31/07/2012

Depois da Venezuela, Bolívia e Equador negociam integração ao Mercosul


Depois da Venezuela, o Equador e a Bolívia negociam a incorporação ao Mercosul. As articulações ganharam mais força nos últimos dias após a decisão de a Venezuela integrar o bloco. A ideia é dar mais agilidade às conversas para que em breve equatorianos e bolivianos também façam parte do grupo. Não há definições de datas nem prazos, mas há determinação e empenho políticos, segundo os negociadores.
A cerimônia que oficializa o ingresso da Venezuela no Mercosul ocorrerá hoje pela manhã, no Palácio do Planalto. Depois haverá um almoço no Ministério das Relações Exteriores, Itamaraty.Atualmente o Equador e a Bolívia são membros associados, assim como o Chile, a Colômbia e o Peru. São observadores o México e a Nova Zelândia. Os membros plenos são o  Brasil, a Argentina, o Uruguai, o Paraguai (que está suspenso até abril de 2013) e, a partir de hoje, a Venezuela.
Por seis anos, a Venezuela negociou a entrada no bloco. A decisão foi tomada em junho quando os presidentes Dilma Rousseff, Cristina Kirchner (Argentina) e José Pepe Mujica (Uruguai) anunciaram a incorporação dos venezuelanos e a suspensão do Paraguai do Mercosul de forma temporária.
Em 29 de junho, o Paraguai foi suspenso porque os presidentes concluíram que o processo de destituição do poder do então chefe de Estado do país Fernando Lugo não seguiu os preceitos democráticos. Lugo foi submetido a um processo de impeachment e em menos de 24 horas perdeu o poder.
Fundado em 1991, o Mercosul gerou aumento nas trocas comerciais na região. Em 1990, o intercâmbio entre os membros do bloco somava US$ 4,1 bilhões. Já em 2011, o fluxo cambial atingiu US$ 104,9 bilhões.
Em comunicado ontem (30), o Ministério das Relações Exteriores, Itamaraty, informa que o desafio é superar as diferenças regionais por meio de um fundo próprio. “A superação das assimetrias entre os países do grupo é o objetivo do Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul [Focem], que investe US$ 100 milhões anuais em projetos que aumentem a competitividade e a coesão social do bloco.” Com o ingresso da Venezuela, o Mercosul contará com uma população de 270 milhões de habitantes (70% da população da América do Sul), registrando um Produto Interno Bruto (PIB) a preços correntes de US$ 3,3 trilhões (o equivalente a 83,2% do PIB sul-americano) e um território de 12,7 milhões de quilômetros quadrados (72% da área da América do Sul).

foto:blog.planalto.gov.br

Cobrar metas nem sempre é assédio moral, diz decisão


“A prática de estabelecer metas é demandada pelos tempos atuais em razão da exigência do mercado competitivo e na busca de um desempenho profissional positivo”. A afirmação da desembargadora Kyong Mi Lee, do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, ao decidir pela redução da indenização devida a uma vendedora, se encaixa na interpretação que vem se firmando na Justiça brasileira em processos que tentam relacionar a cobrança de metas ao assédio moral.
O acórdão do TRT-2 ressalva, porém, que castigar um empregado por não alcançar os números desejados não é permito pela lei. No caso concreto julgado, a autora da ação, vendedora das lojas Casas Bahia, alegou que, quando não atingiam as metas, os funcionários eram chamados de "bié", "bozzola" ou até de "piriguete", e eram colocados "na boca do caixa", onde vendiam menos pelo fato de o caixa ficar no fundo da loja e os clientes que lá chegam já terem sido abordados por outros vendedores. 
"Seja qual for o exato significado de referidas expressões ("bié", "bozzola" e "piriguete"), essa não é a forma de tratamento a ser dispensada pelo superior hierárquico a seus subordinados", enfatizou a desembargadora. 
Porém, a autora da ação, segundo a decisão, não conseguiu comprovar que ser colocada "na boca do caixa" era uma punição, já que as testemunhas afirmaram que havia um rodízio na função. 
"Mesmo que evidenciada a existência de cobrança de metas, cumpre destacar que 

o trabalho sob pressão é, hoje, inerente à sociedade moderna, sendo diferente a forma como cada pessoa a ela reage", explicou a julgadora, pelo que reduziu para R$ 10 mil a indenização fixada em primeira instância em R$ 25 mil por danos morais. 

Bom senso

O entendimento expressado pelo TRT segue um juízo praticamente unânime entre os advogados trabalhistas. Eles concordam que, dada a alta competitividade das empresas, é normal que se estipule objetivos claros e que se requisite sua obtenção. Fazem, porém, uma ressalva: os limites não podem ser ignorados.

As palavras-chave utilizadas para explicar a posição mudam, mas o sentido é o mesmo. A advogada Gláucia Massoni, sócia do escritório Fragata e Antunes Advogados, afirma que as metas e a cobrança devem respeitar a dignidade do trabalhador. Marcel Cordeiro, professor nas áreas Trabalhista e Previdenciária na PUC-SP, fala em "bom senso". Euclydes Marchi Mendonça, vice-presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo, lembra o princípio da razoabilidade. As palavras mudam, mas o conceito é o mesmo. 
“Uma empresa, como sofre o risco do negócio, tem o direito de fazer cobranças. No entanto, se o funcionário não as cumpre, não pode ser satirizado ou sofrer qualquer tipo de retaliação”, explica Cordeiro. “Mas ele pode, sim, ser exigido para que melhore, a fim de que alcance os fins traçados.”
Gláucia conta já ter se deparado com casos inusitados: empregados tendo de dançar “na boquinha da garrafa” por não atingir as metas, vestir roupas que rotulem o desempenho ou colocar o já corriqueiro "chapéu de burro". “Porém, para que o assédio se configure, deve-se comprovar o nexo de causalidade entre o dano e o ato lesivo praticado pelo ofensor”, esclarece. Segundo ela, a comprovação do nexo causal é importante diante do grande número de ações relativas a dano moral.
“A questão do assédio moral é alvo de exagero”, afirma Mendonça. “A simples exigência de excelência no serviço não pode ser tida como justificativa para o deferimento dessas ações, caso contrário cairemos no absurdo de privilegiar o serviço mal feito.”
Para o vice-presidente do Iasp, as decisões dos desembargadores costumam ser "bem fundamentadas", enquanto que as de juízes de primeiro grau são “genéricas”, sem se aprofundar nas provas.
Cordeiro vai na mesma direção e compara a situação atual com a de dez anos atrás, quando ações do tipo começaram a ser julgadas. “O pensamento está mais sedimentado e as empresas, também por isso, passaram a tomar mais cuidado com o que fazem.”
“A punição só é cabível se algo fora da rotina é cometido: um acidente, uma falta, o que não for desejado”, explica Mendonça. “O incentivo deve vir pelo prêmio, não pela punição.”
O mesmo vale para demissão por justa causa, diz Cordeiro. “Ela só é possível se o descumprimento da meta estiver permeado por desídia, isso é, a falta de interesse que traz prejuízo à empresa”, alerta.
Clique aqui para ler a decisão. 

