabalho de menores nas minas. Em 1819 o Parlamento inglês aprovou uma lei que tornou ilegal o emprego nas fábricas de menores de nove anos, o que aconteceu na França apenas vinte anos depois, em 1839, quando o país também adotou a jornada de 10 horas para menores de 16 anos. Martins esclarece a situação do trabalhador naquele período da história[5]:
O Estado estava atuando para a manutenção da ordem pública. Não intervinha nas relações privadas. Acarretava a exploração do homem pelo próprio homem. O trabalho era considerado mercadoria. Como havia muita oferta de trabalhadores e pouca procura, o empregado aceitava as condições impostas pelo patrão, recebendo salários ínfimos e trabalhando 15 horas por dia, sem descanso ou férias.
E sobre o Direito do Trabalho[6]:
É interessante lembrar que, em seus primórdios, o Direito do Trabalho foi confundido com a política social. Estudavam-no cientistas sociais e outras pessoas que mais poderiam ser chamadas de revolucionários, tanto oriundos das faculdades, como dos parlamentos. Não havia diferença clara, até por falta de suficiente elaboração científica, entre os dois ramos do conhecimento. Os reformadores foram sendo, pouco a pouco, substituídos pelos juristas, voltados para o estudo da própria norma.
A história do Direito do Trabalho identifica-se com a história da subordinação, do trabalho subordinado. Verifica-se que a preocupação maior é com a proteção do hipossuficiente e com o emprego típico.
Após o final da Primeira Guerra mundial começam a ser incluídas nas constituições federais algumas normas garantindo determinados direitos sociais, inclusive o Direito do Trabalho. A Constituição mexicana de 1917 foi a primeira que tratou do tema. Em seu art. 123 (Anexo A) ela reconhece o direito de sindicalização e de greve, proteção contra acidentes do trabalho, proíbe o trabalho de menores de 12 anos, estabelece a jornada de oito horas para adultos e de seis para menores de 16 anos, além do descanso semanal, proteção à maternidade, salário mínimo, indenização de dispensa e seguro social. Segundo Barros (2008)[7]:
A Constituição mexicana de 1917 foi de tal forma pioneira, que influenciou a maior parte de todas as constituições, que incluíram, após a 1ª Guerra Mundial, em seus dispositivos temas referentes aos novos direitos sociais e econômicos, ao lado das liberdades, garantias e direitos individuais.
Além da Constituição mexicana de 1917, surge, em 1919, a Constituição alemã de Weimar. Servindo de modelo para as constituições de todo o Ocidente, com essas duas constituições inicia-se uma nova etapa no trato da questão social.
Estas duas constituições abriram caminho para a constitucionalização dos direitos trabalhistas.
Ainda em 1919 surge o Tratado de Versalhes - pacto de paz assinado pelas potências européias encerrando oficialmente a Primeira Guerra Mundial – que cria duas organizações mundiais: a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Sociedade das Nações ou Liga das Nações, que tinha entre seus objetivos a promoção da justiça e o respeito pelos direitos internacionais.
A OIT (Anexo B) foi criada para proteger as relações trabalhistas entre patrão e empregado a nível internacional. Ainda de acordo com Barros (2008)[8]:
Para alcançar esses objetivos, a OIT procura combinar ação normativa, criação de organizações e formulação de políticas públicas que possibilitem, dentre outros:
a) proteção adequada à vida e saúde do trabalhador em todas as ocupações, extensiva a todos aqueles que necessitem dessa proteção;
b) proteção à formação profissional;
c) proteção à transferência de trabalhadores, aí incluída a migração de mão-de-obra;
d) salários adequados às necessidades do trabalhador e de sua família, com garantia de alimentação, habitação, lazer e cultura;
e) garantia de iguais oportunidades profissionais e educativas.
Em 1927 surge na Itália a Carta del Lavoro ou Código do Trabalho, um sistema corporativista elaborado pelo Partido Nacional Fascista de Benito Mussolini que inspirou o modelo político de vários países como Portugal, Espanha e Brasil. A carta determinava que todos deveriam seguir as orientações e o interesse do Estado. Como afirmava Mussolini: Tutto nello Stato, niente contro lo Stato, nulla al di fuori dello Stato. Ou seja “tudo no Estado, nada contra o Estado, nada fora do Estado”.
Nem mesmo a Liga das Nações conseguiu evitar a Segunda Guerra Mundial. Assim, as nações que combatiam o nazi-fascismo e almejavam a manutenção da paz mundial se uniram para criar em 1945, logo após o término da guerra, a Organização das Nações Unidas (ONU). Três anos depois, em 10 de dezembro de 1948 a Assembléia Geral das Nações Unidas aprovou uma nova Declaração Universal dos Direitos Humanos. Quanto aos direitos dos trabalhadores a declaração prevê férias periódicas, direito ao repouso e ao lazer etc. Em seu art. 22 afirma que[9]:
Todo homem, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à realização, pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, aos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento de sua personalidade.
Em 1966 os Estados membros da ONU assinam o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que em seu art. 7º diz que[10]:
1. Os Estados Partes no presente Pacto comprometem-se a assegurar:
2.
a. O direito de todas as pessoas de formarem sindicados e de se filiarem no sindicato da sua escolha, sujeito somente ao regulamento da organização interessada, com vista a favorecer e proteger os seus interesses económicos e sociais. O exercício deste direito não pode ser objecto de restrições, a não ser daquelas previstas na lei e que sejam necessárias numa sociedade democrática, no interesse da segurança nacional ou da ordem pública, ou para proteger os direitos e as liberdades de outrem;
b. O direito dos sindicatos de formar federações ou confederações nacionais e o direito destas de formarem ou de se filiarem às organizações sindicais internacionais;
c. O direito dos sindicatos de exercer livremente a sua actividade, sem outras limitações além das previstas na lei e que sejam necessárias numa sociedade democrática, no interesse da segurança social ou da ordem pública ou para proteger os direitos e as liberdades de outrem;
d. O direito de greve, sempre que exercido em conformidade com as leis de cada país.
3. O presente artigo não impede que o exercício desses direitos seja submetido a restrições legais pelos membros das forças armadas, da polícia ou pelas autoridades da administração pública.
4. Nenhuma disposição do presente artigo autoriza os Estados Partes na Convenção de 1948 da Organização Internacional do Trabalho, relativa à liberdade sindical e à protecção do direito sindical, a adoptar medidas legislativas, que prejudiquem -- ou a aplicar a lei de modo a prejudicar -- as garantias previstas na dita Convenção.
No entanto, os mecanismos jurídicos e sociais criados para proteger o trabalhador – incluindo aí tanto as organizações e pactos internacionais quanto os direitos constitucionais e a legislação de cada país - nem sempre conseguem atingir seu objetivo no mundo contemporâneo. Interesses econômicos e políticos interferem e influenciam na manutenção destes direitos adquiridos. Ou suspendendo-os ou manipulando-os por meio de pressões que obrigam o próprio trabalhador a abrir mão deles.
Uma das razões está no sistema neoliberal que rege o mercado mundial e que apregoa que tanto a contratação de empregados quanto o salário (assim como outros direitos) que irão receber deve obedecer a lei de mercado, da oferta e da procura. Além disso, que não deve haver intervenção do Estado nestas relações de trabalho nem sobre a economia ou apenas em alguns setores imprescindíveis e de forma mínima.
Para exemplificar com algumas ações de governos neoliberais mais extremados é importante citar dois. O primeiro governo a se inspirar (e seguir) nos princípios neoliberais foi o do ditador Augusto Pinochet, no Chile (inicio dos anos 1970) e o de Margaret Thatcher (anos 1980) na Inglaterra. Durante seu governo, Thatcher acabou com o salário mínimo, combateu fortemente os sindicatos e reduziu as ações de bem-estar social.
Já Pinochet, não só reprimiu violentamente todas as manifestações dos trabalhadores como também suspendeu muitos benefícios. Como revela José Cademartori, último ministro de Economia do governo de Salvador Allende, que foi deposto pelo golpe militar de Pinochet[11]:
Quando os militares esgotaram o furor repressivo, se deram conta de que não haviam conseguido quebrar a representatividade dos sindicatos. Então, passaram a adotar o modelo do sindicalismo amarelo [peleguismo] estadunidense enquanto instituíam várias leis que anulavam os direitos de organização sindical. Quem mais danos provocou foi o aparelhamento do sindicalismo amarelo nas principais fábricas, ao ponto que, em uma unidade, havia três ou quatro sindicatos, e mais uma série de associações que, aparentemente, travavam lutas entre elas, mas, na verdade, tinham por objetivo a desarticulação dos sindicatos históricos de esquerda, além de confundir as mobilizações das bases operárias.
Por exemplo, o governo militar introduziu tantas normas burocráticas que era praticamente impossível promover a negociação coletiva de uma categoria na própria fábrica. Às vezes, os operários renunciavam a oficializar a abertura de uma negociação em função das exigências burocráticas.
Por exemplo, o governo militar introduziu tantas normas burocráticas que era praticamente impossível promover a negociação coletiva de uma categoria na própria fábrica. Às vezes, os operários renunciavam a oficializar a abertura de uma negociação em função das exigências burocráticas.
Na atualidade as relações entre patrão e empregado, assim como os direitos trabalhistas e a posição do Estado frente a estas relações passam por reformulações para melhor atender as novas necessidades da sociedade contemporânea.
A seguir, a história do direito trabalhista no Brasil.
2.2. No Brasil
Ao iniciar a apresentação da evolução histórica do Direito do Trabalho no Brasil é preciso começar com a Constituição de 1824, a primeira Carta Magna do Brasil. Foi outorgada por D. Pedro I após a dissolução da Assembléia Constituinte de 1823. Com relação ao trabalho, apenas abolia as corporações de ofício (art. 179, XXV), entendendo que deveria haver liberdade para o exercício das profissões no País.
