31/07/2013

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"Cada país tem o número de presos que decide ter"


“Enquanto não podemos eliminar a prisão, é necessário usá-la com muita moderação. Cada país tem o número de presos que decide politicamente ter”. A afirmação é do ministro da Suprema Corte Argentina, Eugenio Raúl Zaffaroni (foto acima), em entrevista concedida à Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV)/Fiocruz.
Professor titular e diretor do Departamento de Direito Penal e Criminologia na Universidade de Buenos Aires, Zaffaroni diz que a América Latina deve ter uma identidade própria no direito penal. “Não podemos seguir os modelos europeus e, muito menos, o norteamericano, em que a política criminal é marcada por uma agenda midiática que provoca emergências passageiras, resultando em leis desconexas, que, passada a euforia midiática, continuam vigentes”, diz.
Zafarroni afirma que o Direito Penal está sendo usado para fazer uma espécie de limpeza social. Segundo ele, demandas como a redução da maioridade penal se relaciona à política de criminalização da pobreza. “A intenção é pôr na prisão os filhos dos setores mais vulneráveis, enquanto os da classe média continuam protegidos”, afirma.
Segundo ele, os meios de comunicação são responsáveis por demandas que criam o chamado pânico social. De acordo com o ministro, a melhor forma de lidar com os jovens é oferecendo possibilidades de trabalho e estudo, com políticas públicas viáveis. Na entrevista, Zaffaroni destaca a importância do Brasil para os países latinoamercianos e diz que o país não pode se deixar levar por campanhas que só objetiva destruir a solidariedade e a própria consciência nacional.
Leia a íntegra da entrevista feita pela repórter Viviane Tavares:
Por que o senhor defende a necessidade de uma identidade latina no Direito Penal?
Nossos países estão vivendo um crescimento da legislação repressiva, porém, deveríamos caminhar para fortalecer a solidariedade pluriclassista em nosso continente. Não podemos seguir os modelos europeus e, muito menos, o norte-americano, em que a política criminal é marcada por uma agenda midiática que provoca emergências passageiras, resultando em leis desconexas, que, passada a euforia midiática, continuam vigentes.

No Brasil, estamos diante de um cenário em que a guerra contra as drogas mata mais do que a droga em si. Como o senhor analisa isso?
É um fenômeno mundial. Quantos anos demoraria para que o México alcançasse a cifra de 60 mil mortos por overdose de cocaína? No entanto, já alcançou, em cinco anos, como resultado da competição para ingressar no mercado consumidor dos EUA.

Atualmente, a grande questão do sistema penal brasileiro é a redução da maioridade penal. Qual é a sua opinião sobre isso? O que deve ser levado em conta para se limitar essa idade?
A redução da maioridade penal é também uma demanda mundial que se relaciona à política de criminalização da pobreza. A intenção é pôr na prisão os filhos dos setores mais vulneráveis, enquanto os da classe média continuam protegidos. Embora haja alguns adolescentes assassinos, a grande maioria dos delitos que eles cometem são de pouquíssima relevância criminal. O Brasil tem um Estatuto [Estatuto da Criança e Adolescente] que é modelo para o mundo. Lamento muito que, por causa da campanha midiática, ele possa ser destruído.

Na Argentina existe um modelo de responsabilidade penal para adolescentes de 16 anos. Como isso se dá?
Na Argentina, a responsabilização penal começa aos 16 anos, de maneira atenuada, e somente é plena a partir dos 18 anos. Não obstante, somos vítimas da mesma campanha, embora os menores de 16 anos homicidas na cidade de Buenos Aires, nos últimos dois anos, sejam apenas dois. A ditadura reduziu a idade de responsabilização para 14 anos e logo teve que subir de novo para 16, ante ao resultado catastrófico dessa reforma brutal, como tudo o que fizeram. Ninguém pode exigir que um adolescente tenha a maturidade de um adulto. Sua inteligência está desenvolvida, mas seu aspecto emocional, não. O que você faria se um adolescente jogasse um giz em outra pessoa na escola? Em vez disso, o que você faria se eu jogasse um giz no diretor da faculdade de Direito em uma reunião do conselho diretivo? Não se pode alterar a natureza das coisas, uma adolescente é uma coisa e um marmanjo de 40 anos outra.

Muitos especialistas consideram esse modelo atual de encarceramento dos jovens falido. Por que a sociedade continua clamando por isso? Qual seria a alternativa?
Não creio que a sociedade exija coisa alguma. São os meios de comunicação que exigem e a sociedade, da qual fazem parte os adolescentes, é vítima dos monopólios midiáticos que criam o pânico social. Melhorem a qualidade de vida das pessoas, eduquem, ofereçam possibilidades de estudo e trabalho, criem políticas públicas viáveis. Essa é a melhor forma de lidar com os jovens. O Brasil é um grande país, e tem um povo extraordinário, o que vocês fazem é muito importante para toda a região, não se esqueçam disso. E não caiam nas garras dos grupos econômicos que manipulam a opinião através da mídia. O povo brasileiro é por natureza solidário e de uma elevada espiritualidade, quase mística. Não podem se deixar levar por campanhas que só objetivam destruir a solidariedade e a própria consciência nacional.