Reportagem de Ricardo Zeef Berezin
foto:coisas-da-cris.blogspot.com

A origem da crise: Corrupção e nepotismo assustam o sul da Europa


Empregos para os amigos, contratos para os parentes, distribuição de dinheiro: é assim que funciona a política na Sicília (foto acima). Agora, a ilha está em vias da falência. É um exemplo do problema que aflige muitas partes dos países sul-europeus atualmente com dificuldades para conter a crise do euro.
Marcello Bartolotta, cirurgião da cidade de Messina, na Sicília, tirou a sorte grande. Ele acaba de assumir um assento no parlamento regional, como substituto de um parlamentar de seu partido que morreu recentemente. A assembleia entrará em recesso em outubro, antes das eleições regionais. Isso, porém, não é um problema para Bartoletta. Afinal, para participar das próximas três ou quatro sessões que restam até lá, ele vai receber cerca de 40 mil euros (em torno de R$ 100 mil), além da ajuda de custo.
Isso, porém, se a Sicília não falir antes. E há chances de isso acontecer.
Os 89 colegas legisladores de Bartolotta e seus 400 assistentes já foram informados de que seus salários de julho não serão depositados pontualmente. Os “Onorevoli”, ou “honoráveis”, como os parlamentares italianos se denominam, estão em pé de guerra diante do anúncio, e o Palazzo Reale, onde a assembleia se reúne, ecoou os gritos de “Queremos nosso dinheiro!” Ainda assim, os próprios parlamentares contribuíram significativamente para o sofrimento financeiro da Sicília.
O problema não é apenas que eles recebem mensalmente um salário líquido de 10 mil a 15 mil euros --mais do que os membros da Assembleia Nacional em Roma-- sem trabalharem muito. A assembleia raramente se reúne, e a produção em geral é bastante baixa. O fato de quase um terço dos honoráveis terem ficha criminal, estarem sendo processados ou estarem sob investigação é no máximo, uma mácula. O verdadeiro problema está no que eles vêm fazendo: a classe política na Sicília, que é semiautônoma, vem distribuindo cargos e dinheiro tão generosamente que a região está em risco de colapso financeiro.

Cargos públicos

Os políticos se provaram particularmente adeptos em criar cargos no serviço público para seus amigos. Hoje, cerca de 144 mil sicilianos recebem seus salários do Estado e um em cada oito exerce função de chefia de alguma coisa. Muitas repartições estão cheias de pessoas que não têm a menor ideia do que deveriam estar fazendo.
No que concerne à criação de empregos, os políticos sicilianos demonstraram criatividade impressionante. Cerca de 27 mil pessoas, por exemplo, protegem a escassa mata da ilha, muito mais do que a província canadense da Columbia Britânica emprega para cuidar de suas extensas florestas.
A Sicília, em teoria, tem direito a 20 bilhões de euros de financiamento da União Europeia desde 2000, mas apenas uma fração desse dinheiro foi retirada. A região não executou muitos projetos aprovados pela União Europeia, e a maior parte do dinheiro que conseguiu sacar foi perdida. Pontes sem estradas de acesso e represas sem água são testemunhos dos escândalos.
Quando a Sicília tentou financiar bares e encenações de Natal com fundos da União Europeia, Bruxelas interrompeu o pagamento de 600 milhões de euros. Agora, a ilha não sabe o que fazer. Alarmado com a dívida de 21 bilhões de euros acumulada pela Sicília, o primeiro-ministro italiano, Mario Monti, quer despachar um inspetor para a região e exigiu a renúncia do presidente da Sicília, Raffaele Lombardo. O governo siciliano respondeu que Roma deve dar o dinheiro e se manter de fora ou enfrentar uma “guerra civil”.

A Sicília é a “Grécia da Itália”

Comentando o desastre, o jornal romano “La Repubblica” disse que a Sicília estava virando uma “Grécia da Itália”. De fato, as práticas gregas (ou sicilianas) são encontradas em todos os países sul-europeus que estão tendo dificuldades nesta crise de dívida. Dentre elas está o uso de empregos públicos como munição de campanha eleitoral, contratos lucrativos para amigos e financiadores do partido e corporativismo político, com acordos feitos para benefício mútuo. O verdadeiro problema do sul não é a crise econômica e financeira --é a corrupção, o desperdício e o nepotismo.
É claro que países como Alemanha e Holanda também têm exemplos de incompetência na administração, morosidade na justiça e políticos interessados somente em preservar seu próprio poder. Mas tais problemas não tendem a ser sintomáticos. Talvez atrapalhem a administração do país e custem muito dinheiro, mas não destroem a fundação do Estado.
A história é diferente em muitas regiões do sul da Europa. Funcionários, comerciantes e pequenos empresários muitas vezes têm que passar mais tempo se defendendo contra ditames burocráticos sem sentido do que trabalhando em seus negócios. Até mesmo a empresa mundial Ikea teve que passar seis anos negociando com autoridades municipais e regionais antes de obter a permissão para abrir uma loja de móveis perto da cidade toscana de Pisa.
A extensão da corrupção e do desperdício que se vê em partes do sul seria considerada intolerável ao norte dos Alpes. Na prática, a máfia é aceita na Itália. A Cosa Nostra na Sicília, a Camorra em Nápoles e a ‘Ndrangheta na Calábria, juntas, movimentam mais de 100 bilhões de euros por ano. A ONG SOS Impresa estima que elas lucraram 70 bilhões em 2011. Isso torna a máfia a maior empresa da Itália, muito acima da estatal do petróleo ENI, com movimento de 83 bilhões de euros e 4 bilhões de lucro.

A máfia é aceita

A máfia controla partes da coleta de lixo, da indústria de transporte e de laticínios e constrói estradas sob contratos públicos. O sistema de contratação pública se presta a todo tipo de fraude. Mas não está sendo modificado. Empresas que obtêm um contrato para construir uma seção de uma estrada por 100 milhões de euros o vendem por 90 milhões --sem levantarem um dedo. Os compradores passam para uma terceira empresa por 80 milhões de euros. E assim por diante. No final, alguém constrói a estrada que deveria custar 100 milhões de euros por apenas 10 milhões --e o resultado é correspondentemente insatisfatório.
Um claro exemplo disso é a estrada A3, de Salerno para Reggio Calabria, no sul da Itália. A construção começou em 1962 e praticamente cada quilômetro foi construído por uma empresa diferente. Quando a estrada por fim foi terminada, em 1974, que surpresa, não tinha acostamento. Depois de mais de 20 anos de debate, os trabalhos de renovação começaram em 1997, e a A3 agora deve ser terminada até 2017. Os custos de construção devem ser dez vezes maiores do que o planejado. Contudo, não há sinal de revolta nacional ou de consequências políticas.
O nepotismo originou-se nos Estados papais e se espalhou rapidamente. Em torno do Mediterrâneo ainda é considerado normal atrair eleitores oferecendo licenças, entregando empregos ou oferecendo alívio fiscal. Na Sicília, se você tiver os amigos certos, pode até construir sua casa no Vale dos Templos perto de Agrigento, considerado Herança Mundial pela Unesco.

