02/01/2010

A realidade brasileira frente às exigências do mercado globalizado

Existem diferentes visões e definições a respeito da globalização. Alguns analistas a consideram simplesmente como um fenômeno econômico que se reporta quase que exclusivamente, à integração dos mercados financeiros e comerciais. Outros procuram dar mais atenção aos aspectos relativos à dimensão de comunicação do fenômeno ou então a dimensões culturais, tecnológicas, migratórias ou ecológicas, para afiançarem a existência de um processo de interdependência mundial.


Nesse emaranhado de referências há claramente ênfases e esquecimentos. As ênfases recaem nas dimensões acima mencionadas, enquanto pouca atenção é dispensada aos problemas relativos ao fluxo de mão-de-obra entre países e regiões ou aos diversos impactos que são observados na vida social das pessoas e na vida política das sociedades.


Num contraste, a inserção perversa, vai muito além de perpetuar o atraso econômico, ela abre um leque do que se pode chamar de “venenos sociais” tais como a concentração da riqueza e da renda, exclusão e marginalidade, instabilidade política, retardamento educacional, frustração das possibilidades de desenvolvimento cultural.


É condição sini qua non não apenas para o êxito econômico, mas de muitos atributos que farão de qualquer formação social uma experiência mais ou menos satisfatória de construção humana, a maneira pela qual se efetivará a inserção.


A tensão entre integração externa e interna aponta dois riscos distintos: um é repetir o padrão colonial e abraçar uma inserção que não é capaz de atingir um dinamismo suficientemente capaz de gerar empregos bem-remunerados, que é condição da inclusão no mercado nacional da massa que fora dele excluída, ou que se tornaram apenas coadjuvantes. Seria perpetuar, ou pior, agravar a pobreza generalizada inseparável de nossa história e a desigualdade que ameaça a coesão social através de níveis que vêem numa alarmante crescente de violência e criminalidade. Outro risco seria causado pela ameaça em relação à possibilidade de integração horizontal, que seria misturar as diferentes regiões do país em conjunto não só articulado, mas convergindo em direção à eliminação ou redução das disparidades regionais, isto ocasionaria um enfraquecimento dos vínculos econômicos e de solidariedade entre essas regiões, fazendo com que fiquem vinculadas aos pólos dominantes externos.


A preocupação com o tema é fundamentada, pois não faltam exemplos palpáveis da concretização destas ameaças, que vão desde as disputas estaduais por investimentos até ao aparecimento do fenômeno do desemprego estrutural elevado, que tem sido uma característica marcante da economia brasileira bem como de muitos países latino-americanos, concomitantemente à intensificação da liberalização comercial e do intercâmbio econômico internacional.


A versão mais corriqueira da globalização, a ponto de parecer exclusivo no uso cotidiano, é a de considerá-la como transformação puramente econômica. Nesta visão, a globalização seria quase sinônimo de intensificação do intercâmbio econômico e da interdependência como fruto da liberalização da economia mundial nas ultimas décadas, pelo fato da eliminação ou redução das barreiras à circulação de mercadorias, financiamentos e inversões. Estas manifestações são sem dúvida as mais visíveis e aparentes das mudanças, as que têm maior impacto na vida cotidiana das pessoas, e não deixa de ser natural a inclinação de encará-las como constituindo, em termos práticos, o essencial do que está ocorrendo.


Com a concentração excessiva na dimensão econômica da globalização se deixam em segundo plano os numerosos outros fatores de ordem política e cultural, que captam toda riqueza e complexidade do conceito.


Para visualizar melhor como o econômico é apenas um dos braços que levam a interação com outros para formar o sistema global, é útil estabelecer ligação com a outra controvérsia, relativa á questão de saber se a globalização possui caráter único e inconfundível ou se é fenômeno que se repete várias vezes na história.


Para alguns, as transformações atuais, embora sejam importantes, não passam do último episódio de uma tendência que teve início no século XV. Esta tendência teria íntima identificação com a expansão do Ocidente e a prolongada evolução pela qual a Europa impôs sua dominação a quase todo o mundo, plasmando o sistema internacional e a ordem política e econômica contemporânea.


A palavra “globalização” ainda não entrara para o vocabulário corrente, por Charles Boxer, o grande historiador do mundo colonial português, falecido em 27 de abril de 2000, com 96 anos. O prólogo do que foi, talvez, seu maior livro, lembrava que:


O cronista espanhol Francisco Lopez de Gómara, na dedicatória de sua História general de lãs Índias ao imperador Carlos V, em 1552, descreveu a descoberta pelos navegantes ibéricos das rotas oceânicas para as Índias ocidentais e orientais como sendo “o maior acontecimento desde a criação do mundo, à parte a encarnação e morte d´Aquele que o creou” . Apenas pouco mais de dois séculos depois, o economista escocês Adam Smith declarou praticamente a mesma coisa quando escreveu: “A descoberta da América e a de uma passagem para as Índias orientais pelo Cabo da Boa Esperança são os dois maiores e mais importantes eventos registrados na história da humanidade” .