Como o senhor avalia o sistema de encarceramento?
As prisões são sempre reprodutoras. São máquinas de fixação das condutas desviantes. Por isso devemos usá-las o menos possível. E, como muitas prisões latinoamericanas, além disso, estão superlotadas e com altíssimo índice de mortalidade, violência etc., são ainda mais reprodutoras. O preso, subjetivamente, se desvalora. É um milagre que quem egresse do sistema não reincida. Enquanto não podemos eliminar a prisão, é necessário usá-la com muita moderação. Cada país tem o número de presos que decide politicamente ter. Isso explica que os EUA tenham o índice mais alto do mundo e o Canadá quase o mais baixo de todo o mundo. Não porque os canadenses soltem os homicidas e estupradores, mas porque o nível de criminalidade média é escolhido de forma política. Não há regra quando se trata de casos de delinquência mediana, a decisão a respeito é política, portanto, pode ser arbitrária ou não. Ademais, a maioria de nossos presos latinoamericanos não estão condenados, são processados no curso da prisão preventiva. Como podemos discutir o tratamento, quando não sabemos se estamos diante de um culpado?

Como podemos explicar este foco no tráfico de drogas como o principal mal da sociedade atual? Ele precisa ser combatido?
A proibição de tóxicos chegou a um ponto que não sei se tem retorno sem criar um gravíssimo problema ao sistema financeiro mundial. A única solução é a legalização, porém não acho que seja possível. A queda acentuada do preço do serviço de distribuição provocaria uma perda de meio bilhão de dólares, no mínimo. Esta mais-valia totalmente artificial entra na espiral financeira mundial, através da lavagem de dinheiro, que o hemisfério norte monopoliza. Sem essa injeção anual, se produziria uma recessão mundial. Como se resolve isso? Sinceramente, não sei. Só sei que isso é resultado de uma política realmente criminal, no pior sentido da palavra.

No Brasil estamos vivendo um fenômeno com o crack. Em estados como Rio de Janeiro e São Paulo, os usuários estão sendo encaminhados para uma internação compulsória, uma espécie de encarceramento para o tratamento. Como o senhor avalia isso?
Não sei o que é esse crack, suponho que seja um tóxico da miséria, como o nosso conhecido "paco". O "paco" é uma mistura de venenos, vidro moído e um resíduo da cocaína. É um veneno difundido entre as crianças e adolescentes de bairros pobres, deteriora e mata em pouco tempo, provoca lesões cerebrais. Como se combate? Quem deve ser preso? Os meninos que são vítimas? Isso não pode ser vendido sem a conivência policial, como todos os outros tóxicos proibidos, porém, nesse caso, é muito mais criminal a conivência. Seria preferível distribuir maconha. Isso é o resultado letal da proibição. Nós chegamos a isso, a matar meninos pobres.

Existe alguma forma de combater a violência sem produção de mais violência por parte do Estado?
Na própria pergunta está a resposta. Se o Estado produz violência não faz mais que reproduzi-la. Cada conflito requer uma solução, temos de ver qual é a solução. Não existe o crime em abstrato, existem, sim, conflitos concretos, que podem ser solucionados pela via da reparação, da conciliação, da terapêutica, etc., esgotemos antes de tudo essas soluções e apenas quando não funcionarem pensemos na punição e usemos, ainda assim, o mínimo possível a prisão. Não podemos pensar em soluções com a polícia destruída, mal paga, não profissionalizada, infestada por cúpulas corruptas, etc., Ou não estou descrevendo uma realidade latinoamericana?


ONU discute uso de empresas privadas de segurança em missões


O uso de companhias privadas de segurança nas chamadas missões de paz e em operações humanitárias da ONU (Organização das Nações Unidas) será submetido hoje (31/07) a discussão por uma equipe de especialistas da instituição.

O estudo está a cargo do grupo de trabalho da ONU sobre o uso de mercenários como meio para violar os direitos humanos e impedir o exercício do direito dos povos à auto-determinação, estabelecido em 2005. A discussão faz parte de um programa de um ano com reuniões dedicadas ao tema da inserção de efetivos dessas empresas privadas nos contingentes da ONU em todo o mundo.
Para justificar seu uso, o atual titular do grupo, Anton Matz, disse que se trata de uma possibilidade para "influenciar de maneira positiva os padrões e a conduta dessas corporações" para que cumpram com as normas sobre direitos humanos. O especialista opinou que a ONU é "um importante consumidor de serviços de segurança".