Sem amigos em altas posições, o cidadão está perdido

Mas, se você não tiver os amigos certos, será um perdedor. Esse é o destino de alguns dos cidadãos representados pelo novo parlamentar Bartolotta, em Messina.
Enquanto ele poderá viajar de primeira classe para Palermo no futuro, cerca de 3.000 famílias em seu bairro terão de se contentar com moradias primitivas, com telhados de ferro ou telhas de amianto, muitas sem água corrente.
Essa favela originou-se depois do terremoto de 1908, e mais barracos foram erguidos depois dos bombardeios aéreos da Segunda Guerra Mundial. Os barracos mais recentes vieram depois dos deslizes de terra e das enchentes dos últimos anos. Muitas pessoas perderam suas casas e simplesmente não sabiam para onde ir.
Então terminaram em uma favela. Os políticos em geral oferecem ajuda fácil toda vez que as equipes de televisão aparecem, de fato. No dia seguinte, ninguém fala mais nada sobre ajuda, e as vítimas do desastre simplesmente voltam a ser esquecidas --porque não têm os amigos certos e conexões.
Elas não recebem um único euro dos amplos fundos disponíveis da União Europeia.

Reportagem de Hans-Jürgen Schlamp
Tradutor: Deborah Weinberg

foto:turismo.inatel.pt


Cliente ganhará produto se encontrar um com prazo vencido no RJ


O Procon do Rio de Janeiro, em parceria com a Associação de Supermercados do Estado do Rio de Janeiro (Asserj) e com o Núcleo de Defesa do Consumidor da Defensoria Pública, assinou ontem (30/7), acordo que garante ao consumidor o direito de receber gratuitamente outro produto caso encontre nos estabelecimentos mercadorias com o prazo de validade expirado. Se não existirem mais unidades do item, ele deverá receber outro que seja equivalente.
De acordo com a secretária municipal de defesa do consumidor, Solange Amaral, a campanha “Todos de Olho na Validade” é uma forma de alertar sobre a importância de se verificar a validade dos produtos. “A iniciativa faz com que os supermercados zelem para não ter dentre as suas prateleiras quaisquer produtos, especialmente alimentícios, que estejam vencidos”, disse.
Cerca de 500 lojas que integram as redes de supermercado participarão da campanha em todo o município, que começará a valer a partir do dia 15 de agosto.
“Essa é uma conquista significativa, porque vai educando o consumidor para questões de defesa de sua saúde e, ao mesmo tempo, amplia o compromisso que o comércio e os fornecedores de alimento têm com os cidadãos”, concluiu Solange.

foto:maonaterra.blogspot.com

“Internet mudou modo como humanidade colabora entre si”, diz fundador do Partido Pirata


O fundador do Partido Pirata sueco – o primeiro a ser criado no mundo, em 2006 – , Rick Falkvinge (foto acima), esteve em Porto Alegre na semana passada para participar da 13ª edição do Fórum Internacional do Software Livre. Para o ativista, a internet modificou a forma como a humanidade colabora entre si e os políticos ainda não conseguiram assimilar essa realidade.
“Eles pensam que entendem a internet, mas não entendem. Vai ser preciso que uma nova geração chegue ao poder para realmente começar a utilizar a internet para o bem das pessoas”, disse o líder dos piratas em entrevista ao site Sul21 após a sua palestra no evento.
Rick conta que resolveu fundar o Partido Pirata para politizar temas ignorados pela política tradicional, como a liberdade na internet e o compartilhamento de arquivos e de conhecimento entre os usuários da rede. “Eu comecei a perceber que somente o ativismo não iria fazer diferença. Percebi que era preciso tornar isso uma questão pessoal para os políticos, ou eles jamais iriam se importar”, comenta.
Nesta entrevista, o fundador do Partido Pirata também fala sobre a importância do Brasil no debate sobre a liberdade na internet e os perigos por trás do discurso da indústria do copyright.

Sul21 – Por que o senhor resolveu criar um partido político? Hoje em dia a política tradicional e suas instituições, os partidos, estão bastante desacreditados. Muitas pessoas não enxergam nessas instâncias a solução para os problemas de um país.

Rick – Em 2005 eu estava me frustrando cada vez mais com a desatenção que os políticos davam a problemas como a privacidade na internet e a cultura do compartilhamento de conteúdos e de conhecimento. Eram assuntos discutidos no trabalho, no cafezinho, nos jantares em família, nas universidades, e, ainda assim, os políticos não percebiam isso. Ao mesmo tempo, tínhamos ativistas muito bem sucedidos que conseguiam problematizar esses temas na mídia. Mas eu comecei a perceber que somente o ativismo não iria fazer diferença. Percebi que era preciso tornar isso uma questão pessoal para os políticos, ou eles jamais iriam se importar. Originalmente, fundar o partido foi apenas uma maneira de pautar esses assuntos para os políticos, ameaçando o trabalho deles ao expor o desconhecimento que tinham sobre esses temas. Eu pensava que se eles começassem a assimilar essas questões, eu poderia voltar à minha vida normal. E não foi bem assim que aconteceu. É preciso desafiar os políticos nas eleições para pautarmos essa agenda. Isso pegou os políticos tradicionais completamente de surpresa.



Sul21 – É possível mudar o modo tradicional de se fazer política sendo parte deste ambiente?

Rick – Essa é uma questão fundamental para entender por que o Partido Pirata tem tido tanto sucesso. Estamos levando a cultura da internet, onde as pessoas simplesmente falam com quem quiserem, para a política. Isso tem muito apelo entre as pessoas, pois elas percebem que podem simplesmente vir falar com a gente e serão ouvidas. Elas não podem ser ouvidas nos partidos tradicionais. E nós não nos vemos como políticos, nem a população nos vê assim. Nós nos vemos como cidadãos que lutam pelas liberdades civis e nos quais as pessoas podem votar no dia das eleições. Claro que, uma vez que nós nos candidatamos, somos, por definição, políticos. Mas estamos expandido o espectro político de uma forma tão vasta que ainda temos algumas crises de identidade, porque conhecíamos a política de uma forma e agora não é mais assim, porque nós a modificamos.



Sul21 – O Partido Pirata se considera uma organização de esquerda, de centro ou de direita?

Rick – Essas palavras não se encaixam no partido. Com outros grandes movimentos políticos que surgiam, também faziam essa pergunta e sempre diziam que esses rótulos não serviam. Foi assim quando o partido trabalhista surgiu. Eles diziam que não eram conservadores ou liberais, mas trabalhistas. O mesmo ocorreu com o movimento dos verdes, que se diziam sustentáveis. Nós do Partido Pirata não somos liberais, conservadores, trabalhistas ou sustentáveis. Somos tudo o que a internet traz para potencializar a existência humana.



Sul21 – Quando o senhor fundou o partido, acreditava que essa ideia pudesse se espalhar pelo mundo?