Os diferentes processos de integração


Dentre as formas de integração conhecidas, trabalhar-se-á com uma classificação segundo o critério de intensidade da integração, pelo qual pode-se diferenciar basicamente quatro tipos.


A forma de menor intensidade de integração é denominada zona de livre comércio, que ocorre quando vários Estados-nação pactuam eliminar as restrições, direitos aduaneiros e outras limitações não tarifárias ao comércio entre eles, porém, cada um conserva diferentes tarifas de importação perante outros países que não os integrados. O livre comércio se refere aos produtos de origem regional, ou seja, que tenham alta proporção de matéria prima e valor agregado.


Para uma união aduaneira exige-se, além das características da zona de livre comércio, que se estabeleça também uma tarifa comum frente aos demais países não integrados. Pode-se ainda estabelecer uma alfândega comum encarregada de arrecadar fundos e distribuí-los entre os países membros, porém, este não é um elemento essencial, mas apenas de coesão e vitalidade para a união aduaneira.


Já o mercado comum pressupõe, além dos elementos anteriores, uma livre circulação dos fatores de produção, capital e trabalho. O essencial na integração do tipo mercado comum é justamente a livre circulação de mercadorias, pessoas e capitais e a livre prestação de serviços, o que implica em:


• terem os trabalhadores livre acesso aos postos de trabalho existentes em todo o mercado comum, podendo instalar-se, com sua família, em qualquer Estado membro;


• terem os empresários livre concorrência para competir e vender seus produtos e serviços em qualquer Estado membro, certamente onde seja mais vantajoso;


• serem os Estados proibidos de dar qualquer tratamento especial a seus nacionais frente aos demais estrangeiros membros do mercado comum.


Por último, a forma mais intensa de integração é a comunidade econômica que pressupõe uma harmonia das políticas fiscais e monetárias dos países, o que se realiza através da criação de organismos comunitários que ditam as normas sobre estas matérias, ou seja, uma coordenação de políticas macroeconômicas. (Rocha, 2006)


Neste contexto, apresentamos aspectos que influenciam o comércio e a relação comercial entre países.


O grau de autonomia maior ou menor de realização dessas “idéias de futuro” será variável e nunca absoluto. O “nacional” significa que a visão e concepção provém de dentro da nação e não de fora dela, não que isso deva ser feito de forma totalmente independente em relação ao exterior. A macroeconomia correta e sólida não passa de base de apoio para a concepção de um projeto nacional, não podendo ser confundida com a totalidade da concepção. Para que não fracasse não se pode separar a política macroeconômica da política social.


Nancy Birdsall, economista e ex vice-presidente do Banco Interamericano para o Desenvolvimento, a melhor política social é a adequada política macroeconômica. Se esta gera desemprego estrutural e acentua a desigualdade, se tende a deprimir salários e inflar os lucros e rendas dos que vivem de especulação e juros, não há “rede social de segurança” capaz de verdadeiramente compensar os efeitos perniciosos de política econômica perversa. Convém desconfiar, portanto, quando nos prometem que tais efeitos serão temporários, sem acrescentar horizonte de tempo razoável para a transição, nem indicar meios plausíveis para a fase de dificuldades.


Engana-se quem sustenta que assim que estiverem em ordem todos os aspectos fundamentais da macroeconomia, tudo mais virá como a melhoria da competitividade virá gratuita e espontaneamente sem que seja necessário medidas e esforços particulares. Existem dois erros crassos que fomentam este gênero de atitude, um é o minimizar os obstáculos para se chegar a atingir todos os requisitos macroeconômicos fundamentais. Outro erro básico é seguir ipsis literis a doutrina do livre comércio e das vantagens comparativas que está por trás da crença predominante nos círculos liberais.


O estudo realizado com o esforço conjunto da Cepal e de centros de pesquisas nacionais, a fim de verificar em que medida as reformas econômicas teriam permitido atingir a aspirada “transformação produtiva com eqüidade” no período dos últimos dez a quinze anos em nove países: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Jamaica, México e Peru.


