RETROSPECTIVA
O segundo buraco negro é que não ensinamos as condições de um conhecimento pertinente, isto é, de um conhecimento que não mutila o seu objeto. Nós seguimos, em primeiro lugar, um mundo formado pelo ensino disciplinar. É evidente que as disciplinas de toda ordem ajudaram o avanço do conhecimento e são insubstituíveis. O que existe entre as disciplinas é invisível e as conexões entre elas também são invisíveis. Mas isto não significa que seja necessário conhecer somente uma parte da realidade. É preciso ter uma visão capaz de situar o conjunto. É necessário dizer que não é a quantidade de informações, nem a sofisticação em Matemática que podem dar sozinhas um conhecimento pertinente, mas sim a capacidade de colocar o conhecimento no contexto.
Ou seja, o ensino fragmentado não permite que o aluno contextualize e compreenda na sua integralidade o que aprendeu. Uma capacidade que ele deve adquirir e exercitar na sala de aula e que é fundamental para o entendimento do mundo de uma forma geral, dentro e fora da escola. Como diz Morin citando o pensador francês Pascal do século XVII: “não se pode conhecer as partes sem conhecer o todo, nem conhecer o todo sem conhecer as partes".
Uma mudança na cultura educacional que já começou no Brasil há algumas décadas com a interligação das disciplinas. Mas não é possível apenas em alguns anos mudar o que acontece há séculos. As mudanças são processos em longo prazo que ocorrem de dentro para fora.
Fazendo um breve passeio pela história da educação, primeiramente no mundo e depois no Brasil, ficará fácil compreender a afirmação do parágrafo anterior. O primeiro objetivo da educação foi o de assegurar que o conhecimento permanecesse restrito a uma camada da sociedade para garantir a sua manutenção no poder e o controle que detinham sobre a vida dos demais indivíduos. Aos alunos era negada qualquer forma de contestação ou espírito crítico frente aos ensinamentos que recebiam. Era ouvir e concordar. Afinal, os professores eram os detentores do saber e não podiam de maneira ser questionados.
Começando pela Grécia. Na Grécia Antiga a educação era um privilegio masculino, as meninas aprendiam apenas alguns ofícios com suas mães. Em Esparta, cidade militarista, a educação era basicamente física e os homens dos 7 anos 30 anos viviam em uma espécie de escola fazendo ginástica e atletismo. Para aprender disciplina os alunos podiam ser surrados pelos professores. Saiam da escola em excelente forma física, mas poucos sabiam ler e escrever.
Em Atenas a situação era diferente, acreditavam que melhoraria as condições da cidade-estado se cada menino pudesse desenvolver integralmente suas aptidões individuais. As escolas e os alunos não eram controlados pelo governo e aos seis anos o menino era confiado a um pedagogo para estudar aritmética, literatura, música, educação física, além de poesia.
A escola, tal qual a conhecemos hoje é oriunda da Idade Média, período no qual a educação estava nas mãos da Igreja e servia principalmente para defender a fé cristã e seus dogmas. O acesso ao ensino era um privilegio de poucos, na verdade, concedido apenas aos filhos dos nobres e religiosos. Se fosse destinada a seguir a carreira religiosa, aos seis anos a criança era levada a um mosteiro para ser educada com este fim. No século XI surgem as escolas catedrais que ensinavam principalmente teologia, relegando a um segundo plano outras disciplinas. Os nobres aprendiam a ter obediência e fidelidade aos príncipes, a ter coragem, proteger seus súditos e também o código de honra da cavalaria.
Foi Carlos Magno (771-814), um analfabeto, que deu um novo impulso à educação. Convencido por seu conselheiro Alcuíno, criou escolas em várias igrejas e também ordenou aos nobres que estimulassem a educação nos castelos e mosteiros. Como forma de dar o exemplo, Carlos Magno abriu uma escola em seu castelo e foi um dos alunos. Pela primeira vez não era ensinado apenas teologia, mas outras matérias como a aritmética, o grego, o latim e a astronomia.