Rick – Eu tinha certeza que iria se espalhar, mas fui pego de surpresa pela velocidade com que isso aconteceu. Eu tinha feito os cálculos, sabia que poderíamos ser vitoriosos na Suécia. Meu palpite era que teríamos 225 mil votos. Nós conseguimos 225,915 mil votos. Essa precisão toda foi um pouco de sorte, claro, mas eu imaginava que precisaríamos vencer na Suécia primeiro, antes nos espalharmos pelos outros países. Era preciso mostrar que essa ideia podia prosperar e então outros fariam o mesmo. Tivemos cinco partidos piratas na primeira semana de existência do nosso partido. Aparentemente, era preciso somente que alguém dissesse: “É preciso politizar esses assuntos”.



Sul21 – E qual a influência que o partido está tendo sobre os políticos da Suécia?

Rick – Não há nada que faça os políticos prestarem mais atenção a uma questão do que o risco de perder votos. Se você faz os políticos perderem votos por causa de questões como liberdades civis na internet, então eles começarão a ligar para isso. Ao conseguirmos votos e, mais do que isso, assentos nos parlamentos, todo o espectro político se volta para a nossa direção, pois os partidos tradicionais querem evitar a perda de mais votos para nós. É assim que a política funciona e é uma maneira muito eficiente de se mudar os rumos de um país.




Sul21 – Os governos vêm utilizando a internet da forma mais adequada em suas políticas públicas?

Rick – Infelizmente, ainda há muito a ser feito nesse aspecto. Muitos problemas vêm do fato de que os políticos no poder não entendem realmente o que é a internet. Em muitos países, eles têm seus e-mail impressos por suas secretárias. Eles pensam que entendem a internet, mas não entendem. Vai ser preciso que uma nova geração chegue ao poder para realmente começar a utilizar a internet para o bem das pessoas. Mas uma coisa é bem clara: isso irá possibilitar uma nova era na participação popular. A internet mudou o modo como a humanidade colabora entre si enquanto espécie.



Sul21 – O senhor é um entusiasta do papel do Brasil nos debates relacionados à internet. Por que?

Rick – Os Estados Unidos e a União Europeia estão muito preocupados em impedir a inovação e a criatividade. Eles chamam isso de “proteger empregos”. Proteger empregos que são obsoletos não ajuda a economia, os cidadãos e os empresários. Se analisarmos as cinco maiores economias emergentes, veremos que o Brasil tem a posição mais avançada no entendimento da importância do software livre, de uma internet livre e de um governo transparente e colaborativo. A Rússia tende a reprimir os discursos livres para coibir dissidências internas. A China tende a copiar a estrutura monopolista dos Estados Unidos e a também reprimir as manifestações internas. E na Índia, os lobbys têm tido bastante sucesso em tornar o país suscetível aos monopólios. O Brasil não caiu nessa armadilha e está indo numa outra direção. Acredito que o Brasil pode estar muito próximo de atingir um ponto ideal que possibilite uma reação em cadeia na geopolítica global a favor da internet como um instrumento livre.



Sul21 – Na sua avaliação, o monopólio do copyright não é um problema financeiro, mas de liberdade individual.

Rick – Com os canais de comunicação digital, podemos enviar mensagens, chamadas telefônicas, e-mails, etc. E podemos usar esses canais também para enviar músicas e filmes uns aos outros. Isso significa que a única forma de o monopólio do copyright proibir isso seria acessar todos os dados que circulam entre os computadores pela internet. Para poder classificar algo como legal ou ilegal, seria preciso verificar todas as mensagens enviadas entre os usuários. Estamos numa encruzilhada. Ou se proíbe a comunicação privada enquanto um conceito, ou nós, enquanto sociedade, manifestamos que o conceito de comunicação privada é muito mais importante do que o monopólio de distribuição de indústria do entretenimento.



Reportagem de Caue Seigne Ameni
fonte:http://ponto.outraspalavras.net/2012/07/30/partido-pirata-internet-refundara-politica/
foto:informatizado.com.br

30/07/2012

Na China, cresce a pressão contra a lei do filho único


Pan Chunyan foi pega em sua mercearia quando estava grávida de quase oito meses de seu terceiro filho. Homens que trabalhavam para uma autoridade local a prenderam com duas outras mulheres e, quatro dias depois, a levaram para um hospital, onde a forçaram a colocar sua impressão digital em um documento, dizendo que ela concordava com o aborto. Uma enfermeira então injetou uma droga em seu corpo.
 
“Após receber a injeção, todos os capangas desapareceram”, disse Pan, 31, em uma entrevista por telefone de sua casa, na província de Fujian, no sudeste. “Minha família estava comigo de novo. Eu chorei e esperava que o bebê sobrevivesse.”
 
Mas, após horas de trabalho de parto, o bebê nasceu morto em 8 de abril, “todo preto e azul”, disse Pan.
 
Os recentes relatos de mulheres sendo coagidas pelas autoridades locais a realizar abortos em estágios avançados de gravidez colocaram a política de controle populacional da China em destaque e provocaram protestos entre conselheiros de políticas e acadêmicos, que pressionam as autoridades do governo central a mudar ou derrubar uma lei que penaliza as famílias por terem mais de um filho.

A pressão para alterar a política também cresce em outras frentes, à medida que os economistas dizem que o envelhecimento da população chinesa e o encolhimento da oferta de mão de obra barata e jovem será um fator significativo na redução da taxa de crescimento econômico do país.
 
“Um envelhecimento da população em idade de trabalhar está resultando em escassez de mão de obra, em uma economia menos inovadora e menos vibrante e em um caminho mais difícil para uma atualização industrial”, disse He Yafu, analista de demografia. A população de 1,3 bilhão da China é a maior do mundo, e o governo central ainda parece focado em limitar esse número por meio da política de um só filho, disse He. A abolição da política do filho único, entretanto, pode não bastar para aumentar a taxa de natalidade a um nível “saudável” por causa de outros fatores, ele disse.
 
Além do debate sobre a própria lei, os críticos dizem que a fiscalização do cumprimento da política leva a abusos, incluindo abortos forçados, porque muitos governos locais recompensam ou penalizam as autoridades com base em quão bem elas mantêm a população sob controle.
 
A julgar pela conversa nos microblogs por toda a China e artigos nos jornais estatais sobre os casos de abortos forçados, a política de um só filho está sendo questionada mais amplamente do que em anos recentes. No mês passado, ela foi duramente criticada por um grupo de acadêmicos e ex-altos conselheiros de políticas em um fórum na Universidade de Pequim, co-organizado pelo Birô Nacional de Estatísticas para discutir os resultados do censo de 2010. Os acadêmicos no encontro ficaram ultrajados com o caso de Feng Jianmei, uma vítima de aborto forçado em estágio avançado de gravidez no início de junho, que se tornou de amplo conhecimento após fotos de seu feto morto de 7 meses terem sido postadas na internet por um parente.
 
“Eu acho que o direito de ter filhos é um direito do cidadão”, disse Zhan Zhongle, um professor de direito da Universidade de Pequim que enviou uma petição assinada por acadêmicos e líderes empresariais ao Congresso Nacional do Povo, pedindo aos seus membros para derrubarem a lei.
 