O texto de apresentação dos resultados resumiria as premissas inspiradoras das reformas:


Argumentava a literatura que a remoção das distorções causadas pelo modelo de industrialização por substituição de importações geraria mais empregos, especialmente para trabalhadores não especializados. Uma alocação de recursos eficiente facilitaria o crescimento mais rápido, e este resultaria em maior criação de empregos. Os mecanismos para aumentar a equidade estavam estreitamente relacionados aos de expansão de empregos. O elo mais obvio era a criação de novos empregos sem qualificação. [...] Esperava-se também que a maior demanda por trabalho não qualificado teria impacto positivo sobre os salários relativos dos que já estivessem empregados. Isto é, o diferencial de salários entre trabalhadores especializados e sem qualificação diminuiria, melhorando a distribuição de renda.


Existe surpreendente grau de consenso nestas questões [de avaliação das reformas por diversos estudos]. O crescimento é percebido desapontadoramente lento, mais do que no passado e em outras regiões do mundo. Não só a criação de emprego tem sido morosa, mas a qualidade dos empregos decresceu. A desigualdade permaneceu constante na melhor das hipóteses e pode ter piorado. Os déficits da balança de pagamentos, após encolhimento temporário no começo dos anos 90, voltaram a ampliar-se, [...] as subsidiárias de corporações transnacionais ganharam espaço em relação aos grandes conglomerados domésticos [...] as reformas não solucionaram e muito provavelmente aumentaram dois problemas: o investimento continuou concentrado em grandes empresas que não mostraram a capacidade para desenvolver vínculos com firmas menores e as cadeias de supridores foram destruidas pela busca da competitividade por meio do aumento dos insumos importados [o que leva] à especialização e maior eficiência, mas também a polarização e à persistência de déficits comerciais e, assim, à dependência de poupança estrangeira.


Brasil e o Mercosul


A política internacional e a política externa têm importância decisiva para os destinos da sociedade brasileira mas, paradoxalmente, não se encontram no centro do debate doméstico, a não ser em seus aspectos econômicos mais imediatos, como a necessidade de gerar saldos comerciais e de superar a crise do Mercosul.


Atualmente o Mercosul se define como uma união aduaneira imperfeita o que comporta a existência de acordos com vistas a liberar as correntes comerciais recíprocas e adotar, frente aos terceiros países, uma mesma política arancelaria.


A teoria prescreve e a prática confirma que este tipo de processos, basicamente, se traduz numa alteração dos preços relativos dos bens nos mercados nacionais e tem conseqüências sobre os fluxos de comercio, produção e consumo. (Midón 1998, p.345)


As vantagens brasileiras de território, população e PIB são afetadas negativamente por disparidades e vulnerabilidades.


A síntese das disparidades nacionais é o fato de que cerca de 50 milhões de brasileiros vivem abaixo da linha de pobreza, dos quais 23 milhões passam fome diariamente. São estes os que não tiveram e não têm acesso à educação, à saúde, à cultura, ao transporte decente, à justiça, à segurança em seu lar, e que são as principais vítimas da discriminação e da violência racial, social, econômica e política. (Moniz Bandeira, 2004 - prefácio)


O Jornal O Estado de São Paulo publicou matéria em 9/1/2007 - Jornal da Ciência que, em seu discurso de posse, Lula ressaltou “o Brasil associa seu destino econômico, político e social ao Continente, ao Mercosul e à Casa”.


Diante disso, torna-se urgente e necessário arejar as discussões e incluir, não só os governos, mas também a sociedade civil, os sindicatos, os empresários e o Congresso para ser avaliado o real interesse de cada país membro.


Por tudo o que está ocorrendo no processo de integração e pela declarada prioridade que o atual governo lhe atribui, chegou a hora de promover esse amplo debate nacional sobre o Mercosul, seu futuro e a estratégia de negociação externa.


Em outros termos, não se pode aludir o fato de que problemas estruturais e conjunturais acabam se materializando na adoção de medidas unilaterais como forma de tentar compensar os desequilíbrios internos e externos dos países membros.


O caso brasileiro ilustra com clareza a reflexão que apresentamos aqui. Vimos assistindo, desde 1994, a uma reestruturação do Estado brasileiro e, conseqüentemente, das áreas associadas à execução de políticas sociais compensatórias.


O resultado deste processo não pode ser exatamente classificado como uma política de assistência consistente e eficaz, haja vista os resultados dos indicadores sociais mais recentes que apontam o agravamento da pobreza no país.


A constituição de uma agenda social mínima para o Mercosul não consiste numa tarefa fácil. A primeira dificuldade que se apresenta diz respeito à heterogeneidade socioeconômica entre os países. No que diz respeito aos indicadores sociais, o estudo também revela um quadro de grande heterogeneidade. O Brasil equipara-se ao Paraguai em relação à maioria dos indicadores analisados, embora possua um PIB per capita duas vezes maior. (Pitanguy, 1999)


Do ponto de vista do Brasil, deve ser feito um forte trabalho interno no que se refere às políticas e ações sociais. Isto também pode ser aplicado aos outros países membro. O sucesso do processo de integração também depende deste fator e não só de fatores econômicos.

