10/12/2009

O filme presidencial

Você já assistiu “Lula, o filho do Brasil” de Fábio Barreto? Eu ainda não. Falta de tempo, esquecimento e confesso até um certo desinteresse. Com certeza a vida do presidente é digna de ser transformada em um roteiro, assim como a vida de muitos brasileiros anônimos que também já comeram “o pão que o diabo amassou”, com a diferença que Lula chegou lá. O que sinceramente não agrada é o culto a sua personalidade, é o endeusamento de uma figura pública que teve muitos acertos, mas que cometeu outros tantos equívocos e em várias situações se mostrou igual aos que criticava com veemência antes de vencer a primeira eleição em 2002. Além disso, o financiamento de grandes empresas – todas com contratos com o Estado - e a época do  lançamento do filme (ano que vem tem eleição) provocam um certo incômodo. Se você assistiu gostaria de saber a sua opinião. Eu ainda vou ver e depois digo o que achei. Por enquanto, é interessante ler alguns trechos do que um jornalista do Le Monde escreveu sobre o filme.



A vida de Lula, melodrama épico


Jean-Pierre Langellier


Lula assiste a Lula. O presidente brasileiro olha para as imagens daquele que ele foi: o menino pobre no Nordeste árido, o pequeno Luiz Inácio, engraxate de sapatos em São Paulo, aprendiz de torneiro mecânico, orgulhoso de seu macacão sujo de graxa, o orador sindicalista que fez vibrar estádios tomados por operários em greve.
A cena, como se sabe, se passa em um cinema. Mais precisamente em uma sala de São Bernardo do Campo, território político do chefe do Estado, no subúrbio de São Paulo.
Naquela noite, de 28 de novembro, o presidente assistiu à projeção de "Lula, o filho do Brasil". Essa cine-biografia conta em duas horas e oito minutos, de forma romanceada, os 35 primeiros anos de sua vida.
Gozando do raríssimo privilégio, em uma democracia, de um chefe de Estado em exercício que contempla, em pré-estreia, a narrativa filmada de seu singular destino ainda não terminado, Lula enxuga uma lágrima com seu lenço branco.
Sentado na primeira fileira, ele é acompanhado de sua esposa, Marisa Letícia, e de Dilma Rousseff, que ele gostaria de ver como sua sucessora em um ano. É a emoção? Após os aplausos no final do filme, Lula deixa a sala em silêncio sem dar a entrevista prometida aos jornalistas.
O filme é adaptado de um livro homônimo, uma reunião de entrevistas realizadas quinze anos atrás pela jornalista Denise Paraná com Lula e diversos membros de sua família próxima. Ela é uma das corroteiristas do filme. Mas o diretor Fábio Barreto o concebeu como um melodrama épico, no gênero das novelas nacionais, onde sobra emoção, acentuada por uma música insistente.
E assim o espectador está cheio de esperanças quando, em um belo dia de 1952, depois de vender suas poucas possessões, a venerada Mãe Coragem, Dona Lindu, coloca seus oito filhos pequenos em uma caminhonete para uma penosa viagem até o sul que duraria treze dias.
Ele se emociona quando Lurdes, sua primeira esposa, morre no parto junto com seu bebê. Ele chora quando Dona Lindu, verdadeira heroína do filme, falece, longe de Lula, que, sob o número 12.712 cumpre quarenta dias de prisão por rebelião contra a ditadura militar.
Fábio Barreto não esconde sua ambição: fazer dinheiro, muito dinheiro. "O filho do Brasil" terá, em 1º de janeiro de 2010, um lançamento hollywoodiano em cerca de 500 salas - uma em cada quatro - no início das grandes férias de verão, o melhor período comercial do ano. Objetivo: 5 milhões de espectadores. Graças à ajuda dos sindicatos, e a ingressos com preços reduzidos, o produtor, pai do cineasta, espera atingir um público humilde que não vai ao cinema e talvez não volte nunca mais, especialmente nas regiões onde Lula viveu. Um DVD será colocado à venda em 1º de maio. "É um filme para o povo, não para os intelectuais", garante Denise Paraná.
O filme já suscitou duas controvérsias. A primeira, rapidamente acalmada, diz respeito a seu financiamento. Tendo como questão de honra não pedir dinheiro público, federal ou local, a produção apelou para o setor privado. Vinte e uma grandes empresas, entre as quais a francesa GDF-Suez, colocaram a mão no bolso.
A imprensa ressaltou que todas tinham contratos bem grandes com o Estado. Mas todas acreditam que seu mecenato não causa nenhum conflito de interesses. Talvez. Entretanto, quem poderia se recusar a patrocinar um filme apresentado como "autorizado" nas altas esferas? Como admite, anonimamente, o diretor de uma delas, "isso nos abrirá portas, ou no mínimo evitará que elas se fechem".
A outra querela é mais política. Para a oposição, o lançamento do filme, oito meses antes da eleição presidencial de outubro de 2010, é uma operação grosseira, uma manobra de propaganda em favor, se não de Lula, que não pode se candidatar novamente, no mínimo de Dilma, a futura candidata do PT.
Ainda mais, dizem os opositores, que essa obra de ficção necessariamente toma liberdades com a realidade, e embeleza seus personagens, especialmente Lula, beatificado em vida. O diretor do filme nega qualquer intenção eleitoral. Ele observa que Lula, fortalecido por sua trajetória, seu balanço e sua popularidade, não precisa de um filme para ser mitificado: "Ele já entrou para a História".


Tradução: Lana Lim
Fonte da foto: jornalismob...

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