Em seguida, são aprovadas as leis contra a escravidão no Brasil e consequentemente, contra o trabalho escravo. A primeira delas foi a Lei do Ventre Livre, segundo a qual, a partir de 1871, os filhos de escravos nasceriam livres. Em 1885 foi aprovada a Lei Saraiva-Cotegipe ou Lei dos Sexagenários, tornando livre os escravos que tivessem mais de 60 anos. E em 1888 a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea (Lei nº 3.353) que abolia a escravatura no Brasil.
A Constituição de 1891 foi influenciada pela Constituição dos Estados Unidos da América e vigorou durante toda a República Velha, sofrendo uma alteração apenas em 1927. Em seu § 8º do art. 72 determinava que era lícita a associação e reunião, livre e sem armas, ficando a polícia proibida de intervir, a não ser que fosse para garantir a manutenção da ordem pública. Ainda sobre o Direito, a Constituição de 1891 assegurava aos acusados um amplo direito de defesa, foram abolidos os banimentos judiciais e de morte, instituído o habeas-corpus e as garantias de magistratura aos juízes federais[12].
Antes do inicio da política trabalhista implantada durante o governo de Getúlio Vargas nos anos 1930 foram aprovadas algumas leis ordinárias que versavam sobre o trabalho. Entre elas a de 1891 que tratava do trabalho de menores e as de 1903 e 1907 sobre a organização de sindicatos rurais e urbanos, respectivamente. Em 1922 foi criada em São Paulo a primeira instituição para conciliar as lides trabalhistas, os Tribunais Regionais, embora no início não tenha surtido os efeitos esperados.
Com a criação em 1930 do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio foram expedidos vários decretos sobre profissões especificas, o trabalho feminino, salário mínimo e Justiça do Trabalho, entre outros. Em 1932 foram criadas as Juntas de Conciliação e Julgamento e também as Comissões Mistas de Conciliação, para intermediar os conflitos de ordem trabalhista.
A terceira Constituição do Brasil, de 1934, é a primeira que trata das questões trabalhistas, sendo considerada muito progressista neste aspecto. Assegurava a liberdade sindical, isonomia salarial, salário mínimo, estabelecia a jornada de oito horas, repouso semanal, proteção do trabalho das mulheres e menores, além de férias remuneradas. Diretamente influenciada pelo constitucionalismo social que surgiu na Europa logo após o término da Primeira Guerra Mundial, foi a que menos durou em toda a história do Brasil, vigorando oficialmente apenas durante um ano, tendo sido suspensa pela Lei de Segurança Nacional[13].
A Constituição seguinte, de 1937, foi outorgada por Getúlio Vargas no mesmo dia em que instaurou a ditadura do Estado Novo (10 de novembro de 1937). Influenciada pela Carta del Lavoro (documento elaborado pelo partido fascista italiano) e pela autoritária Constituição da Polônia. Com esta constituição Vargas implantou um regime autoritário de inspiração fascista que durou até o final da Segunda Guerra Mundial De acordo com Martins (2008)[14]:
A Constituição de 1937 instituiu o sindicato único, imposto por lei, vinculado ao Estado, exercendo funções delegadas de poder público, podendo haver intervenção estatal direta em suas atribuições. Foi criado o imposto sindical, como uma forma de submissão das entidades de classe ao Estado, pois este participava do produto de sua arrecadação. Estabeleceu-se a competência normativa dos tribunais do trabalho, que tinha por objetivo principal evitar o entendimento direto entre trabalhadores e empregadores. A greve e o lockout foram considerados recursos anti-sociais, nocivos ao trabalho e ao capital e incompatíveis com os interesses da produção nacional.
Em 1939, dois anos após a implantação do Estado Novo em 1937, Getúlio Vargas criou a Justiça do Trabalho e em 1º de maio de 1943 instituiu a Consolidação das Leis Trabalhistas, a CLT. A CLT reunia todas as leis esparsas sobre o trabalho que existiam na época, consolidando-as. Ou seja, são normas legislativas referentes ao Direito do Trabalho e ao Direito Processual do Trabalho que há 57 anos regem as relações individuais e coletivas do trabalho no Brasil.
Com o fim do Estado Novo e a saída de Vargas do poder em 1945 foram realizadas eleições para a Assembléia Nacional Constituinte – juntamente com a eleição presidencial – e seus membros elaboraram uma nova Carta Magna que passou a vigorar em setembro de 1946. A Constituição de 1946 rompe com o corporativismo fascista de sua antecessora e prevê a participação dos trabalhadores nos lucros das empresas, repouso semanal remunerado, estabilidade, direito de greve, entre outros direitos. Foi a primeira constituição a possuir uma bancada comunista no seu processo constituinte – que caiu seis meses depois da sua promulgação.
Em 1964 ocorre o Golpe Militar – durante o governo do presidente João Goulart - e a partir daí a Constituição de 1946 sofre várias ementas que a descaracterizam. Foi suspensa por seis meses pelo Ato Institucional nº 1 e depois, seguindo a proposta do Ato Institucional nº 4, foi substituida pela Constituição de 1967. Entre suas principais medidas vale destacar que concentrou no Executivo a maior parte do poder de decisão, estabeleceu a pena de morte para crimes de segurança nacional, restringiu ao trabalhador o direito de greve, ampliou a Justiça Militar e abriu espaço para a decretação posterior de leis de censura e banimento.
Dois anos depois, em 1969, a Constituição de 67 recebeu a Emenda Constitucional nº 1, decretada pelos militares e considerada por muitos especialistas como uma nova Constituição. A Emenda Constitucional intensificou a concentração do poder no Executivo – dominado pelo Exército. Além disso, decretou a Lei de Segurança Nacional, restringindo de forma severa as liberdades civis e a Lei de Imprensa, que estabeleceu a Censura Federal, vigorando até o governo de José Sarney.
A sétima Carta Magna brasileira (Anexo C)– considerada uma obra-prima do direito constitucional - foi outorgada em 1988, após o fim da ditadura militar e durante o processo de redemocratização do país. Segundo Martins (2008)[15]:
Em 5-10-1988, foi aprovada a atual Constituição, que trata de direitos trabalhistas nos arts. 7º a 11. Na Norma Magna, os direitos trabalhistas foram incluídos no Capítulo II, “Dos Direitos Sociais”, do Título II, “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, ao passo que nas Constituições anteriores os direitos trabalhistas sempre eram inseridos no âmbito da ordem econômica e social. Para alguns autores, o art. 7º da Lei Maior vem a ser uma verdadeira CLT, tanto os direitos trabalhistas nele albergados.
Trata o art. 7º da Constituição de direitos individuais e tutelares do trabalho. O art. 8º versa sobre o sindicato e suas relações. O art. 9º especifica regras sobre a greve. O art. 10º determina a disposição sobre a participação dos trabalhadores em colegiados. Menciona o art. 11 que nas empresas com mais de 200 empregados é assegurada a eleição de um representante dos trabalhadores para entendimentos com o empregador.
De lá até hoje, 2010, os trabalhadores ainda são dependentes dos políticos para que aprovem leis que ampliem seus direitos e dos patrões que não só reconheçam estes direitos constitucionais como respeitem estas conquistas. E também dependem dos seus sindicatos e das centrais sindicais, da postura adotada por estas organizações frente as reivindicações trabalhistas, a qual tem uma relação direta com suas relações com o poder público em todas as suas esferas. Estas relações, assim como a origem dos sindicatos no Brasil e no mundo é o tema do próximo capítulo.
3. Os sindicatos e as centrais sindicais
O papel dos sindicatos, assim como das centrais sindicais, ganhou relevância ao longo do percurso da história trabalhista. No entanto, como será demonstrado a seguir, nem sempre o trabalhador pode contar com a solidariedade destas organizações. Não são raras as vezes em que houve (e continua ocorrendo) omissão com relação a indisponibilidade dos direitos do trabalhador.
3.1. A trajetória no mundo
A palavra sindicato é de origem latina, syndicus, que por sua vez vem do grego sundikós, que designava um advogado, bem como o funcionário que costumava auxiliar nos julgamentos. A sua origem remonta as corporações de ofício da Idade Média.
A partir da Revolução Industrial o trabalho que já tinha sido considerado uma desonra e depois um castigo, passou a ser uma mercadoria. E a força de trabalho um bem sobre o qual o patrão tinha amplos e irrestritos poderes.
Os trabalhadores ingleses reagiram a esta situação e dois movimentos operários merecem destaque. O Movimento Ludista, que emprestou o nome de um de seus líderes, Ned Ludlan, e o Movimento Cartista. O primeiro surgiu em 1811 e caracterizou-se por atos mais radicais, como a invasão das fábricas e destruição de máquinas, as quais para eles eram as responsáveis pelas perdas dos seus postos de trabalho. Os ludistas foram violentamente reprimidos e seus membros foram presos, deportados ou levados à forca.
Já o Movimento Cartista, de 1837 a 1841, surgiu da Associação dos Operários e tinha mais consciência política e de classe, destacando-se por sua organização e pela conquista de diversos direitos para os trabalhadores. Lutavam pelos seus direitos políticos como o voto (embora apenas para os homens), o fim da exigência de propriedade para se integrar ao Parlamento e pelo fim do voto censitário (a concessão do direito do voto apenas para os cidadãos que atendiam determinados critérios econômicos).