As autoridades realizaram mudanças na política ao longo dos anos e, segundo uma estimativa, agora há pelo menos 22 formas pelas quais os pais podem se qualificar a exceções na lei. Mas a maioria dos adultos permanece restringida por ela e não há sinal de que seu fim esteja sendo estudado. O Congresso Nacional do Povo, um legislativo que apenas confirma as leis, dificilmente acatará a petição de Zhan sem apoio dos escalões mais altos do Partido Comunista.
 
Ainda assim, algumas ex-autoridades e acadêmicos que foram chave na elaboração da lei original estavam presentes no fórum, aumentando as esperanças entre os críticos de longa data de que as preocupações seriam ouvidas pelos membros da Comissão Nacional para População e Planejamento Familiar.
 
A crise diplomática de meses atrás em torno de Chen Guangcheng também provocou mais atenção à política. Chen, um advogado autodidata que recentemente escapou da prisão domiciliar e partiu para Nova York, talvez seja o defensor mais famoso das mulheres forçadas a aborto e esterilização; o trabalho dele provocou a ira das autoridades locais, e o governo central ignorou a perseguição que ele sofreu na província de Shandong.
 
Não há estimativas confiáveis sobre o número de esterilizações e abortos forçados, mas não parece ser tão desenfreado quanto há uma década ou duas. Ainda assim, os casos recentes mostram que a fiscalização excessivamente zelosa da política de um só filho continua sendo um problema. A “Xinhua”, a agência de notícias estatal, noticiou que forçar mulheres grávidas no terceiro trimestre a abortar é ilegal.
 
Além das preocupações de advogados e defensores de direitos humanos, economistas e líderes empresariais expressaram ansiedade diante do impacto da queda da taxa de crescimento da população sobre a economia. Liang Jianzhang, um conhecido executivo com diploma de doutorado em economia pela Universidade de Stanford, e Li Jianxin, um demógrafo da Universidade de Pequim, estimaram que, até 2040, o número de chineses com mais de 60 anos seria de 411 milhões, em comparação aos atuais 171 milhões. A população em idade de trabalhar --pessoas de 20 a 60 anos de idade-- cairia dos atuais 817 milhões para 696 milhões.
 
O censo nacional de 2010 mostra que a taxa média de natalidade por lar chinês é de 1,181; ela é mais baixa nas zonas urbanas e maior nas zonas rurais. Há alguns estudos, incluindo um experimento de longo prazo em um condado na província de Shanxi, onde a lei de planejamento familiar foi suspensa, mostrando que as famílias não teriam mais filhos mesmo se a lei fosse abolida. Acadêmicos dizem que os motivos são a rápida modernização e um deslocamento em massa para as zonas urbanas --os pais frequentemente dizem que não podem arcar em ter mais que um filho --ou talvez dois. Isso significa não apenas que a política do filho único pode não mais ser necessária, mas também que seu abandono não necessariamente beneficiaria a economia.
 
Apesar de mais debate poder ocorrer, a comissão de planejamento familiar continua defendendo a política de um só filho. Ela realizou uma conferência semestral na quinta-feira e, em seguida, postou uma declaração em seu site, elogiando a política como tendo evitado 400 milhões de nascimentos desde que foi adotada em 1980.
 
Desde os anos 80, as autoridades locais que fracassavam em cumprir um padrão estabelecido de controle do crescimento da população costumavam ser penalizadas em suas avaliações para promoção, independentemente de quão bem se saíssem em outras categorias.
 
Mayling Birney, uma acadêmica da Escola de Londres de Economia e Ciência Política que está estudando o sistema de avaliação, afirma que muitas das autoridades locais dizem que a cota de controle da população continua sendo um dos principais critérios para o veto de promoções e tão importante quanto a meta de manutenção da estabilidade e de crescimento da economia local. “Essa pressão realmente vem do governo central”, ela disse. “As ações das autoridades de escalão mais baixo são provocadas pela forma com as autoridades superiores as recompensam e punem.”
 
Alguns sites de governos municipais que apresentam as metas para as autoridades listam o controle populacional como uma prioridade. Em um levantamento realizado por Birney no ano passado, algumas autoridades disseram que podem receber um alerta, serem multadas ou até mesmo afastadas do cargo se não cumprirem as metas de planejamento familiar.
 
Esse é o caso na cidade de Daji, disse Pan, a mulher forçada a realizar um aborto em estágio avançado de gravidez em abril.
 
Pan, uma moradora de Daji, disse que Ma Yuyao, o chefe da comissão de planejamento familiar da cidade, “marca pontos para promoção” ao manter a população baixa. Muitos pais dispostos a pagar a multa de US$ 7.200 por um terceiro filho ainda são coagidos ou forçados a realizar o aborto para assegurar que as metas sejam cumpridas, disse Pan. Daji é uma área rural, e os casais aparentemente são autorizados a ter dois filhos sem serem penalizados.
 
O marido de Pan, Wu Liangjie, disse que o casal deu US$ 8.700 a Ma, como ele exigiu, mas Ma ainda assim ordenou o aborto. Ma não foi encontrado para comentário. Uma mulher que atendeu ao telefone na sede do governo municipal disse que as autoridades não comentariam.
 
Wu viajou para Pequim várias semanas atrás para pedir orientação de advogados para abrir um processo. Mas, na semana passada, nem ele nem Pan atenderam aos seus celulares, aumentando as suspeitas de que a autoridade de Daji os intimidou.
 
Pan disse anteriormente que homens começaram a segui-la depois que as fotos dela no hospital foram postadas na internet por simpatizantes. Quanto ao futuro, ela disse que ela e seu marido não planejam ter outro filho de novo. “Nós dois sentimos como se tivéssemos quase morrido”, disse Pan, “ou como se tivéssemos perdido metade de nossas vidas”.
 


Mia Li contribuiu com pesquisa
Tradutor: George El Khouri Andolfato

foto:correiodemocratico.com.br

Ciência Sem Fronteiras suspende bolsa de 25 alunos

O programa Ciência Sem Fronteiras, uma das apostas do governo federal para a formação de pesquisadores, decidiu não renovar as bolsas de estudo de pelo menos 25 estudantes que estão no exterior, forçando-os a abandonar suas pesquisas. O grupo teve indeferida a renovação das bolsas para o próximo semestre sem explicação e pede, em um abaixo-assinado, que a situação seja reavaliada.

