30/07/2012

Na China, cresce a pressão contra a lei do filho único


Pan Chunyan foi pega em sua mercearia quando estava grávida de quase oito meses de seu terceiro filho. Homens que trabalhavam para uma autoridade local a prenderam com duas outras mulheres e, quatro dias depois, a levaram para um hospital, onde a forçaram a colocar sua impressão digital em um documento, dizendo que ela concordava com o aborto. Uma enfermeira então injetou uma droga em seu corpo.
 
“Após receber a injeção, todos os capangas desapareceram”, disse Pan, 31, em uma entrevista por telefone de sua casa, na província de Fujian, no sudeste. “Minha família estava comigo de novo. Eu chorei e esperava que o bebê sobrevivesse.”
 
Mas, após horas de trabalho de parto, o bebê nasceu morto em 8 de abril, “todo preto e azul”, disse Pan.
 
Os recentes relatos de mulheres sendo coagidas pelas autoridades locais a realizar abortos em estágios avançados de gravidez colocaram a política de controle populacional da China em destaque e provocaram protestos entre conselheiros de políticas e acadêmicos, que pressionam as autoridades do governo central a mudar ou derrubar uma lei que penaliza as famílias por terem mais de um filho.

A pressão para alterar a política também cresce em outras frentes, à medida que os economistas dizem que o envelhecimento da população chinesa e o encolhimento da oferta de mão de obra barata e jovem será um fator significativo na redução da taxa de crescimento econômico do país.
 
“Um envelhecimento da população em idade de trabalhar está resultando em escassez de mão de obra, em uma economia menos inovadora e menos vibrante e em um caminho mais difícil para uma atualização industrial”, disse He Yafu, analista de demografia. A população de 1,3 bilhão da China é a maior do mundo, e o governo central ainda parece focado em limitar esse número por meio da política de um só filho, disse He. A abolição da política do filho único, entretanto, pode não bastar para aumentar a taxa de natalidade a um nível “saudável” por causa de outros fatores, ele disse.
 
Além do debate sobre a própria lei, os críticos dizem que a fiscalização do cumprimento da política leva a abusos, incluindo abortos forçados, porque muitos governos locais recompensam ou penalizam as autoridades com base em quão bem elas mantêm a população sob controle.
 
A julgar pela conversa nos microblogs por toda a China e artigos nos jornais estatais sobre os casos de abortos forçados, a política de um só filho está sendo questionada mais amplamente do que em anos recentes. No mês passado, ela foi duramente criticada por um grupo de acadêmicos e ex-altos conselheiros de políticas em um fórum na Universidade de Pequim, co-organizado pelo Birô Nacional de Estatísticas para discutir os resultados do censo de 2010. Os acadêmicos no encontro ficaram ultrajados com o caso de Feng Jianmei, uma vítima de aborto forçado em estágio avançado de gravidez no início de junho, que se tornou de amplo conhecimento após fotos de seu feto morto de 7 meses terem sido postadas na internet por um parente.
 
“Eu acho que o direito de ter filhos é um direito do cidadão”, disse Zhan Zhongle, um professor de direito da Universidade de Pequim que enviou uma petição assinada por acadêmicos e líderes empresariais ao Congresso Nacional do Povo, pedindo aos seus membros para derrubarem a lei.
 
As autoridades realizaram mudanças na política ao longo dos anos e, segundo uma estimativa, agora há pelo menos 22 formas pelas quais os pais podem se qualificar a exceções na lei. Mas a maioria dos adultos permanece restringida por ela e não há sinal de que seu fim esteja sendo estudado. O Congresso Nacional do Povo, um legislativo que apenas confirma as leis, dificilmente acatará a petição de Zhan sem apoio dos escalões mais altos do Partido Comunista.
 
Ainda assim, algumas ex-autoridades e acadêmicos que foram chave na elaboração da lei original estavam presentes no fórum, aumentando as esperanças entre os críticos de longa data de que as preocupações seriam ouvidas pelos membros da Comissão Nacional para População e Planejamento Familiar.
 
A crise diplomática de meses atrás em torno de Chen Guangcheng também provocou mais atenção à política. Chen, um advogado autodidata que recentemente escapou da prisão domiciliar e partiu para Nova York, talvez seja o defensor mais famoso das mulheres forçadas a aborto e esterilização; o trabalho dele provocou a ira das autoridades locais, e o governo central ignorou a perseguição que ele sofreu na província de Shandong.
 