Em 1824 o Parlamento inglês aprovou uma lei reconhecendo o direito de associação – até então um privilégio dos nobres e abastados. Surgem então os trade-unions, considerados os primeiros sindicatos, que tinham como principal meio de luta as greves. Os trades-unions fixavam salários por categoria de trabalhadores e ajudavam os operários em greve ou desempregados por meio das Caixas de Resistências, o que fortalecia a capacidade de resistência nas lutas.
Logo em seguida surgiram as Federações que agrupavam as várias categorias de uma região e em 1830 a Associação Nacional para a Proteção do Trabalho, que passou a atuar como uma central sindical inglesa. Reuniu na época aproximadamente 100 mil membros.
Segundo Borges (2006)[16]:
Outra forma de luta que será utilizada na infância da classe operária, será o boicote – palavra deriva do nome de um oficial inglês encarregado de administrar os negócios do conde Erne na Irlanda, Sir Boycott, conhecido por seus métodos truculentos no tratamento com os empregados. A sabotagem também será usada nesse período como mecanismo de luta dos trabalhadores por seus direitos. O termo tem origem francesa e significa "tamanco". Os operários franceses usavam esse tipo de calçado para danificar as máquinas, emperrando a produção.
Em 1888 o Comitê Parlamentar das TUC (Trade Unions Congress) – Britânica realizou em Londres a 1ª Conferência Internacional de Sindicatos Operários, reunindo 123 participantes, sendo 79 ingleses (representando mais de 800 mil operários britânicos) e 44 estrangeiros (representando quase 300 mil operários de outros países). Enquanto esta primeira conferência não conseguiu decidir se a redução da jornada de trabalho provocaria uma diminuição da produção, frustrando seus participantes, a 2ª Conferência Internacional em 1889 foi um marco no aparecimento das correntes sindicais internacionais e na divisão entre as lutas políticas e sindicais.
Nos Estados Unidos da América o sindicalismo surgiu por volta de 1827 e em 1886 foi criada a Federação Americana do Trabalho, contrária a toda e qualquer reforma da sociedade e que defendia um sindicato sem vínculos políticos e de resultados. Com relação ao movimento sindical norte-americano, vale dizer que o 1º de maio, Dia Internacional do Trabalho, foi criado para homenagear os operários da cidade de Chicago que participaram de uma greve geral em 1886. Eles protestaram contra as condições desumanas de trabalho e também pela redução da jornada de trabalho de 13 para 8 horas. A manifestação foi duramente reprimida. Muitos foram presos, ficaram feridos e até morreram no confronto com a polícia. A greve dos operários de Chicago não foi um movimento isolado, fez parte de uma série de movimentos que aconteceram no mundo no final do século XIX e que mudaram as relações trabalhistas.
3.2. Na Argentina
A primeira organização operária argentina foi a Sociedade Tipográfica Bonarense, criada em 1857 em Buenos Aires. O primeiro sindicato, também dos tipógrafos, aparece em 1878 e no ano seguinte declara uma greve contra a redução de salários e pela redução da jornada de trabalho, obtendo sucesso nas reivindicações.
Em 1890 durante a manifestação de 1º de maio em Buenos Aires e outras cidades argentinas foi aprovada a organização da Federação Operaria – o que aconteceu dois meses depois com a criação da Federação dos Trabalhadores da Região Argentina, a primeira central operária da América Latina.
Também foram aprovados 12 pontos chamados de “leis protetoras da classe operária” e enviados ao Congresso Nacional. Estas leis são a base para o futuro Direito do Trabalho argentino. Entre os 12 itens está a jornada de 8 horas, a proibição do trabalho dos menores de 14 anos, abolição do trabalho noturno para mulheres e menores de 18 anos; descanso não interrompido para todos os trabalhadores de 36 horas semanais; inspeção das oficinas e fábricas por delegados remunerados pelo Estado; seguro obrigatório para os operários contra os acidentes a cargo exclusivo dos empresários e do Estado e ainda a criação de tribunais integrados por operários e patrões para a solução de conflitos entre as partes. Estas leis só começaram a ser consideradas no Parlamento quando em 1904 foi eleito o deputado socialista Alfredo Palácios[17].
Em 1901 um grupo de sindicatos socialistas e anarquistas criam a Federação Operária Argentina (FOA). Mas esta união não dura muito tempo. Em 1903 sindicatos socialistas criam a União Geral dos Trabalhadores, a CGT, e em 1904, os anarquistas a Federação Operária Regional Argentina (FORA). Cinco anos depois a UGT é dissolvida e formada a Confederação Operária Regional Argentina (CORA), que marca o nascimento de uma nova corrente sindical na Argentina: o sindicalismo revolucionário, que pregava a desvinculação dos sindicatos aos partidos políticos.
Em 1916 é eleito o presidente Hipólito Yrigoyen da União Cívica Radical, a UCR, e ao mesmo tempo os socialistas conseguem eleger 20 deputados para o Congresso, sendo alguns deles dirigentes sindicais. O que garante um impulso a legislação trabalhista, aprovando entre muitas leis, a jornada de 8 horas.
Ainda durante o governo de Yrigoyen acontece a chamada Semana Trágica, um dos fatos mais marcantes do movimento operário argentino. Um policial é morto durante a greve na Oficinas Metalúrgicas Vasena, desencadeando o assassinato de quatro operários. A FORA declara greve geral e ocorre uma violenta repressão que termina com cerca de 800 trabalhadores mortos e mais de 50 mil presos, marcando o fracasso do modelo de confrontação revolucionário pregado por esta federação.
Em 1922 é criada uma nova central, a União Sindical Argentina (USA) e extinta a FORA. Em 1926, a Confederação Operária Argentina (COA), que organiza a federação por ramo de atividade. Quatro anos depois o presidente Yrigoyen é destituído do poder por um golpe militar encabeçado por José Félix Uriburu. Este golpe abre uma sequencia de golpes militares e de violação dos direitos humanos que só chegará definitivamente ao fim na Argentina em 1983. O golpe militar de 1930 não é denunciado pelo movimento sindical do período.
O peronismo, de 1943 a 1955, reconfigura o movimento sindical argentino e o atrela ainda mais ao poder político. O movimento operário foi considerado a coluna vertebral do Partido Justicialista, coalização que elegeu Juan Péron. Neste período a Central Geral do Trabalho (CGT), já unificada, ganhou muito poder. Passou de 80 mil filiados em 1943 para 4 milhões em 1955. Seus membros participavam das reniões de gabinete e seus deputados (do ramo sindical), atuavam em bloco. Neste período foi sancionada a Lei 14.250 (de Convênios Colectivos de Trabalho) que ratificava o papel central dos sindicatos, estabelecendo a aplicação dos convênios coletivos a filiados e não filiados.
Em 1945 Péron é preso e os militares assumem o governo. Enquanto este ato é recebido com alegria pela classes médias e altas da Argentina, o proletariado se revolta e a CGT convoca uma greve geral - considerada a mais importante manifestação operária da história argentina - , reunindo milhares de pessoas que exigem que Péron seja libertado, o que acontece na mesma noite. Quatro meses depois são realizadas eleições no país e Péron é eleito com o apoio do recém-criado Partido Laborista, que reúne um grande número de sindicatos.
Quatro anos mais tarde a Argentina ganha uma nova Constituição, a qual será derrubada em 1955 pelo golpe militar, a qual incorpora, pela primeira vez na Carta Magna argentina os direitos do trabalhador. São 10: direito de trabalhar, direito a uma retribuição justa, direito à capacitação, a condições dignas de trabalho, à preservação da saúde, ao bem-estar, à segurança social, à proteção de sua família, ao melhoramento economico e à defesa dos seus interesses profissionais. Não consta o direito de greve.
Em 1955 um novo golpe militar derruba Péron do poder e intervem na CGT e em todos os sindicatos que apoiavam o presidente. Os militares adotam a política de enfraquecer as organizações sindicais fragmentando e dividindo o movimento operário. Doze anos depois a UCR volta ao governo com Arturo Illia, mas não fica no poder por muito tempo. Ocorre um golpe militar em 1966. Com a diferença que desta vez não foi para implantar um governo provisório, mas uma ditadura militar definitiva.
Começa então um período de extrema violência e repressão na Argentina. De 1966 a 1973 foram assassinados, entre tantos outros, o secretário geral da União Operária Metalúrgia o secretário geral da CGT. A incoerência é que muitos dirigentes sindicais tenham mostrado simpatia pelo novo governo militar.
O peronismo volta ao poder em 1973 com o presidente Cámpora que logo em seguida renuncia e nas eleições seguidas Péron volta ao poder com o maior número de votos da história eleitoral argentina. Em seu governo foi sancionada a Lei nº 20.744 (Lei de Contrato de Trabalho) e aprovada uma nova Lei de Associações Profissionais, a qual permitia a atuação política dos sindicatos. Com a morte de Péron um ano depois, assume sua mulher María Estela, anulando os convênios coletivos, tendo como resposta da CGT uma greve de 48 horas e uma grande mobilização. Estas ações obrigaram o governo a voltar atrás.
Mais um golpe militar. Em 1976 os militares assumem o poder. Entre 15 e 30 mil pessoas “desapareceram” na Argentina de 1976 e 1983. Quase todos os sindicatos sofreram intervenção, a CGT foi disssolvida e a greve era dita como atividade criminosa com pena de 6 anos para os trabalhadores que participassem de uma e de 10 para quem fosse o organizador. Alguns trabalhadores foram fuzilados quando entraram em greve.
Em outubro de 1983, dois meses antes dos militares deixarem o poder, as unidades sindicais argentinas voltaram a ter unidade com o restabelecimento da CGT. Quase 4 milhões de trabalhadores argentinas estão sindicalizados neste periodo, representando 56% dos assalariados do país.