As bolsas foram concedidas inicialmente por seis meses, com a possibilidade de renovação por mais um semestre prevista no edital. O período de permanência de 12 meses é indicado como mínimo para o bom aproveitamento do intercâmbio. O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), responsável pelo programa, não explicou por que não houve a renovação e não informou quantos alunos tiveram seus pedidos indeferidos.
Lançado com pompa pela presidente Dilma Rousseff em julho de 2011, o programa tem a meta de oferecer 101 mil bolsas de graduação e pós-graduação até 2015, sendo 75 mil bancadas pelo governo federal. As demais virão de parcerias privadas.
Os 25 bolsistas estão em instituições de países como Inglaterra, Alemanha, Bélgica, Espanha, Canadá e Portugal. Eles tentam a renovação desde maio, contudo, alegam que só recebem informações desencontradas. Primeiro, receberam orientações sobre os documentos necessários, mas depois a informação era de que não havia nenhuma possibilidade de renovação. Em algumas mensagens, o indeferimento era uma decisão de instâncias superiores do CNPq. Em outros e-mails, a culpa era do limite de bolsistas por país.
A estudante de Arquitetura Caroline Oliveira, de 21 anos, crê que sua documentação nem foi analisada. Aluna da Universidade Federal do Paraná (UFPR), conseguiu por meio do Ciência Sem Fronteiras um intercâmbio na Technische Universitäat em Munique, Alemanha. Entregou toda a documentação no prazo, mas teve o pedido negado. "A universidade nem imagina que eu posso ter de abandonar. Estou em um projeto grande, com pesquisadores de vários países. Vou atrasar o trabalho deles", lamenta. 
A pesquisa de Yara Barros, de 21 anos, é sobre genética humana, em um dos laboratórios da Universidade de Coimbra, em Portugal. "Como não sei mais se vou ficar, está a maior correria. Estou tentando adiantar, porque ainda não tenho finalizada a parte experimental. Enquanto estão todos de férias, estou trabalhando, mas é certo que a pesquisa vai ficar incompleta", diz ela, estudante da Universidade Federal de Alagoas (Ufal).
Abaixo-assinado - Depois de várias tentativas de renovar a bolsa e salvar os estudos, o grupo de 25 estudantes preparou um abaixo-assinado. Eles encaminharam o documento ao CNPq em junho. Mais uma vez, a resposta foi negativa. Até o momento, foram concedidas 10.752 bolsas de graduação sanduíche no exterior. Até o fim do ano, há a expectativa de que sejam concedidas 20 mil bolsas.
Após o caso ser encaminhado ao CNPq pela reportagem, o diretor de Cooperação Institucional do órgão, Manoel Barral Neto, responsável pelo Ciência Sem Fronteiras, disse que a situação dos estudantes será reavaliada. O CNPq afirma que o programa é baseado no mérito dos alunos e das instituições, principalmente na hora da renovação - mas não detalhou como isso é avaliado. Segundo Barral Neto, algumas mudanças na relação com as instituições para a definição de vagas interromperam temporariamente as renovações. "A tendência é conceder uma experiência de 12 meses. Mas em alguns casos pode se identificar alguma situação que não seja adequada", disse.
Com todas as negativas que recebeu, Glaucia Oliveira, de 27 anos, já se afastou da pesquisa de que participava no laboratório do Departamento de Geoquímica, Petrologia e Prospecção Geológica da Universidade de Barcelona. Também comprou passagem para voltar.

foto:educationuk.org

“O tributo tem de ser distribuidor de riqueza”


"Quanto custa o Brasil para você?" O "você" em questão é você mesmo, leitor, cidadão e contribuinte. A pergunta foi feita em março, como slogan, pela campanha anual da Justiça Fiscal promovida pelo Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional, o Sinprofaz. Desde 2009, coincidindo propositalmente com a época do ano em que brasileiros costumam correr para finalizar a declaração do Imposto de Renda, o Sinprofaz tem empreendido um esforço na direção do que qualificam como “educação fiscal” do cidadão brasileiro.
O mascote da campanha anual é uma formiguinha, carregando com dificuldade, nas costas, um pesado cubo inscrito com siglas como ICMS, PIS, IPVA, ITR, Cide, IR, IPI, IOF, Confins, CSLL, entre outros. A campanha, em todas suas edições, tem lançado um apelo sobre a necessidade de reformas no sistema tributário do Brasil, que, apesar da massiva arrecadação de tributos, está entre as 12 nações mais desiguais do planeta e amarga a 70ª posição na aferição do Índice de Desenvolvimento Humano em um grupo de 177 países.
O esforço vem justamente do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda, que representa agentes que se ocupam da cobrança dos créditos tributários da União. Para o órgão, pensar em mudanças no sistema tributário não está dissociado de combater  a sonegação. Segundo eles, a injustiça social e a ausência de contraprestação estatal não justificam a sonegação. Pelo contrário, podem ser corrigidas justamente pelo pagamento de tributos. “O pagamento do tributo tem de funcionar como gerador e distribuidor de riqueza”, defende o procurador da Fazenda Nacional Allan Titonelli Nunes, presidente do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz) e também do Fórum Nacional da Advocacia Pública Federal.
Em entrevista à revista Consultor Jurídico, Titonelli afirmou que não é possível pensar em corrigir as mazelas sociais do país sem pensar antes na reformulação do sistema tributário. “Temos que refletir sobre isso se pretendemos ter um país que realmente alimente uma ideia de Justiça social.”
Da realização da Campanha Nacional da Justiça Fiscal, em março, até aqui, o Sinprofaz tem se ocupado também de mobilizações em favor do que qualificam como “descaso do governo federal” com as carreiras do sistema da Advocacia-Geral da União, que cobre as funções de procurador da Fazenda Nacional, procurador federal, advogado da União e procurador do Banco Central. “Cada real investido nos últimos dez anos na Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) dá em torno de R$ 175 de recuperação no total. A PGFN se paga em 19 dias de trabalho”, disse Allan Titonelli, durante a entrevista, defendendo investimentos estruturais para que a PGFN possa exercer seu papel.
Titonelli é crítico da proposta de nova lei orgânica da AGU, que dispõe que os cargos de chefia nas consultorias não são exclusivos dos membros das carreiras da AGU. Ele advoga contra a iniciativa de se tratar honorários sucumbenciais como receita pública, reclamando a titularidade dos honorários advocatícios como direito legal e essencial dos agentes da advocacia pública em contencioso onde a Fazenda saia vencedora.
Sobre a questão do tributo como instumento de correção de injustiças sociais, Titonelli defende que a mudança de foco do modelo de tributação sobre o consumo para um modelo que incida sobre a renda e patrimônio pode levar a um primeiro e decisivo passo para transformar a política tributária brasileira. “Só assim poderemos promover um crescimento econômico e social equânime”, insiste.
Leia os principais trechos da entrevista:
ConJur — Em março, o Sinprofaz realizou mais uma edição da Campanha Nacional da Justiça Fiscal. O tema do combate à sonegação é pouco simpático para o contribuinte em geral. O esforço é convencer o contribuinte que, apesar da alta taxa de arrecadação e da ausência de contraprestação, ainda assim a sonegação não se justifica? 
Allan Titonelli Nunes — A campanha surgiu em 2009, fruto de um posicionamento crítico que a carreira tem tido em relação ao próprio governo federal, com a administração tributária como um todo, por conta de que, às vezes, muitos problemas do sistema tributário acabam recaindo em ações judiciais. Em certo aspecto, o procurador verifica que muitos cidadãos, muitas empresas deixam de pagar tributo pela complexa realidade tributária que enfrentamos. Verificamos que há boa fé, há boa vontade, mas erros ocorrem no pagamento ou na elaboração de uma declaração.