Não há estimativas confiáveis sobre o número de esterilizações e abortos forçados, mas não parece ser tão desenfreado quanto há uma década ou duas. Ainda assim, os casos recentes mostram que a fiscalização excessivamente zelosa da política de um só filho continua sendo um problema. A “Xinhua”, a agência de notícias estatal, noticiou que forçar mulheres grávidas no terceiro trimestre a abortar é ilegal.
 
Além das preocupações de advogados e defensores de direitos humanos, economistas e líderes empresariais expressaram ansiedade diante do impacto da queda da taxa de crescimento da população sobre a economia. Liang Jianzhang, um conhecido executivo com diploma de doutorado em economia pela Universidade de Stanford, e Li Jianxin, um demógrafo da Universidade de Pequim, estimaram que, até 2040, o número de chineses com mais de 60 anos seria de 411 milhões, em comparação aos atuais 171 milhões. A população em idade de trabalhar --pessoas de 20 a 60 anos de idade-- cairia dos atuais 817 milhões para 696 milhões.
 
O censo nacional de 2010 mostra que a taxa média de natalidade por lar chinês é de 1,181; ela é mais baixa nas zonas urbanas e maior nas zonas rurais. Há alguns estudos, incluindo um experimento de longo prazo em um condado na província de Shanxi, onde a lei de planejamento familiar foi suspensa, mostrando que as famílias não teriam mais filhos mesmo se a lei fosse abolida. Acadêmicos dizem que os motivos são a rápida modernização e um deslocamento em massa para as zonas urbanas --os pais frequentemente dizem que não podem arcar em ter mais que um filho --ou talvez dois. Isso significa não apenas que a política do filho único pode não mais ser necessária, mas também que seu abandono não necessariamente beneficiaria a economia.
 
Apesar de mais debate poder ocorrer, a comissão de planejamento familiar continua defendendo a política de um só filho. Ela realizou uma conferência semestral na quinta-feira e, em seguida, postou uma declaração em seu site, elogiando a política como tendo evitado 400 milhões de nascimentos desde que foi adotada em 1980.
 
Desde os anos 80, as autoridades locais que fracassavam em cumprir um padrão estabelecido de controle do crescimento da população costumavam ser penalizadas em suas avaliações para promoção, independentemente de quão bem se saíssem em outras categorias.
 
Mayling Birney, uma acadêmica da Escola de Londres de Economia e Ciência Política que está estudando o sistema de avaliação, afirma que muitas das autoridades locais dizem que a cota de controle da população continua sendo um dos principais critérios para o veto de promoções e tão importante quanto a meta de manutenção da estabilidade e de crescimento da economia local. “Essa pressão realmente vem do governo central”, ela disse. “As ações das autoridades de escalão mais baixo são provocadas pela forma com as autoridades superiores as recompensam e punem.”
 
Alguns sites de governos municipais que apresentam as metas para as autoridades listam o controle populacional como uma prioridade. Em um levantamento realizado por Birney no ano passado, algumas autoridades disseram que podem receber um alerta, serem multadas ou até mesmo afastadas do cargo se não cumprirem as metas de planejamento familiar.
 
Esse é o caso na cidade de Daji, disse Pan, a mulher forçada a realizar um aborto em estágio avançado de gravidez em abril.
 
Pan, uma moradora de Daji, disse que Ma Yuyao, o chefe da comissão de planejamento familiar da cidade, “marca pontos para promoção” ao manter a população baixa. Muitos pais dispostos a pagar a multa de US$ 7.200 por um terceiro filho ainda são coagidos ou forçados a realizar o aborto para assegurar que as metas sejam cumpridas, disse Pan. Daji é uma área rural, e os casais aparentemente são autorizados a ter dois filhos sem serem penalizados.
 
O marido de Pan, Wu Liangjie, disse que o casal deu US$ 8.700 a Ma, como ele exigiu, mas Ma ainda assim ordenou o aborto. Ma não foi encontrado para comentário. Uma mulher que atendeu ao telefone na sede do governo municipal disse que as autoridades não comentariam.
 
Wu viajou para Pequim várias semanas atrás para pedir orientação de advogados para abrir um processo. Mas, na semana passada, nem ele nem Pan atenderam aos seus celulares, aumentando as suspeitas de que a autoridade de Daji os intimidou.
 
Pan disse anteriormente que homens começaram a segui-la depois que as fotos dela no hospital foram postadas na internet por simpatizantes. Quanto ao futuro, ela disse que ela e seu marido não planejam ter outro filho de novo. “Nós dois sentimos como se tivéssemos quase morrido”, disse Pan, “ou como se tivéssemos perdido metade de nossas vidas”.
 


Mia Li contribuiu com pesquisa
Tradutor: George El Khouri Andolfato

foto:correiodemocratico.com.br

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