3.3. A evolução no Brasil
As organizações trabalhistas começam a surgir no Brasil entre o final do século XIX e o começo do século XX, resultado do impulso que recebe a industrialização no país a partir de 1850. No início do século XX mais de 300 mil pessoas estavam envolvidas de forma direta ou indireta com a produção industrial e a maioria imigrantes de várias partes do mundo, principalmente italianos. Eles trouxeram para cá suas experiências trabalhistas, dando os primeiros passos para a criação dos sindicatos. Especialmente em São Paulo , onde se concentrava o maior número de indústrias.
Os operários trabalhavam entre 12 e 15 horas por dia, sem direito ao descanso semanal ou nos feriados, recebiam salários muito baixos e não tinham nenhum contrato de trabalho, podendo ser demitidos a qualquer momento. Além disso, os patrões não se responsabilizam por doenças ou acidentes de trabalho e ainda ameaçavam os funcionários com castigos e multas.
As primeiras formas de organização dos operários foram as associações de socorro mútuo, que mantinham obras assistenciais para ajudar os trabalhadores com seus problemas de saúde e de acidente de trabalho.
Uma das primeiras lutas operárias organizadas no Brasil aconteceu em 1858 no Rio de Janeiro. Os tipógrafos da cidade entraram em greve por aumento salarial. Em 1906 aconteceu, também no Rio de Janeiro, o 1º Congresso Operário Brasileiro, com a presença de vários sindicatos, federações, ligas e uniões operárias. Neste congresso foi criada a primeira entidade operária nacional, a Confederação Operária Brasileira (COB). A reação do governo e dos patrões veio no ano seguinte: 132 sindicalistas foram expulsos do Brasil.
Neste período embrionário da organização dos trabalhadores a ideologia anarquista – trazido pelos imigrantes, especialmente os italianos e espanhóis – influenciou muito o movimento. Ou seja, no Brasil como em outros países, as correntes políticas sempre influenciaram os movimentos sindicais.
O anarquismo surgiu na Europa no final no século XVIII e inicio do século XIX quando ocorre uma ascensão do movimento operário. Pregava a extinção do Estado, o fim da propriedade privada dos meios de produção, a organização autônoma dos trabalhadores em seus locais de trabalho e a igualdade social[18]:
Os anarquistas organizaram a maior greve no Brasil na primeira metade do século XX, em 1917. A paralisação começou no setor têxtil, atingindo em seguida os trabalhadores das áreas portuárias e do interior do país. Houve adesão de cerca de 50 mil trabalhadores e São Paulo parou. Entre as reivindicações estavam o aumento salarial, proibição do trabalho infantil, jornada de 8 horas, garantia do emprego e o direito de associação.
A greve foi violentamente reprimida pelo governo – inclusive com a morte do sapateiro Antonio Martinez -, mas mesmo assim o governo foi obrigado a negociar com os operários e atendeu as principais reivindicações dos grevistas. Dois anos depois, em 1919, um dos líderes da União Operária Constantino Castelani foi morto por policiais quando discursava em frente a uma fábrica.
Com o triunfo da Revolução Soviética os comunistas também ganham mais prestígio com os trabalhadores, principalmente após a fundação, em 1922, do Partido Comunista Brasileiro. Assim, os anarquistas deixaram de ter hegemonia no movimento trabalhista do país.
A revolução de Getúlio Vargas (1930) inicia um processo de modernização e industrialização. Em seu governo, Vargas criou o Ministério do Trabalho, a Justiça do Trabalho e a CLT, a Consolidação das Leis Trabalhistas. Ao mesmo tempo, criou uma estrutura sindical corporativista, atrelando-o ao governo e destruindo suas bases políticas e sociais. Foi neste período que surge o termo “pelego” para designar sindicatos oficiais, muito mais próximos do governo do que da classe trabalhadora.
Pelego é o nome da manta que se coloca entre o cavalo e a sela de montar. Os sindicalistas pelegos são aqueles que como a sela, amortecem os choques entre patrões e a classe trabalhadora.
No entanto, mesmo diante deste panorama, alguns sindicatos combatentes resistiram as pressões e conseguiram importantes vitórias. Entre elas a Lei de Férias, o descanso semanal remunerado e a jornada de oito horas.
De 1940 a 1953 o número de operários dobra no Brasil, chegando a 1,5 milhão. As greves aumentaram na mesma proporção e as intervenções nos sindicatos também – apenas em 1947 foram mais de 400 intervenções e em 1954, 800 greves. Os trabalhares rurais começaram a mobilizar-se em 1955, com a criação da primeira Liga Camponesa e em 1956 com a União dos Trabalhadores Agrícolas do Brasil.
Com o golpe de 1964 as ocupações militares e as intervenções sindicais atingiram aproximadamente 2 mil entidades em todo Brasil. Os líderes sindicais foram cassados, presos e exilados. A aprovação da Lei Anti-greve (nº 4.330), os assassinatos, tortura e a censura, colocou um fim nas organizações e manifestações dos trabalhadores (e de qualquer setor da sociedade no período).
Mas não foi o suficiente para matar de forma definitiva o sindicalismo brasileiro. A partir de 1970 surge um novo movimento que retoma as comissões de fábrica, principalmente na região do ABCD paulista - composto pelas cidades de Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul e Diadema). É nesta época que o presidente do Brasil, Luiz Ignácio Lula da Silva, surge como liderança sindical, em São Bernardo do Campo.
Neste ponto, esta monografia retoma ao primeiro parágrafo da introdução, quando é citada a greve de 1978 do ABCD, que desafiou a ditadura e começou uma luta que contagiou todo o País, incentivando as manifestações em defesa da liberdade e pela volta da democracia e pela anistia.
O ápice destas lutas foi a campanha das Diretas Já, pelo retorno das eleições diretas. Nos anos 1980 é fundado o Partido dos Trabalhadores, o PT e em 1984 o 1º Congresso Nacional da Central Única dos Trabalhadores (CUT) – já na fase de redemocratização do Brasil -, com mais de 5 mil delegados eleitos em assembléias sindicais de todo o país.
Com relação aos novos rumos do sindicalismo é interessante reproduzir o que afirma Alves (2002)[19]:
De certo modo, o maior desafio do sindicalismo no Brasil na virada para o século XXI é romper com o viés burocrático-corporativo, organizar e mobilizar um contingente maciço de jovens operários e operárias, empregados e empregadas e, inclusive, trabalhadores por conta própria precarizados, explorados pelo capital. Em decorrência da crise do sindicalismo, que possui um componente estrutural (os limites do sindicalismo diante da nova lógica de acumulação capitalista), a capacidade de agitação sindical no sentido de sua inserção nas lutas sociais tornou-se bastante exígua (o próprio viés neocorporativo contribuiu para seu isolamento relativo dos problemas prementes do mundo do trabalho).
Ou seja, o que se percebe é um esgotamento do modelo sindical e uma necessidade urgente de transformação e adaptação à nova realidade social e ao novo perfil do trabalhador. Para que o sindicalismo assuma o seu verdadeiro papel e deixe de ser manipulado pelos sucessivos governos. Uma posição que influenciaria diretamente o direito do trabalho, tema do próximo tópico, no sentido de garantir a sua prevalência em todos os aspectos e situações.
4. O Direito Trabalhista
Conceitualmente, o Direito do Trabalho é um conjunto de regras jurídicas que regulam as relações entre trabalhadores e seus patrões. A expressão Direito do Trabalho foi utilizada pela primeira vez na Alemanha por volta de 1912. Segundo Martins (2005)[20]:
A finalidade do Direito do Trabalho é assegurar melhores condições de trabalho, porém não só essas situações, mas também condições sociais ao trabalhador. Assim, o Direito do Trabalho tem por fundamento melhorar as condições dos obreiros e também suas situações sociais, assegurando que o trabalhador possa prestar seus serviços num ambiente salubre, podendo, por meio de seu salário, ter uma vida digna para que possa desempenhar seu papel na sociedade.
O Direito do Trabalho pretende corrigir as deficiências encontradas no âmbito da empresa, não só no que diz respeito às condições de trabalho, mas também para assegurar uma remuneração condigna a fim de que o operário possa suprir as necessidades de sua família na sociedade. Visa o Direito do Trabalho melhorar essas condições do trabalhador.
No Brasil, estas regras têm a regência da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), da Carta Magna e também de várias outras leis esparsas. Elas podem ser provenientes não só do Poder Legislativo, como também do Executivo, que tem o poder de expedir decretos e regulamentos. Um exemplo é a própria CLT, consolidada por meio do Decreto-lei nº 5.452/43.
O Direito do Trabalho tem ainda outras fontes como as convenções e os acordos coletivos, os regulamentos das empresas, as disposições contratuais e as normas internacionais. Com relação as primeiras, convenções e acordos coletivos, estes são oriundos das negociações coletivas realizadas de forma autônoma pelos sindicatos das categoriais com uma ou mais empresa.
Quanto aos regulamentos das empresas (é bom ressaltar que nem todos os doutrinadores consideram esta uma fonte do Direito do Trabalho), estes regulam as relações e condições de uma determinada empresa e seus funcionários, tanto os atuais quanto aqueles que serão contratados futuramente. Em seguida, as disposições contratuais, que são as regras que constam nos contratos de trabalho e que deverão ser seguidas por ambas as partes, patrões e trabalhadores. Estas disposições não poderão ir contra os acordos coletivos nem a CLT.
As normas internacionais são tanto os direitos quanto as obrigações oriundas de tratados entre países assim como das convenções da Organização Internacional do Trabalho, a OIT. Martins (2005), explica[21]:
Pode a norma internacional estabelecer condições de trabalho mais benéficas do que as previstas em nossa legislação. A hierarquia das normas internacionais pode ser analisada sob o ângulo de duas teorias. A teoria monista, que prega a unidade do sistema do Direito Internacional e do Direito Interno do país. A teoria dualista, que entende que existem duas ordens jurídicas distintas, a internacional e a interna.