Brasil – A questão da distribuição de renda


O Brasil ocupa a quinta posição na América Latina, em uma lista de 12 países no continente, em relação aos países que apresentam o melhor cenário econômico. Quanto maior a posição no ranking, melhores são as expectativas em relação à situação presente e futura da economia. (www.g1.globo.com)


No Brasil a concentração de renda permaneceu praticamente inalterada - seus índices oscilando dentre as 10 últimas posições do mundo - durante as últimas quatro décadas.


A distribuição de renda no Brasil somente dá os primeiros sinais de melhora a partir de 2001. As estatísticas comprovam que em 2004 ocorreu o primeiro avanço significativo para melhoria de desigualdade econômica no país: a taxa de crescimento da renda per capita para os mais pobres foi de 14,1%, enquanto a renda per capita média cresceu 3,6% no mesmo período.


Contribuiu para essa pequena melhora no terrível quadro de distribuição de renda no Brasil um programa de transferência direta de renda, chamado, no governo Lula, de Bolsa Família - que a oposição e alguns neoliberais preferem chamar de assistencialismo.


A classe média brasileira se rebela contra o Bolsa Família por perceber que essa transferência de renda está sendo feita exclusivamente às suas custas e não - como seria mais desejável - por transferência de renda das camadas que estão no topo da pirâmide de renda no Brasil.


A renda no topo da pirâmide brasileira é tão concentrada que até os índices mais comuns como o P90/P10 têm dificuldade em medi-la. Por esse critério, o país com a menor concentração de renda do mundo é o Japão, a segunda maior potência econômica do planeta, com 4,23. O Japão tem um Coeficiente de Gini de 24,9 perdendo apenas para a Dinamarca, cujo coeficiente é de 24,7.


Dentre os países desenvolvidos, a maior concentração de renda está nos EUA 15,57, seguido pela França, com 9,1 (pelo critério P90/P10).


Os paises asiáticos que mostraram êxito sutentado no processso de desenvolvimento compartilham, dentre outras, de uma característica são efetivos em eliminar ou reduzir as formas extremas de pobreza e a manutenção de índices de desigualdades inferiores aos de outras regiões do mundo.


Japão, Coréia do Sul e Taiwan são os três grandes e mais importantes (e porque não dizer, indiscutíveis) exemplos de baixa desigualdade do mundo. Estes três paises passaram por grandes mudanças ocasionadas por vários fatores (alguns inclusive em comum). Os três passaram por importantes mudanças nas relações de propriedade, a principio causadas pela Segunda Guerra Mundial e pela Guerra da Coréia. Houve também no Japão e na Coréia do Sul, a reforma agrária que fora implementada quando da “administração” norte-americana de ocupação, e em Taiwan pelo governo nacionalista.


Estas mudanças deram especial atenção não só à educação (primária e secundária) , como também ensejaram uma distribuição de renda mais igualitária de terras, e de outros fatores de capital e recursos humanos, se valendo de uma época em que a agricultura ainda tinha um poder de geração de empregos bastante significativo nestas economias.


No Brasil a concentração de renda é tão intensa que o índice P90/P10 está em 68 (2001). Ou seja, para cada dólar que os 10% mais pobres recebem, os 10% mais ricos recebem 68. O Brasil ganha apenas da Guatemala, Suazilândia, República Centro-Africana, Serra Leoa, Botsuana, Lesoto e Namíbia.


Segundo dados do Human Development Report (HDR) – Organização das Nações Unidas (ONU), de 2004, o Brasil apresenta historicamente uma desigualdade extrema, com índice de Gini próximo a 0,6. Este valor indica uma desigualdade brutal e rara no resto do mundo, já que poucos países apresentam índice de Gini superior a 0,5.


Dos 127 países presentes no relatório, o Brasil apresenta o 8º pior índice de desigualdade do mundo, superando todos os países da América do Sul e ficando apenas à frente de sete países africanos.


No Brasil, as classes dirigentes têm demonstrado não serem sensíveis às questões de distribuição de renda e ainda não se deram conta dos graves prejuízos que a excessiva desigualdade na distribuição da renda nacional causa ao próprio desenvolvimento econômico de seu país, a longo prazo.


Dificilmente será possível uma distribuição de renda mais equilibrada se os fatores de produção estiverem restritos à poucas mãos, e o fator trabalho receber remuneração aviltada devido à estagnação econômica, ao desemprego ou à falta de educação capaz de ensinar e qualificar de forma adequada.

texto publicado originalmente no site http://www.soartigos.com/articles/429/1/A-realidade-brasileira-frente-as-exigencias-do-mercado-globalizado/Page1.html
 
fonte da ilustração: biotecnal.com.br

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