Sobre as leis
Khalil Gibran
Então um homem de leis disse, e as nossas Leis, Mestre?
E ele respondeu:
Deleitais-vos a fazer as leis, no entanto, mais vos deleitais em as desrespeitar.
Como crianças brincando junto ao oceano, a construir castelos de areia com persistência para logo os destruírem alegremente.
Mas enquanto construís os vossos castelos de areia o oceano traz mais areia para a costa, e, quando vós os destruís, o oceano ri-se convosco.
Na verdade o oceano ri-se sempre com os inocentes.
Mas que dizer daqueles para quem a vida não é um oceano, e as leis feitas pelo homem não são castelos de areia, mas para quem a vida é uma rocha, e a lei um cinzel que serve para a moldarem à sua semelhança?
Que dizer do aleijado que detesta dançarinos?
Que dizer do boi que gosta do jugo e condena o cisne e o gamo da floresta por serem seres errantes e vagabundos?
Que dizer da velha serpente que não consegue despir-se da sua pele e acusa os outros de estarem nus e não terem pudor?
E daquele que aparece cedo na festa do casamento, e que, depois de bem alimentado e já cansado, se vai embora dizendo que todas as comemorações são violação e os participantes violadores de leis?
Que poderei dizer desses a não ser que também eles estão expostos à luz, mas de costas viradas para o sol?
Só conseguem ver as suas sombras, e as suas sombras são as suas leis.
E que é o sol para eles senão um conjunto de sombras?
E o que significa reconhecer as leis senão curvar-se e traçar as suas sombras na terra?
Mas vós, que caminhais enfrentando o sol, que imagens da terra podereis reter?
Vós, que viajais com o vento, que catavento poderá orientar o vosso rumo?
Que lei do homem vos prenderá se quebrais o vosso jugo longe da porta da prisão?
Que leis receareis se dançardes mas tropeçardes em grilhetas inexistentes?
E quem vos poderá julgar se despedaçardes as vossas roupas sem todavia as deixardes no caminho de nenhum homem?
Povo de Orfalés, podereis abafar o tambor e alargar as cordas da lira, mas quem poderá impedir a cotovia de cantar?
Ato contra a impunidade
Na semana passada a vereadora de São José dos Campos(SP)Amélia Naomi organizou um ato em protesto (veja fotos)contra a liberação do acusado de ter assassinado um casal na cidade em 12 de junho. O Ministério Público considerou que as provas reunidas pela polícia eram muito fracas para manter o acusado preso.
Entenda o caso
O crime ocorreu no dia 12 de junho deste ano. Kátia Carolina de Carvalho, de 23 anos, e Rodolfo Rodrigues, de 25, estavam juntos há um mês. Os corpos foram encontrados em uma rua deserta, no Jardim Santa Júlia. Cada um deles estava com a marca de dois tiros. O carro em que o casal estava foi encontrado a poucos quilômetros do local, em uma estrada no bairro Putim. O ex-namorado de Kátia confessou o crime para a polícia, mas na presença do advogado, mudou de ideia e negou.
O acusado foi colocado em liberdade porque o promotor Fabio Antonio de Moraes entendeu que não existem provas suficientes para oferecer denúncia à Justiça. Além disso, ele discorda do pedido de prisão preventiva feito pelo delegado. Isso porque ele alega que, fora a confissão gravada pela polícia, considerada prova frágil por ele, não existe outra evidência que o rapaz é o autor do crime.
O promotor pediu novas investigações, e o inquérito foi devolvido à DIG, que agora deve fazer as novas investigações exigidas e reenviar o processo novamente ao promotor. Até lá o rapaz permanece em liberdade.
O promotor pediu novas investigações, e o inquérito foi devolvido à DIG, que agora deve fazer as novas investigações exigidas e reenviar o processo novamente ao promotor. Até lá o rapaz permanece em liberdade.
A questão
É evidente que todos que perdem um ente querido vítima de um ato insano de violência gratuita exige que a Justiça seja feita. A sociedade também exige que não seja obrigada a conviver com criminosos que arquitetam e executam seus crimes hediondos movidos por razões torpes e egoístas.
Mas o que dizer, por exemplo, da família deste jovem acusado? O envolvimento de jovens com atos de violência é m drama que assola muitas famílias e que têm a quem pedir ajuda de verdade.
Durante o ato de protesto, entre uma conversa e outra com as pessoas que paravam para dar seu apoio à manifestação, fiz algumas reflexões.
É preciso urgente uma mudança dos valores éticos e morais da sociedade. É preciso que seja retirado o manto da invisibilidade que a sociedade coloca no outro como se não tivesse nenhuma ligação com ele. Mas tem. Tudo está interligado e o que acontece com um indivíduo afeta todos os demais. Mesmo que não de forma imediata.
É preciso que o outro passe a existir de verdade para nós. Que a sociedade assuma sua responsabilidade pela vida, pela dignidade humana, contra a violência, mas não apenas aquela violência que ocupa as páginas dos jornais policiais. Aquela violência cometida todos os dias por meio da indiferença.
A consciência sem atos é morta.