A respeito das normas trabalhistas elas são classificadas em normas de ordem pública (absolutas ou relativas), normas dispositivas e normas autônomas individuais ou coletivas. Sobre elas é importante reproduzir o que afirma Salgado (2010)[22]:
A flexibilização das normas e da jurisprudência trabalhista é reflexo da flexibilização que ocorre no âmbito do mercado de trabalho. Frente a uma mudança dos rumos do trabalho as empresas buscaram novas estruturações, sempre visando um aumento da produtividade e do lucro, através de uma redução dos custos com empregados, implementação de tecnologias, adoção de novas políticas empresariais etc.
As empresas buscaram se adaptar a uma nova lógica em que o trabalho humano em muitos setores, poderia ser substituído por máquinas e tecnologia. Isso gerou um desemprego em massa, extinção de muitas profissões e criações de outras que precisavam de níveis elevados de qualificação.
A globalização também permitiu que o locus laborandi não fosse uma fábrica ou empresa, mas diversas e não na mesma base territorial, eliminando com isso a integração dos empregados que propiciavam a existência de sindicatos e da aplicação de uma só legislação trabalhista. A pulverização da mão de obra, existência e empresas transacionais, contribuíram também para a alteração do mundo do trabalho, que a lei trabalhista não resolveu. A maioria desses problemas no direito, decorre da dificuldade do direito lidar com um padrão territorial de aplicação da legislação.
A aplicação das normas do Direito do Trabalho depende diretamente da interpretação, da integração e da eficácia, que está relacionada com o tempo e o espaço. Quanto a interpretação é o resultado da análise realizada sobre cada uma das normas disponíveis; a integração é referente a possibilidade de preencher as lacunas existentes em uma norma por meio de técnicas jurídicas e a eficácia é própria aplicação da norma. E ainda[23]:
Verifica-se que, em matéria trabalhista, a norma hierarquicamente superior será sempre aquele mais favorável ao trabalhador. Assim, pode-se afirmar que no Direito do Trabalho predominam os princípios informativos supra mencionados, os quais visam assegurar maior amparo ao trabalhador, parte mais fraca na relação de emprego, com vistas em que se atinja a igualdade substancial, visando equiparar as partes desiguais de modo a dar-lhes tratamento isonômico, igualando os iguais e tratando com desigualdade os desiguais, na exata medida em que se desigualam.
Os princípios jurídicos têm funções informadoras, normativas e interpretativas. No Direito do Trabalho eles são classificados em princípio da proteção, da irrenunciabilidade de direitos, da continuidade da relação de trabalho, primazia da realidade e os princípios fundamentais no trabalho segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT). O principio da proteção pode ser dividido em três, o in dubio pro operário; aplicação da norma mais favorável ao trabalhador e aplicação da condição mais benéfica ao mesmo. O art. 620 da CLT[24] diz que “as condições estabelecidas em Convenção, quando mais favoráveis, prevalecerão sobre as estipuladas em Acordo”. E Martins (2007) comenta o artigo[25]:
Havendo duas convenções coletivas aplicáveis, deve-se observar a que for mais benéfica ao empregado no seu conjunto (critério da globalidade ou conglobamento) e não se ficar pinçando cláusula a clausula e verificando qual a mais benéfica (critério da cumulação).
Fazer a aplicação de cláusula a cláusula implicaria desequilíbrio da convenção coletiva no geral, que é feita mediante acordo: dá-se uma condição, negocia-se outra menos benéfica, para no conjunto ter um resultado melhor. Analisar instituto por instituto acaba sendo acumulação. É preciso verificar no conjunto da norma o que é mais favorável.
O princípio da irrenunciabilidade, já citado em parágrafos anteriores deste mesmo capítulo, faz referência a impossibilidade jurídica de o trabalhador renunciar, voluntariamente, a seus direitos, a não ser que faça isso na presença do juiz do trabalho, o que caracteriza que ele não foi obrigado a tomar esta atitude. Este princípio tem como objetivo proteger os trabalhadores de uma coerção econômica e social por parte dos empregadores, obrigando-a a uma renúncia de seus direitos trabalhistas.
O princípio da continuidade da relação de trabalho visa assegurar uma maior possibilidade de o trabalhador prosseguir em seu emprego. Segundo a súmula 212 do TST “o ônus de provar o término do contrato de trabalho, quando negados a prestação de serviço e o despedimento, é do empregador, pois o princípio da continuidade da relação de emprego constitui presunção favorável ao empregado".
Quanto a primazia da realidade, no Direito do Trabalho, este princípio orienta para que nos casos de desacordo entre os fatos e os documentos, deve-se sempre privilegiar as condições de trabalho. Por fim os princípios fundamentais no trabalho segundo a OIT (Anexo B), publicados pela organização na última década do século passado. Mesmo não sendo de cumprimento obrigatório, trata-se de uma orientação e indicação de procedimentos a serem adotados pelos países.
Com relação ao principio da indisponibilidade dos Direitos Trabalhistas, ele está delineado nos artigos 444 do Capítulo I, Disposições Gerais e 468 do Capítulo III, Alteração, ambos da CLT, que assim dispõem[26]:
Art. 444. As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes.
Art. 468. Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.
Antes de encerrar este tópico, é importante conceituar o Direito Individual do Trabalho. Segundo Martins (2007)[27] “ é um segmento do Direito do Trabalho que estuda o contrato individual do trabalho e as regras legais ou normativas a ele aplicáveis.” .
Ele complementa:
O Direito Individual do Trabalho estuda a relação individual do trabalho e não as relações coletivas de trabalho, que ficam a cargo do Direito Coletivo do Trabalho.
Um exemplo desta relação individual é o contrato individual de trabalho firmado pelo trabalhador e empregador na sua contratação. Quando o salário, os benefícios, a jornada de trabalho e as atividades que deverão ser executadas pelo funcionário são acertados entre ambas as partes.
Já o Direito Coletivo do Trabalho (também chamado de Direito Sindical), tem como fontes principais a Constituição, as leis ordinárias – CLT, convenções e acordos coletivos – e a sentença normativa. Quanto aos seus princípios, incluem tanto a liberdade quanto a unicidade sindical.
Quanto ao Direto dos Tratados, este faz parte do Direito Internacional Público e até início do século XX era de natureza consuetudinária, ou seja, fundado em princípios gerais, em especial o pacta sunt servanda e o da boa fé. É analisado sob dois aspectos, o do Direito Internacional Público e o do Direito Constitucional. Sobre a regência dos tratados foi realizada em 1928 uma convenção em Havana, a qual ainda em vigor na atualidade em oito países.
Em 1968 e 1969 a Comissão do Direito Internacional das Nações Unidas realizou em Viena uma conferência sobre o Direito dos Tratados, surgindo depois a Conferência de Viena sobre o Direito dos Tratados, que entrou em vigor apenas a partir de 1980, quando se completou o quorum mínimo de trinta e cinco Estados partes.
Com relação aos tratados internacionais sobre o trabalho, é relevante o que afirma Donzele (2004)[28]:
A Conferência Internacional do Trabalho revelou em 1998, por meio da Declaração dos Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho e seu Seguimento, que todos os Membros da OIT, ainda que não tenham ratificado as ditas Convenções, têm um compromisso que deriva do compromisso com a Organização de respeitar, promover e realizar, de boa fé e em conformidade com a Constituição, os princípios relativos aos direitos fundamentais que são objeto dessas Convenções, enumerando-os como os seguintes:
a) a liberdade de associação e o efetivo reconhecimento do direito de negociação coletiva;
b) a eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório;
c) a abolição efetiva do trabalho infantil;
d) a eliminação da discriminação em matéria de emprego e função.
Entre as convenções internacionais ratificadas pelo Brasil estão a Convenção da OIT sobre Amianto, 1986 (nº 162) sobre a mineração, manuseio e manufatura de produtos de amianto. Esta convenção faz parte do programa Trabalho Seguro da OIT. Além desta, é importante citar as convenções nº 100 e 111 da OIT de combate à discriminação no trabalho e de proteção ao trabalhador e trabalhadora.
É interessante ressaltar, no entanto, que embora os tratados internacionais integrem o ordenamento jurídico brasileiro, não é raro que a teoria não acompanhe a prática no País. Um exemplo disso é a Convenção nº 158 da OIT que foi ratificada pelo Congresso Nacional em 1992 e promulgada pelo Decreto Presidencial nº 1.855 em abril de 1997, foi suspensa pelo Supremo Tribunal Federal com a argumentação de que não era auto-aplicávele precisaria ser transformado em lei complementar. A Convenção 158 da OIT trata, entre outros itens, da garantia do emprego.
Outro exemplo deste “divórcio” entre teoria e prática no Brasil é a Convenção nº 1169 da Organização Internacional do Trabalho, editada em 1989 e assinada pelo Brasil em 2004. Esta Convenção trata dos direitos dos povos indígenas e tribais em relação a vários temas como o direito de autonomia e controle de suas próprias instituições, formas de vida e desenvolvimento econômico, propriedade da terra e de recursos naturais, tratamento penal e assédio sexual. As notícias veiculadas frequentemente pela mídia nacional e internacional demonstram que nem esta convenção nem a Constituição Federal são cumpridas no País com relação aos povos indígenas.
Diante do panorama apresentado neste tópico é possível concluir que o Direito do Trabalho está à deriva, ora subordinado a OIT, mas nem sempre seguindo suas orientações (ou mesmo infringindo as mesmas), ora seguindo e ora ferindo totalmente a Carta Magna do País. Além desta situação caótica, o trabalhador ainda tem que conviver com as regras impostas pelo economia de mercado e a política, tema do próximo capítulo.