ConJur — Nesse caso, não há sonegação ativa.
Allan Titonelli Nunes — Exato. Somado a isso, há uma realidade que temos no país de questionamento quanto à carga tributária em relação ao PIB. Hoje, a carga tributária corresponde a 36% do PIB, o que acaba gerando uma grande concentração de renda, pelo aspecto de a dinâmica tributária ser incidente essencialmente sobre o consumo. Esse posicionamento crítico acabou se exteriorizando através da campanha, que vem com o mote da Justiça fiscal. E a ideia foi criar um dia, uma semana para debater e refletir sobre esses problemas do sistema tributário nacional como um todo, principalmente no que tange à educação fiscal, a reforma tributária e combate à sonegação.

ConJur — A escolha do mês de março não é aleatória, certo?
Allan Titonelli Nunes — Sim, é a época em que o cidadão tem essa sensação imediata de quanto ele está pagando de tributo como um todo. O Imposto de Renda é um tributo que atende muito a diversos princípios que entendemos como justificador da Justiça fiscal. A questão da seletividade, por exemplo. E também por ser um tributo sobre patrimônio, sobre a renda especificamente, o que traz mais Justiça.

ConJur — A intenção é sensibilizar o Poder Legislativo?
Allan Titonelli Nunes — Sem dúvida. Há uma série de exemplos nefastos que identificamos. Por exemplo, a questão da extinção da punibilidade pelo pagamento ou parcelamento do tributo. Até o período Collor, não se extinguia a punibilidade pelo pagamento ou parcelamento do tributo. Agora, com as mudanças nas leis, há um outro conceito da extinção de punibilidade. Isso é, só haveria exclusão da punibilidade do crime tributário se a pessoa parcelasse ou pagasse o tributo até o oferecimento da denúncia. Depois, já não se teria essa possibilidade. Hoje, há previsão. Só que há um julgamento no Supremo para definir essa questão ainda, a questão da constitucionalidade. Um outro problema na esfera da sonegação envolve as empresas internacionais quando se instalam no país. Como não é obrigatório que elas informem o quadro societário completo, mas somente que tenham um representante legal no país, ocorre que muitas empresas de paraísos fiscais se instalam por aqui, deixando de pagar tributo. Aí não adianta querermos inscrever em dívida ativa porque, na verdade, é uma empresa fictícia, e não vai ter como fazer o redirecionamento da execução fiscal para aqueles que são os reponsáveis. Isso gera concorrência desleal e desemprego. Apresentamos um projeto de lei ao deputado federal Paulo Rubem (PDT-PE) que iguala as empresas nacionais às empresas estrangeiras. As empresas estrangeiras teriam os mesmos deveres que as empresas nacionais.

ConJur — A campanha parece focar mais em mudanças pontuais do que no apelo à reforma tributária mais ampla.
Allan Titonelli Nunes — Na verdade, falamos em reforma tributária, mas com a consciência dos problemas do federalismo brasileiro, principalmente das competências tributárias que são divididas na União, estados e municípios. Pautamos propostas que simplifiquem o sistema tributário. E uma das metas é justamente que o sistema tributário saia da incidência do consumo e vá para o patrimônio, modelo adotado pela maioria dos países desenvolvidos.

ConJur — Como impor educação fiscal a um contribuinte que arca com uma das maiores cargas tributárias do mundo e não dispõe de contraprestação por parte do Estado à altura do que paga? 
Allan Titonelli Nunes — Na verdade, a sociedade hoje não repugna a sonegação. A ideia é: “Nossa carga tributária é alta, a contraprestação estatal é pequena, então sonegar faz parte do jogo.” Combatemos essa distorção porque o cidadão comum é muito mais penalizado do que diversos outros segmentos da sociedade. O cidadão comum, de baixa renda principalmente, consumindo praticamente toda sua remuneração, aquele que ganha até dois salários mínimos, paga cerca de 50% de sua renda em tributos. Quem ganha acima de 30 salários mínimos paga cerca de 20% da sua renda em tributos. Então, temos que refletir sobre isso, se pretendemos ter um país que realmente alimente uma ideia de Justiça social.

ConJur — E a contrapartida a essa premissa seria...
Allan Titonelli Nunes — Quem tem mais, paga mais. E se todo mundo pagar, todos pagarão menos, criando a possibilidade de se diminuir a carga tributária. Esses são dois pontos que exploramos.

ConJur — É possível pensar nisso sem a perspectiva de uma reforma tributária?
Allan Titonelli Nunes — O mote da reforma tributária sempre é trazido por todos os governos, principalmente nos dois primeiros anos de gestão. O FHC encaminhou um projeto, o Lula encaminhou um projeto e a Dilma também acena na mesma direção. Como procuradores da Fazenda Nacional e como debatedores e estudiosos do assunto, marcamos a posição de que existe a relação entre a necessidade da reforma tributária e o enfrentamento da sonegação. Quem combate a sonegação é o procurador da Fazenda Nacional, que recupera os créditos em dívida ativa da União. E aí vale colocar os problemas que enfrentamos por conta da estrutura defasada que nos atende.

ConJur — Como o trabalho de vocês é comprometido por esse déficit de estrutura? 
Allan Titonelli Nunes — Em comparação com a magistratura, hoje cada magistrado dispõe de 19 servidores. O mesmo vale praticamente para o Ministério Público. Hoje, na PGFN, não dispomos de sequer um servidor para cada procurador. Os sistemas informatizados são pulverizados, não há ainda integração entre todo o sistema da Receita e o sistema da PGFN, apenas parcial.

ConJur — É uma questão de investimento? 
Allan Titonelli Nunes — Cada real investido nos últimos dez anos na PGFN resulta em cerca de R$ 175 de recuperação no total. A PGFN se paga em 19 dias de trabalho. E, apesar disso, não é raro ocorrer o desvio daquelas verbas que seriam para serem reinvestidas no órgão. O exemplo é o Fundaf. O Fundaf é um programa determinado para reestruturação da administração tributária. E parte do Fundaf é destinado para fazer a recuperação do crédito da PGFN. E, por previsão legal, todo esse encargo legal que é recolhido na hora que se inscreve débito em divida ativa da União — quando é ajuízada a execução fiscal pelo custo da movimentação da maquina administrativa —, era para ser revertida no órgão, para fazer dele um ente estratégico. E, na verdade, isso não tem acontecido. O governo, todo ano, tem feito o descontingenciamento do Fundaf, o que acaba tornando o órgão enfraquecido, não o dotando de todos os mecanismos necessários para exercermos o combate à sonegação e recuperar todos os créditos da União. Hoje, temos um estoque de dívida ativa de R$ 800 bilhões. Se tivéssemos um órgão melhor aparelhado, certamente poderíamos recuperar um percentual muito maior desse espaço de divida ativa da União.