A primeira universidade da Idade Média surgiu na Itália em 1090, de Medicina, seguida depois por outras em Bolonha, Paris, Oxford, Salamanca e Cambridge. Apesar de serem subordinadas à Igreja, estas universidades tinham autonomia para eleger professores e reitores. Embora o ensino ainda fosse tradicionalmente rígido e baseado na teologia, começa a brotar o desejo de expandir o saber para outras fronteiras. Quando o pensamento aristotélico reaparece após uma ausência secular, inicia o desenvolvimento do espírito crítico que iria assumir sua forma moderna a partir do Renascimento.
No Renascimento - que começou no século XIV na Itália e difundiu-se pela Europa ao longo dos séculos XV e XVI - a educação continuou sendo elitista, agora incluindo, além do clero e dos nobres, o burguês, que acabara de nascer e precisava ser educado.
Sobre a reforma religiosa provocada por Lutero é importante ressaltar alguns reflexos importantes para a educação, mesmo que em longo prazo. Um deles e para muitos o mais importante é a extensão do ensino primário. Para conhecer a Bíblia, que Lutero traduziu para o alemão, abrindo caminho para a afirmação dos idiomas nacionais e deixando o latim – idioma internacional dos humanistas – para um segundo plano, era preciso saber ler. Além disso, no mesmo período ocorre o advento da imprensa, que não só impulsionou a alfabetização como permitiu um acesso aos livros que tiveram seus custos diminuídos substancialmente.
A reforma protestante de Lutero gerou a contra-reforma dos católicos que entre outras ações deu origem aos colégios. Para estes colégios os jesuítas criaram um modelo de educação destinado aos filhos da elite. Ter educação formal passou a ser um diferencial e o estado – reis, governadores, bispos e as autoridades municipais – procuravam montar sua equipe com funcionários letrados. Começava a ser impensável que um governador não soubesse ler e escrever.
No final do século XVI o Renascimento começa a perder poder. O mundo estava em transformação e a educação acompanhava este movimento, buscando formar um individuo apto a enfrentar os novos tempos. Um tempo em transição do feudalismo para o capitalismo. A Idade Moderna já pode ser vislumbrada. A educação ainda mantém seu elitismo e continua sob o julgo da Igreja, situação que incomoda os iluministas.
A escola começa a ser pensada não como apenas um instrumento de manutenção e preservação da fé cristã e do status quo, mas como meio de aquisição de conhecimento e de aprendizado do uso da inteligência para desenvolvimento das habilidades individuais. Em meados do século XVII, em 1648, a Paz de Vestfália – que marcou o fim da Guerra dos Trinta Anos, o primeiro grande conflito envolvendo os países europeus que começou em 1618 – abre caminho para um novo espírito na sociedade e a religião, que até então dominava e determinava os sistemas políticos perde o controle que exercia sobre as ideologias. As filosofias que florescem no período ficam fora do seu julgo e influência.
Estava aberto o caminho para o século XVIII, chamado de Século da Educação, a humanidade passa a acreditar que a melhoria das condições de vida podem ser obtidas por meio do progresso e da razão, enfraquecendo as promessas religiosas que asseguravam que o indivíduo só teria uma vida melhor na vida eterna. Também foi no século XVII que o tcheco Comenius preconiza uma escola elementar para todas as classes sociais, incluindo as mulheres, até então excluídas, a partir da qual seriam selecionados os mais aptos para prosseguir no ensino superior.
No entanto, tudo isso ainda não significa que a educação foi democratizada. Esta realidade ainda demoraria alguns séculos para se tornar uma realidade de fato. No entanto, o movimento em direção a este fim já estava em andamento.
No século XIX os governos burgueses buscaram levar toda criança à escola e antes disso ampliaram o número de instituições de ensino secundário com o objetivo de garantir formação para seus herdeiros e assim a manutenção do poder. Mas a revolução industrial provocou uma mudança de planos. Era necessário qualificar a mão-de-obra para atender as exigências em constante mutação e assim acompanhar devidamente o progresso das indústrias. Assim, já no final do século XIX, a maioria dos países industrializados tinha reduzido o índice de analfabetismo e colocado quase toda criança na escola.
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