5. Economia e política
Economia e política caminham sempre juntas na história da humanidade, decidindo seus rumos e mudando seus objetivos. Desta forma, este estudo ficaria incompleto (e inconsistente) se abordasse a economia separada da política. Política e economia no Brasil, assim como em todo o mundo, são inseparáveis. A economia sofre influências dos rumos políticos do País e estes, por sua vez, muitas vezes obedecem às diretrizes indicadas pelos interesses econômicos.
Pode parecer lógico que seja assim. Mas é também perigoso. Em especial para determinados setores da sociedade – como é o caso dos trabalhadores e seus direitos legais - que deveriam seguir outra lógica e servir outros interesses que não os ditados unicamente pelas flutuações da balança econômica e pelos interesses políticos partidários.
Etimologicamente, a palavra política tem origem grega, vem de ta politika, que por sua vez veio de polis, que significa cidade. Assim, política pode ser definida como a arte de governar uma cidade. Para Platão (428-348 a .C), filósofo grego discípulo de Sócrates ( 470-399 a .C.), a necessidade da existência tanto da sociedade quanto do Estado está na própria natureza do ser humano. Isto porque, para ele os indivíduos precisam da ajuda moral e material dos outros. O que dá origem a divisão do trabalho e a divisão em classes sociais. Como explica Madjarof (2009)[29]:
A essência do estado seria então, não uma sociedade de indivíduos semelhantes e iguais, mas dessemelhantes e desiguais. Tal especificação e concretização da divisão do trabalho seria representada pela instituição da escravidão; tal instituição, consoante Platão, é necessária porquanto os trabalhos materiais, servis, são incompatíveis com a condição de um homem livre em geral.
Aos filósofos caberia a tarefa de governar. Na verdade, para Platão, a atividade política seria um dever do filósofo, pois é o único que está pronto para orientar de forma racional o indivíduo e a sociedade.
Aristóteles (384-322 a .C.) não cultivava o mesmo idealismo de Platão, que buscava acima de uma transformação das leis, uma mudança de mentalidade para transformar suas idéias em realidade. Para Aristóteles[30] a justiça-política é a base da organização de uma cidade e a justiça apresenta duas formas: o justo natural e o justo legal. A justiça natural é aquela que existe independente da vontade ou ação do indivíduo e é constituída da própria racionalidade humana. Já a justiça legal é um conjunto de determinações ditadas pelo Legislativo. A justiça natural e a justiça legal só não convivem em harmonia quanto o sistema está corrompido.
Segundo Aristóteles a política está ligada a moral, já que o Estado existe para formar moralmente os cidadãos. Aristóteles, embora não negue uma natureza humana aos escravos, justifica a sua existência pela existência dos trabalhos que necessitam ser realizados por determinados indivíduos. Os quais, consequentemente, ficam impedidos de ter qualquer “cultura da alma”.
Embora a escravidão, pelo menos teoricamente, tenha sido banida da sociedade, a divisão em classes ainda se mantém bastante intocável, como as castas na Índia. O acesso a certas profissões ainda são negados aos representantes das classes sociais mais baixas e também são eles os que mais sofrem as conseqüências das pressões econômicas e os rumos da política. Desta forma, assim como na época de Aristóteles, os menos favorecidos materialmente também são privados de uma “cultura da alma”. Evidentemente que existem exceções, mas não são tão expressivas para alterar o quadro geral.
Também a palavra economia, assim como política, tem origem grega. Junção das palavras oikos (casa) e némein (administrar), significa administrar a casa ou administração da casa. Neste ponto, é interessante reproduzir o que afirma Heilbroner (1996) a respeito do pensamento do economista inglês Adam Smith sobre as leis de mercado[31]. Ele explica estas leis da seguinte forma:
Acontece, em primeiro lugar, porque o interesse próprio age como um poder orientador para dirigir os homens a qualquer trabalho que a sociedade esteja disposta a recompensar. ‘Não é da benevolência do açougueiro, do vendeiro ou do padeiro que esperamos nosso jantar’, diz Smith, ‘mas do respeito que eles têm pelo próprio interesse. Dirigimo-os não à humanidade deles, mas ao seu amor-próprio e jamais lhe falamos das nossas necessidades, mas sim das vantagens deles’.
E ainda:
Mas o interesse próprio é apenas metade do quadro. Ele leva os homens à ação. Alguma coisa mais tem que limitar o impulso da fome de lucros individuais para livrar a sociedade de preços exorbitantes: uma comunidade movida apenas pelo interesse próprio seria uma comunidade de especuladores desumanos. Esse regulador é a competição, o conflito dos auto-interessados no mercado. Cada homem, além de fazer o máximo por si mesmo sem pensar nas conseqüências sociais, confronta-se com um rebanho de indivíduos motivados da mesma maneira, que estão empenhados exatamente em conseguir a mesma coisa. Portanto, cada qual se preocupa só em tirar vantagem de seu colega de cobiça. . Assim (...) os motivos próprios dos homens transmutam-se por interação para render o mais inesperado dos resultados: harmonia social.
Um exemplo prático: a “cobiça” econômica, oriunda de organizações como a União Brasileira de Empresários (UBES), a União Democrática Ruralista (UDR) e a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) teve enorme influência na fase final da Constituição de 1988. Apesar dos seus inegáveis avanços, esta força econômica conseguiu barrar avanços trabalhistas e colocar um freio nas reformas. Defendendo seus interesses, pressionaram a bancada governista que cedeu aos seus “apelos”. Afinal, a cada dois anos acontecem eleições no Brasil e nenhum político quer abrir mão de possíveis doadores para suas campanhas.
E o que o poder econômico não conseguiu por meio da pressão de seus representantes durante a redação da Carta Magna de 1988, logrou (ou melhor, logra, já que é um processo permanente) por meio das emendas constitucionais que atendem aos interesses do modelo neoliberal que norteia a economia vigente. Exemplificando: durante o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) foram editadas 37 emendas, quase cinco por ano. Incluindo a emenda da reeleição, criada para atender ao ex-presidente. Sem falar na criação de autarquias e agências que serviram basicamente para esvaziar os ministérios e cujas funções reais até hoje ainda são desconhecidas.
Vale citar neste ponto o Consenso de Washington, um conjunto de medidas – composto de dez regras básicas - formulado em novembro de 1989 por economistas de instituições financeiras como o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos. As regras deveriam ser seguidas pelos países em desenvolvimento para possibilitar um “ajustamento macroeconômico”. As regra são estas: disciplina fiscal, redução dos gastos públicos, reforma tributária, juros de mercado, câmbio de mercado, abertura comercial, investimento estrangeiro direto, com eliminação de restrições, privatização das estatais, afrouxamento das leis econômicas e trabalhistas e direito à propriedade intelectual.
O resultado não foi o aclamado pelos idealizadores do Consenso de Washington e países que o adotaram além de não terem conseguido o crescimento desejado, desabaram, como aconteceu na Argentina em 2002. Em termos trabalhistas as conseqüências foram desemprego e achatamento salarial.
Com relação ao cumprimento dos tratados e convenções do trabalho, neste ponto também é possível detectar a influência econômica e política, mesmo que seja de uma forma não tão evidente. Por exemplo, no caso dos trabalhadores da construção civil, uma categoria que representa muito bem o descaso à vida do trabalhador e à dignidade humana por parte dos empregadores. Em uma notícia recente (09.07.10) publicada no Jornal da Orla(http://www.jornaldaorla.com.br/noticias_integra.asp?cd_noticia=3556) sobre a categoria, a representante do Ministério do Trabalho e Emprego, Rosângela Mendes Ribeiro da Silva declarou que: “não adianta convenção que o patronato não cumpre, não há fiscais do trabalho necessários para cobrir tantas empresas”. Não cumpre as regras básicas de manter equipamento de segurança no local da obra, por exemplo, colocando em risco a vida do trabalhador.
Quanto ao trabalho forçado, segundo dados da OIT em 2005 havia 12,3 milhões de vítimas do trabalho forçado no mundo, sendo 77% delas na Ásia. No Brasil, segundo a Comissão Pastoral da Terra, em 2005 eram 25 mil nestas condições. A OIT define como trabalho escravo “aquele que é exigido de um indivíduo sob ameaça de uma pena qualquer para o qual não se apresentou voluntariamente”.
Para o responsável pelo Projeto de Combate ao Trabalho Escravo no Brasil da OIT, Luiz Machado, as condições atuais são piores do que aquelas da escravidão. Ele afirma que "hoje em dia, o indivíduo é descartável. Se um trabalhador fica doente ou morre, é fácil achar outra pessoa que vai se submeter a isso. Antigamente, os negros podiam ser castigados fisicamente, mas eram bem alimentados, já que um escravo saudável e forte era muito mais valioso".
E quanto a terceirização? Para a OIT deve haver igualdade de direito entre os trabalhadores terceirizados e aqueles contratados diretamente. Na prática isto raramente ocorre. Um exemplo: nos últimos três anos morreram 103 empregados da Petrobras, sendo 74% deles terceirizados[32].
Para os sindicalistas a terceirização é a principal causa dos acidentes fatais na estatal. Mesmo assim, apenas após muita pressão a Petrobras concordou em incluir no dissídio de 2010 o direito de recusa. É uma das cláusulas da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a de número 60, a qual prevê o direito do trabalhador de rejeitar determinado serviço, caso não se sinta preparado, o que acontece muito com os funcionários terceirizados. E trata-se de uma estatal, não de uma empresa privada ou multinacional.