No entanto, explicou que a organização mundial tem que ser um modelo perante os governos e outras instituições no uso dos serviços das companhias militares e de segurança. Caso contrário, "a sub-contratação das funções de segurança da ONU a favor de firmas privadas pode ter efeitos negativos sobre a efetividade e imagem" das Nações Unidas, advertiu.

Em um relatório publicado em dezembro passado, os membros do grupo pediram a garantia de que os fornecedores desses efetivos tenham um histórico limpo em relação aos direitos humanos. O grupo de trabalho está integrado por Katz e Faiza Patel (Paquistão), Patricia Arias (Chile), Elzbieta Karska (Polônia) e Gabor Rona (Estados Unidos).
Em dezembro passado, a Assembleia Geral da ONU aprovou uma resolução que reafirmou sua preocupação com o uso, recrutamento, financiamento e treinamento de mercenários por infringir os propósitos e princípios da Carta da ONU. Também advertiu sobre os efeitos das atividades das empresas militares e de segurança privadas no respeito aos direitos humanos, especialmente quando operam em situações de conflito armado.
Sobre o tema, o documento afirmou que "raras vezes foi exigido que essas empresas e seus empregados prestassem contas por violar os direitos humanos". De igual maneira, condenou qualquer forma de impunidade dada "àqueles que levam a cabo atividades mercenárias e aos responsáveis pela utilização, o recrutamento, o financiamento e o treinamento de mercenários".



Governo britânico pede que imigrantes 'vão para casa' em campanha


O governo britânico deu início a uma campanha pedindo que imigrantes irregulares "vão para casa ou enfrentem a prisão", segundo o porta-voz oficial do primeiro-ministro David Cameron.
Carros com os anúncios circularam em bairros de Londres na semana passada, após críticas feitas por membros do governo ao projeto.
O porta-voz de Cameron afirmou que o primeiro-ministro discorda do ministro para Negócios, Inovação e Treinamento, Vince Cable, que chamou a campanha de "estúpida e ofensiva".
De acordo com o funcionário, o Ministério do Interior britânico está "pensando no que pode levar adiante" do projeto piloto realizado na capital.
A primeira fase do piloto terminou no último domingo, com carros circulando nos bairros londrinos de Barnet, Hounslow, Barking, Dagenham, Ealing, Brent e Redbridge com os pôsteres dizendo "vá para casa" â"€ que também tinham um número de telefone para o qual os imigrantes deveriam ligar para resolver detalhes da partida.
Panfletos, cartazes e anúncios em jornais locais também foram veiculados na cidade.
O projeto piloto custou menos de 10 mil libras (R$ 34.500), o que seria mais barato do que deportar uma pessoa, de acordo com o Ministério do Interior. O custo da deportação seria de cerca de 15 mil libras.

'Ato de desespero'


O uso de carros com os anúncios da campanha foi amplamente criticado por setores do governo e assembleias locais â"€ o líder da assembleia de Brent, Muhammed Butt, disse que o plano foi "um ato de desespero" e que a campanha contribuiria para "fazer as pessoas se esconderem".
No domingo passado, o ministro Vince Cable disse à BBC que a campanha "era estúpida e ofensiva". "Acho improvável que continue", afirmou.
Ele questionou se os imigrantes irregulares teriam uma "compreensão de inglês sofisticada o suficiente" para entender os cartazes à distância.
"Aparentemente, (a campanha) foi pensada para criar um medo na população britânica de que tenhamos um problema sério com a imigração ilegal", afirmou.
"Nós temos um problema, mas não é tão grande. É preciso lidar com ele de maneira calculada, lidando com as causas."
O Ministério do Interior, no entanto, diz que o projeto é uma alternativa a procedimentos criminais e que os bairros de Londres foram escolhidos por terem índices acima da média -- ou abaixo da média -- de retornos voluntários de imigrantes.
O governo afirmou que os retornos voluntários são a maneira mais eficaz e barata de remover os imigrantes irregulares sem gastar o dinheiro do contribuinte.
O porta-voz do primeiro-ministro David Cameron disse ainda que o governo esperará por informações finais a respeito do resultado do piloto para decidir se vai estender a campanha a todo o país.