ConJur — E a questão dos programas de parcelamento?
Allan Titonelli Nunes — Apesar de o governo ter essa ideia de combate à sonegação, ele acaba tendo uma atitude meio contraditória. Tivemos primeiro Refis, Paes, Paex e agora Refis da crise. Se uma empresa, há cinco anos atrás, tivesse deixado de pagar todos os tributos e depositado o valor correspondente à dívida em um CDB ou na poupança e aderisse ao Refis da crise e efetuado pagamento à vista e integral, teria sobrado dinheiro na conta dela. Então, a lógica do governo, às vezes, acaba incentivando a prática de sonegação, na medida em que trabalha com parcelamentos reiteradamente, ciclicamente. Desse modo, muitas vezes, o contribuinte acaba optando por deixar de pagar o tributo e aderir ao parcelamento. E essa lógica na verdade tem que ser invertida.

ConJur — De outra forma, não valeria a pena pagar o tributo. 
Allan Titonelli Nunes — O pagamento do tributo não pode ficar sujeito a lógica do mercado. Tem que compelir, tem que haver mecanismos que façam o contribuinte cumprir com a obrigação. No caso das grandes corporações financeiras, se não houver uma multa, inclusão de juros em um patamar elevado, vai ser melhor para a empresa que tem um capital financeiro muito maior deixar de pagar tributo e ir para rentabilidade financeira econômica. E, então, só quando ela estiver no final de um processo judicial, realizar o pagamento. Porque a margem de lucro maior é no mercado. Desse modo, na verdade, o governo tem que trabalhar cada vez mais para favorecer o pagamento espontâneo do tributo com multas que realmente sejam educativas, no sentido de que não facilitem a vida da empresa, do cidadão, de ir pro mercado e ter um ganho maior do que pagar o tributo.

ConJur — As multas já parecem excessivas, até injustas.
Allan Titonelli Nunes — Para o cidadão, fica a sensação de que o “leão” é um pouco voraz, as multas são excessivas. Mas há uma razão de ser para a multa ser pesada para aqueles que não pagam o tributo no prazo legal. Poderia até haver exceções, como ocorre no processo penal com a exclusão da culpabilidade por diversos aspectos. Poderíamos pensar a exclusão da criminalidade desde que comprovada, vamos supor, por exemplo, em razão de dificuldades financeiras da empresa etc. O ponto é que a regra deve sempre privilegiar o pagamento espontâneo do tributo.

ConJur — Que práticas melhorariam os problemas do sistema tributário sem depender de uma reforma integral?
Allan Titonelli Nunes — Por exemplo, integralizar a política do ICMS. Hoje em dia, o Confaz não tem servido para quase nada, porque tem vários estados que estão desobedecendo, dando incentivos fiscais sem ter aprovação pelo respectivo órgão.

ConJur — Nosso modelo de federalismo tem um papel nisso, correto? 
Allan Titonelli Nunes — Sim, é o nosso modelo jabuticaba, em que os municípios têm a mesma autonomia que os estados possuem. O Brasil se construiu assim. Então, há necessidade de você adequar uma lógica municipal, estadual e federal para todas as questões nacionais. Não só referente ao sistema tributário, mas também à competência administrativa e legislativa de cada um desses entes.

ConJur — E aí entra a discussão do pacto federativo.
Allan Titonelli Nunes — Esse discurso deveria ser dotado de uma menor carga de regionalismo político. Sabemos que há forças políticas regionais que acabam contrariando determinados projetos porque estes não atendem os interesses do respectivo estado. Então, nesse aspecto, temos que rediscutir o federalismo tendo em mente que o fim, a meta, é o cidadão.

ConJur — Para o cidadão ainda é difícil entender o caminho entre a arrecadação e a contraprestação?
Allan Titonelli Nunes — Temos espécies tributárias que abarcam essa compensação direta. Temos as taxas, as contribuições de melhorias e, em certo aspecto, as contribuições sociais. As taxas e contribuições de melhoria são vinculadas à prestação específica de atividade estatal. E as contribuições sociais têm, no caso, uma destinação especifica, que é a seguridade social como um todo. Mas o que vemos é que o governo adotou uma prática que é perniciosa e um pouco descaracterizadora dessa ideia de se ter uma vinculação da contraprestação estatal específica.

ConJur — Como?
Allan Titonelli Nunes — A União acaba desvinculando a receita da sua respectiva destinação, o que resulta no arranjo orçamentário ao “Deus dará”. Uma lógica que descaracteriza a natureza dos tributos.

ConJur — Em alguns países, o contribuinte sabe que o imposto sobre propriedade é destinado, por exemplo, à escola do bairro. O que nos falta para termos essa transparência? Descentralizar a arrecadação?
Allan Titonelli Nunes — A transparência sempre é essencial e necessária para se verificar principalmente o caráter contraprestacional, mas nem sempre essa lógica é possível de ser implementada. Nosso sistema constitucional e administrativao foi pensando ainda dentro de uma visão de quando o país tinha 70 milhões de habitantes. Somos mais de 180 milhões hoje. Apesar da discrepância, o Estado brasileiro ainda é essencialmente prestador de serviços sociais, garantidor de saúde universal e habitação.

ConJur — Então, o problema não é a centralização administrativa?
Allan Titonelli Nunes — Eu acho que o problema não é a centralização. Com a Constituição de 1988, acabamos possibilitando a criação de muitos municípios insustentáveis. Então, têm municípios que vivem exclusivamente do Fundo de Participação de Municípios (FPM). O que não significa que estar perto da localidade do cidadão e saber dos problemas da dinâmica municipal não seja importante. Pelo contrário, é um fator agregador de participação política.

ConJur — E não seria também um fator de descomplicação da burocracia?
Allan Titonelli Nunes — A meu ver, não. A burocracia da União é muito menor e melhor resolvida do a que dos estados e municípios. Hoje, no âmbito geral, nós temos uma estruturação da administração público-federal melhor organizada do que a dos estados e municípios.

ConJur — Qual seria um primeiro passo pragmático em relação à melhoria de nosso sistema tibutário?
Allan Titonelli Nunes — Primeiro, desvincular a tributação com ênfase no consumo, o que traria maior Justiça social. Hoje, cerca de 75% da renda do país está concentrada nas mãos dos 10% mais ricos. Isso mostra claramente que o sistema tributário brasileiro está promovendo uma concentração de renda e que, apesar de ter havido o acesso da população de camada mais pobre, há alguns bens de consumo, esse distanciamento brutal entre os mais pobres e ricos ainda persiste. Penso que o sistema tributário nacional, como um todo, tem de desempenhar um papel social relevante de promover a igualdade social, de promover crescimento econômico e social equânime.

ConJur — Um cenário em que o tributo não seja apenas uma obrigação inconveniente e produza resultados para a sociedade.
Allan Titonelli Nunes — Sim. Um instumento até de correção de injustiças sociais. O que nos falta é buscarmos uma perspectiva mais ampla. Por isso, reitero que é essencial sair de um modelo voltado para a tributação com foco no consumo e mudarmos para um modelo que incida sobre o patrimônio, sobre a renda, que é o modelo adotado na maioria dos países.


Reportagem de Rafael Baliardo
foto:tksindustria.blogspot.com