Por fim, a questão do trabalho infantil. Embora o presidente Lula tenha assinado recentemente um decreto regulamentando a Convenção 182, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), e que enumera 109 atividades econômicas que passam a ser enquadradas na lista de piores formas de trabalho infantil, a situação não sofreu uma mudança substancial. A OIT estima que no mundo cerca de 205 milhões de crianças de 5 a 14 anos de idade são vítimas de trabalho infantil. No Brasil os dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que haviam 5,1 milhões de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos de idade trabalhando em 2006.
Diante deste panorama geral fica evidente que a ditadura econômica não apenas interfere nas relações trabalhistas como também dita seu rumo, visando a manutenção dos lucros e do poder. Inclusive tratados e convenções não são respeitados. E o próprio governo, mesmo tendo ratificado estes tratados e convenções, reconhece a dificuldade na sua aplicação na prática. Faltam meios materiais e quem sabe também boa-vontade. O que tem em excesso é a atuação de lobistas, principalmente no Poder Legislativo brasileiro, tema que será abordado a seguir.
6. LOBBY
A palavra lobby é de origem inglesa e significa ante-sala. A razão da escolha desta palavra para designar a pressão política de alguns setores da sociedade em benefício dos seus interesses está segundo alguns, no fato das articulações políticas normalmente acontecerem nas ante-salas de hotéis ou mesmo do Congresso Nacional.
Nos Estados Unidos a profissão de lobista (quem faz o lobby) é reconhecida e regulamentada e o lobby é considerado uma parte do processo político. O lobista norte-americano atua exclusivamente no Congresso e aborda situações especificas que merecem tratamento legislativo. Ao contrário do que ocorre no Brasil, onde a profissão não é regulamentada. Aqui a atividade é exercida informalmente por representantes de alguns segmentos. Os quais, inclusive, podem ocupar cargos de destaque no próprio governo. Evidentemente nenhum deles reconhece a prática desta atividade.
Embora a ação do lobista ocorra com mais frequência no Legislativo e Executivo, para o advogado, especialista em Direito Empresarial e mestre em Jurisprudência Comparada pela Universidade de Nova York Sérgio Tostes, no Brasil também é comum a prática do lobby no Poder Judiciário. Para ele é uma denominação mais suave de tráfico de influência[33]. Eles explica: “o traficante de influência vai perante um juiz sugerir que determinada decisão seja tomada de uma forma ou de outra. Quem é advogado conhece o velho brocardo de que, o que não está nos autos, não está no mundo. Quem vai falar com algum representante do Judiciário pedindo um determinado posicionamento, se não é o advogado, está fazendo tráfico de influência”.
Mas ao mesmo tempo ele ameniza esta afirmação: “os juízes são seres humanos como outros quaisquer, mas precisam estar conscientes das suas limitações. Se alguém vai conversar com um juiz sobre um caso pendente de julgamento, quando não tem procuração, deve ser barrado imediatamente. Mas é claro que não se pode confundir o Poder Judiciário com mau exercício da função por algumas pessoas que pertencem ao Judiciário”. Nos EUA estas ações quando ocorrem no Judiciário são consideradas crimes federais e na maioria das vezes sofrem uma punição imediata.
Primeiramente é preciso fazer uma distinção entre a defesa de direitos e reivindicações feita de forma democrática, com transparência e ética, daquela na qual se utiliza o tráfico de influência ou a corrupção para atingir seus objetivos finais. Na verdade, quando estes métodos são utilizados é porque entre estes objetivos estão favores para empresas ou pessoas, como perdão de dívidas, empréstimos subsidiados, financiamentos escusos, concorrências desleais e liberação de verbas por processo fraudulento.
Mas a ação deste tipo de lobbista também ocorre no sentido de impedir que sejam aprovados projetos que contrariem os interesses de seus contratantes, mesmo que o número de beneficiados seja infinitamente maior. Ou ao contrário, para que o Congresso e o Senado aprovem projetos que vão beneficiá-los diretamente.
Por isso mesmo uma corrente de juristas e políticos brasileiros defendem que o lobby seja regulamentado no Brasil. Seria, segundo eles, uma maneira de diminuir a corrupção no país a partir do estabelecimento de limites e procedimentos na relação entre agentes públicos e aqueles que representam os interesses privados. No entanto, além disso, é necessário que haja um controle social, sempre atento e participativo. Caso contrário a regulamentação do lobista não irá produzir os resultados almejados.
Para regulamentar esta atividade o senador Marco Maciel (PFL-PE) apresentou em 1989 um projeto que foi aprovado no Senado mas parou na Câmara dos Deputados. O projeto cria a exigência de registro para o lobista que atua no Congresso Nacional, obrigando-o a prestar conta de forma periodica dos gastos referentes à sua atuação dentro e fora da Câmara e do Senado. O lobista também seria obrigado a dizer quem o contratou e quais os projetos que está acompanhando. Além disso, o projeto também prevê punições para o descumprimento destas regras.
Uma das primeiras notícias que se tem sobre a ação de lobistas na defesa de interesses de uma classe é de 1811 e vem da Bahia, com a criação da Associação Comercial baiana. Esta entidade foi criada para influenciar o Congresso Nacional da Primeira República. Mas foi a partir da Assembléia Constituinte de 1988 que o lobby cresceu (e continua neste movimento) muito no Brasil. Durante a redação da Carta Magna foram identificados quase 400 grupos envolvidos em disputas em torno da nova Constituição.
E por isso mesmo vieram a tona casos como o do lobista Alexandre Paes dos Santos. Em 2001 a Polícia Federal descobriu que Alexandre se aproximava de funcionários modestos com acesso a informações estratégicas. Em sua agenda, a polícia encontrou vários deputados marcados com a letra k (de mil). Um deles disse inclusive que Alexandre possuía “uma bancada própria”[34].
Mas se Alexandre era desconhecido, outros lobistas são bem conhecidos no Brasil. Como é o caso do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu. Apontado como mentor do que ficou conhecido como mensalão (caso de recebimento de caixa dois pelos deputados), foi cassado e perdeu seus direitos políticos por oito anos. José Dirceu também foi acusado de fazer lobby para beneficiar interesses privados no Plano Nacional de Banda Larga.
Outro caso muito famoso da ação de lobistas envolve a Embraer, empresa brasileira de aviação e uma das mais importantes do mundo. No ano passado lobistas colombianos da Eximco International (que foi contratada pela Embraer) cobraram uma dívida de 18 milhões de dólares da Embraer, alegando que “atuaram” junto ao governo colombiano para que este comprasse 25 aviões Super Tucano, no valor total de 234 milhões de dólares da empresa brasileira. A Eximco afirma que a venda foi efetiva porque foram feitos “pagamentos” ao governo da Colômbia. A Embraer nega as acusações[35].
Diretamente contra os trabalhadores também não são raras as atuações de lobbies no Congresso Nacional. Como exemplo é possível citar a pressão (reconhecida por deputados) dos empresários do ramo hospitalar para que não seja colocado em pauta projeto que reduz a jornada de trabalho dos profissionais de enfermagem, que passaria de 40 horas semanais para 30 horas. Segundo os profissionais de enfermagem esta diminuição da jornada resultaria na melhoria do atendimento para população, diminuindo o stress causado pelas atividades diárias.
Outro exemplo é intensa pressão das indústrias de amianto no Brasil contra o seu banimento no país. Inclusive o presidente Lula e o seu partido, o PT, que tinham assumido o compromisso de banir o amianto quando assumisse o governo não resistiram a pressão das indústrias e até agora não fizeram nada de concreto. O amianto, composto mineral usado, por exemplo, na fabricação de telhas, caixas d'água, lonas de freio e revestimentos de discos de embreagem, contamina o solo e está associado a casos de câncer e a problemas pulmonares das pessoas que o manipulam. Seu uso é proibido em vários países da Comunidade Européia e também da América do Sul, como Argentina, Chile e Uruguai. No Brasil, o lobby das empresas por enquanto está ganhando da preocupação com a saúde do trabalhador e a preservação do meio ambiente[36].
O que é possível constatar que os lobistas atuam em todas as frentes, sempre prontos e muito bem preparados para a defesa dos interesses de seus contratantes. Isto inviabiliza quase que totalmente grandes avanços nas conquistas dos trabalhadores e para o fim da corrupção que ainda assola o país. E não apenas impede os avanços como força retrocessos.
CONCLUSÃO
O poder econômico parece imbatível. Nem ideologias como aquela defendida pelo Partido dos Trabalhadores (ao menos antes do presidente Lula ganhar as duas últimas eleições presidenciais), resistem a sua pressão. Como no caso da indústria do amianto, citado no capítulo anterior. E tantos outros. O governo prefere fingir que não vê os apelos dos trabalhadores a abrir mão de futuras e generosas contribuições para suas futuras campanhas eleitorais.
E nem sempre é necessária a presença de um lobista ou de um grupo para pressionar a mudança de decisões ou postergá-las para um momento que julguem mais conveniente. A troca de favores que permeia as relações entre políticos e empresários dita as normas. Assim, um projeto por mais que seja benéfico e fundamental para proteção do trabalhador (seja de forma geral ou uma categoria em especial) só será aprovado se houver um consenso. Caso contrário acontecerá o que é muito comum para todos: o engavetamento.
Ou então a sua aprovação com tantas emendas e alterações que perde toda a sua finalidade inicial. E não poucas vezes produz um efeito totalmente contrário ao esperado pelos trabalhadores. Não há força suficiente nem vontade política que consiga mudar o rumo destas ações. Talvez a regulamentação do lobista seja realmente um dos caminhos, no sentido de permitir um acompanhamento mais próximo dos seus procedimentos e também por oferecer meios de punição caso desobedeça as normas impostas. Ou talvez isto também seja equivocado e só vá produzir uma institucionalização destas ações.
