O feriado de 15 de Novembro (Proclamação da República), comemorado ontem, pode marcar uma transição na onda de protestos que tomou o Brasil desde junho, na avaliação de especialistas e manifestantes ouvidos pela BBC Brasil.
Para eles, a mobilização histórica que levou milhares de pessoas às ruas nos últimos cinco meses chegou a um momento decisivo: o fim de um ciclo e a expectativa do que está por vir, com Copa do Mundo e eleições presidenciais em 2014.
"Toda e qualquer manifestação tem um ciclo, e o ciclo atual desta terminou. Há diferentes razões. Talvez a radicalização de pequenos grupos, os conflitos com a polícia, o endurecimento da resposta do governo, mas o fato é que a diminuição do número de grandes passeatas e todo este contexto já assinalavam o fim desse período", afirma Michel Misse, chefe do Departamento de Sociologia e fundador do Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana da UFRJ.
Misse acredita que, embora o cenário ainda seja bastante fluido, tudo indica que o feriado, ao contrário do que muitos esperavam, não seja marcado por grandes manifestações ao redor do país.
A aposta, partilhada pelos outros entrevistados, é de que haja um período de protestos menores e com estratégias distintas nos meses de dezembro, janeiro e fevereiro, até o Carnaval, quando um novo momento de tensão pode elevar a temperatura nas ruas.
"Vai ter uma retomaretoma, sim, e acho que vai ser um Carnaval histórico, um momento de confraternização após todos esses meses intensos, sobretudo no Rio. Devemos ter blocos com protestos pacíficos e bem humorados, em meio ao clima de festa", afirmou Rafael Puetter, o Rafucko, radialista e videomaker carioca que tem sido atuante nas manifestações cariocas desde junho.
"Agora, ao mesmo tempo, é claro que o espaço está aberto a todos, e não se sabe o que pode acontecer depois que quebrarem o primeiro banco e estourarem a primeira bomba (de gás lacrimogêneo)", acrescenta Puetter.
Recuperando força
No decorrer do ano, no entanto, a expectativa é de que os protestos voltem a ganhar força.
"Claro que estamos especulando, mas a grande dúvida é se teremos, e em que proporções, manifestações durante a Copa do Mundo e as eleições. É difícil saber se serão passeatas, greves, que forma vão tomar", questiona Misse, da UFRJ.
A exemplo de outros países que viveram momentos semelhantes, como o Egito e a Turquia, as manifestações nas grandes cidades brasileiras devem passar por momentos de maior e menor mobilização, como ondas, acreditam os especialistas.
E assim como se viu na África do Sul, em 2010, diferentes segmentos devem aproveitar a atenção mundial gerada pela Copa do Mundo realizando greves e dando continuidade às demandas apresentadas durante os protestos deste ano.
Rio e São Paulo
No Rio, que foi palco de alguns dos mais intensos embates entre manifestantes e forças de segurança, um protesto marcado para a tarde desta sexta-feira na Cinelândia foi alvo de divisão nas redes sociais - principal meio pelo qual os encontros têm sido organizados.
Diferentemente das passeatas convocadas pelas páginas dos Black Blocs ou dos anarquistas Anonymous, o evento foi criado no Facebook pelo desconhecido grupo Implícytus, supostamente ligado a Leonardo Morelli, ativista entrevistado pela revista Época nesta semana.
Na entrevista, Morelli se autointitula um líder black bloc e afirma que manifestantes que se utilizam da tática possuem uma estrutura de organização e recebem financiamento internacional - alegações rejeitadas por muitos manifestantes.
A declaração do ativista levou ao descrédito do evento, que acabou trocando de organização. O grupo teria convocado protestos semelhantes em Salvador, Belo Horizonte, São Paulo, Campo Grande, Brasília, Londrina e Vitória, que, no entanto, registraram baixo quórum.
Em São Paulo havia informações de inteligência da Secretaria de Segurança Pública apontando para a realização de um protesto supostamente organizado pelos Black Blocs.
Na quinta-feira, justamente em uma tentativa de enfraquecer o protesto, a polícia paulista interrogou e fotografou 65 de um total de 280 pessoas suspeitas de pertencer ao grupo que foram convocados a comparecer a uma delegacia do Deic (Departamento de Investigações sobre o Crime Organizado) na capital do Estado.
Mudança de estratégia e prisões
Luan Cordeiro, membro do Habeas Corpus (grupo de advogados voluntários que conta com o apoio da OAB para a defesa dos manifestantes no Rio de Janeiro) acompanha os protestos desde junho e acredita que possa haver uma mudança de estratégia nos próximos meses.
"O que eu tenho percebido é que as pessoas estão aos poucos deixando de fazer passeata para fazer ocupações, com menos gente, mas que também surtem efeito. O 'Ocupa Câmara' é um exemplo. Havia somente 20 pessoas ali e teve repercussão", diz.
Para Carolina Iootty, também do Habeas Corpus, as detenções ocorridas no dia 15 de outubro em frente à Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) são um exemplo do endurecimento policial que pode ter impactado os manifestantes neste novo momento.
"Mais de 200 pessoas foram detidas e dezenas permaneceram presas. Um deles, o Baiano, ainda está preso. Não havia ordem judicial nem flagrante, eles estavam na escadaria da Alerj e foram colocados dentro de ônibus da polícia e levados. Vários colegas nossos testemunharam", conta.
Conhecido como Baiano, o manifestante Jair Seixas Rodrigues, de 37 anos, é ligado à Fist (Frente Internacionalista dos Sem-Teto) e está há um mês no presídio de segurança máxima de Bangu 9, acusado de ter ateado fogo a uma viatura policial.
Dois jovens fazem uma greve de fome em frente à Câmara Municipal do Rio desde o dia 6 de novembro, exigindo a libertação de Baiano, alimentando-se somente de água e soro. A fotógrafa britânica Vik Birkbeck, que mora no Brasil desde 1975, fez um vídeo com a dupla, e considera a prisão "absurda", mas destaca o momento atual do país.
"Ver tantas pessoas na rua foi muito surpreendente, porque ao contrário da Alemanha, ou da Grã-Bretanha, isso só acontecia aqui por causa de futebol ou Carnaval, com exceção das Diretas e do Fora Collor. É a primeira vez que eu vejo algumas das questões da periferia e das favelas atravessarem o asfalto e ganharem as ruas", diz.
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