De qualquer forma a mudança que realmente faria a diferença deveria começar muito antes e anteceder a punição. Não existe possibilidade de mudanças reais e profundas na sociedade sem passar pela educação. Ela é o começo de tudo. Principalmente da formação do futuro cidadão que irá guiar suas ações com base em conceitos que aprendeu. Ética se aprende também na escola, assim como em casa e em outros locais de convívio social. E é a falta de ética que permite a ação destes lobistas e também que explica a postura adotada pelos políticos brasileiros.
Como afirma o professor Chaves (2004)[37]:
Quando falta ética na política, - falta comida no prato de uma criança, falta saneamento básico, falta saúde e educação de qualidade, sobra suborno e miséria. O Poder Legislativo, tanto nas esferas federal, estadual e municipal é a mais alta expressão de soberania. È quem cria o direito, a obrigação e as penas, quem regula os outros poderes e os cidadãos, quem decreta as normas que devem reger a sociedade. Em suma, é quem faz, interpreta e desfaz a lei. A finalidade última do Estado (como instituição pública) é a realização das necessidades do homem em sociedade, sendo que o exercício da política e do político deve pautar-se pela ética. O político responsável deve pautar-se pela moral, pela ética e pelo sentimento de justiça. Também significa dignidade, nobreza e honradez, entre outros sentidos que o termo empresta à conduta de tantos quantos se portam de forma conveniente.
Se fosse adotada uma nova filosofia educacional que investisse de fato na formação de cidadãos cientes dos seus direitos e deveres e preocupados com a sociedade e que não vissem o outro sob o manto da invisibilidade, certamente a figura do lobista seria extinta. Ou entraria em processo de extinção gradual. O próprio sistema que rege a economia de mercado, privilegiando os lucros e colocando o trabalhador em segundo plano, apenas como uma mão-de-obra que tem que ter algumas satisfações para não parar a produção, também sofreria mudanças.
Este novo indivíduo que surgiria como fruto de uma educação integral, com base na filosofia holística que prioriza o humano, iria consequentemente ajudar na formação de um novo modelo. Porque este não serviria mais para ele.
Enquanto esta tomada de consciência ainda esta mais próxima da utopia do que da realidade (embora já existam muitas iniciativas neste sentido em todo o mundo, inclusive no Brasil), outras medidas circunstâncias e factuais podem ser tomadas para minimizar o problema.
Entre as quais a criação de um conselho de fiscalização formado por representantes dos três Poderes e também da sociedade civil que atuasse no sentido de coibir a atuação de lobistas no Senado e Câmara dos Deputados, assim como nas Câmaras Municipais. Este conselho, além de fiscalizar, denunciaria as ações ao Ministério Público, tanto aquelas praticadas pelos lobistas quanto pelos políticos e funcionários públicos. Inclusive de passividade diante das pressões realizadas e também independentemente dos êxitos ou fracassos dos lobistas e seus aliados.
Outra ação também prática e factual seria a divulgação nos veículos de comunicação nacionais do perfil do lobista e das características de suas ações. E claro, as conseqüências que elas provocam em cada um da sociedade. A população precisa reconhecer estes indivíduos e identificar seu modus operandi, assim como a participação dos políticos nestas ações.
Assim como deveriam ser mais divulgadas os projetos de leis que estão para ser votados de interesse direto do trabalhador. Por exemplo, poderiam publicar a pauta da semana do Senado e da Câmara (insisto, também as municipais), não apenas em canais de televisão a cabo, mas nos canais abertos, em rádios, enfim uma divulgação ampla para atingir todas as camadas da população. Também seria uma forma dos trabalhadores, cientes do que está acontecendo em Brasília, cobrar uma posição de seus representantes sindicais. Porque estes não podem simplesmente ignorar o que está acontecendo.
Na verdade, a arma da mudança é constituída por dois instrumentos: informação e educação. Sem educação o indivíduo não sabe como processar as informações que recebe e pode ser manipulado a percebê-las de uma forma totalmente equivocada. Com educação ele mesmo não recebendo as informações, vai atrás delas e sabe como encontrá-las. E quando as encontra, reconhece o que deve ser feito. E faz.
[1] BARROS, Alice Monteiro de Barros. Curso de Direito do Trabalho. 6ª ed., São Paulo: LTr, 2010, p. 53.
[2] MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 21ª ed., São Paulo: Atlas, 2005, p. 38.
[3] Idem Op. Cit. nota 3.
[4] MACHADO, Fernanda. Evolução tecnológica transforma as relações sociais. Disponível em http://educacao.uol.com.br/historia/ult1690u7.jhtm. Acesso em março de 2010.
[5] Idem Op. Cit. nota 3, p. 41.
[6] Idem Op. Cit. nota 3, p. 41.
[7] BARROS, Cássio Mesquita. Direito Coletivo Do Trabalho E Proteção Dos Direitos Humanos Fundamentais: O Direito Ao Trabalho Decente. Disponível em http://mesquitabarros.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=56%3Adireito-coletivo-do-trabalho-e-protecao-dos-direitos-humanos-fundamentais-o-direito-ao-trabalho-decente&catid=7%3Aartigos&Itemid=3&lang=pt. Acesso em março de 2010.
[8] Idem Op. Cit. nota 8.
[9] Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em http://www.dhnet.org.br/direitos/deconu/textos/integra.htm#22. Acesso em março de 2010.
[10] Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Disponível em http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/doc/pacto1.htm. Acesso em março de 2010.
[11] LOLLO, Achille. O neoliberalismo chileno em crise. Disponível em http://blog.controversia.com.br/2009/10/05/o-neoliberalismo-chileno-em-crise/. Acesso em março de 2010.
[12] ARRUDA, Marcos. CALDEIRA, Cesar. Como Surgiram as Constituições Brasileiras. Rio de Janeiro: FASE (Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional). Projeto Educação Popular para a Constituinte, 1986.
[13] Lei nº 38, de 4 de abril de 1935, reforçada pela Lei nº 136 de 14 de dezembro do mesmo ano, pelo Decreto-lei nº 431, de 18 de maio de 1938 e pelo decreto-lei nº 4.766 de 1 de outubro de 1942, definia crimes militares e contra a segurança do Estado.
[14] Idem Op. Cit. nota 3, p. 44.
[15] Idem Op. Cit. nota 3, p. 44-45.
[16] BORGES, Altamiro. Origem e papel dos sindicatos. Modulo do Curso Centralizado de Formação Política – Escola Nacional de Formação da CONTAG – ENFOC. Brasília, 14 a 25 de agosto de 2006.
[17] História do movimento operário argentino (1870-2000), 2 tomos. Buenos Aires:: Corregidor, 2000.
[18] O Surgimento do Anarquismo: Objetivos, Estratégias e Táticas. Informe Anarquista nº03, Dez/2005 à Fev/2006. Informativo do Coletivo pró Organização Anarquista em Goiás.
[19] ALVES, Giovanni. Trabalho e Sindicalismo no Brasil: um balanço crítico da década neo-liberal (1990-2000. Revista De Sociologia E Política Nº 19: 71-94 Nov. 2002.
[20] Idem Op. Cit. nota 3, p. 51.
[21] Idem Op. Cit. nota 3, p.76.
[22] SALGADO, Gisele Mascarelli. Contra as normas de redução do Direito do Trabalho. Disponível em http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/5572/Contra-a-reducao-das-normas-de-Direito-do-Trabalho. Acesso em março de 2010.
[23] Revista Eletrônica Âmbito Jurídico. Hierarquia das normas no direito do trabalho. Nº 72 - Ano XII – Dezembro/2009. Disponível em http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php. Acesso em março de 2010.
[24] MARTINS, Pinto Sérgio. Comentários à CLT. São Paulo. Editora Atlas, 2007, p. 664.
[25] Idem Op. Cit. nota 25, p. 665.
[26] Idem Op. Cit. nota 28, p. 371-440.
[27] Idem Op. Cit. nota 3, p.113-115.
[28] DONZELE, Patrícia Fortes Lopes. Uma visão sobre a organização internacional do trabalho. Disponível em http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/1500/Uma-visao-sobre-a-Organizacao-Internacional-do-Trabalho. Acesso em março de 2010.
[29] MADJAROF, Rosana. Platão. Disponível em http://www.mundodosfilosofos.com.br/platao2.htm. Acesso em junho de 2010.
[30] ARISTÓTELES. Os pensadores. Vol. I e II. São Paulo: Abril Cultural, 1979.
[31] HEILBRONER, Robert L. Os Economistas. São Paulo: Nova Cultural, 1996, p. 54-55.
[32] Disponível em http://www.istoe.com.br/reportagens/43955_O+PETROLEO+QUE+MATA?pathImagens=&path=&actualArea=internalPage. Acesso em julho de 2010.
[33] Disponível em http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=11011&p=3. Acesso em julho de 2010.
[34] O lobby sai do armário. Disponível em http://www.sinprorp.org.br/Clipping/2003/390.htm. Acesso em julho de 2010.
[35] Cobrança suspeita. Disponível em http://veja.abril.com.br/040209/p_058.shtml. Acesso em julho de 2010.
[36] Disponível em http://www2.camara.gov.br/agencia/noticias/INDUSTRIA-E-COMERCIO/146323-RELATORIO-SUGERE-A-PROIBICAO-DO-AMIANTO-NA-INDUSTRIA-BRASILEIRA.html. Acesso em julho de 2010.
[37] CHAVES, Natal. Quando falta ética na política. Disponível em http://www.ufac.br/informativos/ufac_imprensa/2004/07jul_2004/artigo1277.html. Acesso em julho de 2010.
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