Anote na agenda: II Encontro Nacional do Encarceramento Feminino

 
Por ser muito genérica e não levar em conta a posição do acusado no negócio, a Lei de Drogas impede que o juiz faça distinção entre pequenos e grandes traficantes. Com isso, as punições se assemelham e os brasileiros condenados por vender pequena quantidade acabam prejudicados. Muitas mulheres que levavam drogas para o marido nos presídios, então, recebem penas semelhantes àquelas direcionadas aos chefes de bocas de fumo.
Essa é a visão da juíza Telma de Verçosa Roessing, da Vara de Execuções de Medidas e Penas Alternativas de Manaus. Telma Roessing é uma das convidadas do II Encontro Nacional do Encarceramento Feminino, promovido pelo Conselho Nacional de Justiça e o Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça (Depen/MJ), nos dias 21 e 22 de agosto, em Brasília.
Em entrevista ao CNJ, a juíza afirmou que a pena de prisão não é adequada para mulheres condenadas por tráfico de drogas, uma vez que a privação de liberdade acaba ampliando a desigualdade. Além disso, prossegue, o Estado não alcançará a segurança pública apostando apenas na política de repressão, já que é necessário incentivar programas de educação, assistência social e inclusão produtiva.
Telma Roessing descarta que apenas a minoria formada por pessoas perigosas se envolva com o mundo do crime, garantindo que há, na verdade, a criminalização da pobreza. Além disso, o tráfico é a porta de entrada das mulheres para esse mundo, sendo que, no Amazonas, 80% das presas se envolveram com essa modalidade. Assim, não é de se estranhar que as mulheres presas por tráfico de drogas no Brasil sejam, em sua maioria, provenientes das camadas mais pobres da sociedade.
Defensora das penas restritivas de direito, a juíza explica que essa modalidade permite às condenadas se manter ao lado dos filhos e parentes, e pode também facilitar sua inserção em política públicas de inclusão social. Isso justifica que o Executivo crie serviços públicos voltados para a execução penal alternativa, pois apenas assim esse modelo trará respostas eficazes.
Ao longo dos últimos 10 anos, o uso das políticas penais alternativas ganha força no Brasil, uma vez que os juízes não mais encaram essa alternativa como um caminho para a impunidade. Citando o estado em que atua, a juíza Telma Roessing garante que os titulares das três Varas Especializadas em Crime de Tráfico de Drogas adotam essa modalidade sempre que possível. Com informações da Assessoria de Imprensa do CNJ.
Serviço:

Evento: II Encontro Nacional do Encarceramento Feminino
Data: 21 e 22 de agosto
Horário: das 9h às 18h45 (21/8) e das 9h às 17h30 (22/8)
Local: Escola de Magistratura Federal – 1ª Região
Endereço: Setor de Clubes Esportivo Sul, Trecho 2, Lote 21 – Brasília/DF
Mais informações e inscrições:



30/07/2013

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Em São Paulo, 14 pessoas são internadas com pneumonia por hora

No inverno, a imunidade das pessoas tende a ficar mais fraca e é mais frequente que elas fiquem em ambientes fechados — dois fatores que favorecem o surgimento de certas doenças, especialmente as infecciosas, entre elas a pneumonia. Um levantamento divulgado esta semana pela Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo revelou a alta prevalência da doença na população paulista. Segundo o estudo, em média, 14 pessoas foram internadas por hora na rede pública estadual devido à doença, totalizando 129.043 internações no ano. Embora esse número tenha diminuído em 7% nos últimos três anos, na opinião de especialistas, ele continua chamando a atenção.
“Esse número é muito alto e chama atenção porque a pneumonia normalmente vem de um processo infeccioso viral, que pode ser prevenido”, disse, em comunicado divulgado pela Secretaria, David Uip, médico infectologista e diretor do Instituto Emílio Ribas. Ele explica que a pneumonia pode ser provocada por, principalmente, bactérias ou vírus – mas vermes parasitas ou fungos também podem causar a doença.
Vacina — A vacina pneumocócica 10-valente, que imuniza contra certos tipos de pneumonia, além de otites agudas e outras infecções respiratórias, como meningite, está disponível gratuitamente nos postos de vacinação para crianças entre dois meses e 1 ano e 11 meses de idade. Segundo a Secretaria de Saúde, a vacina contra a gripe também ajuda na proteção contra a pneumonia. “A vacina contra a influenza diminui a incidência de gripes, que  são as portas de entrada para pneumonias, e também contribuem para diminuir a ocorrência de pneumonias bacterianas”, diz Uip.

Como evitar a pneumonia
O inverno favorece o surgimento da doença. Conheça formas de se proteger:
• Evitarambientes fechados e melhorar a circulação do ar onde estiver
• Manter o ar condicionado higienizado
• Tomar a vacina contra a gripe
• Abandonar o cigarro
• No caso de pessoas com doenças crônicas, com baixa resistência, evitar o contato com indivíduos com pneumonia




Judiciário é tão corrupto quanto outros poderes

Pesquisas de opinião feitas após as manifestações que aconteceram no país em junho mostram que entre os três poderes, a população confia mais no Poder Judiciário. De acordo com pesquisa feita em julho, a confiança no Judiciário era de 50%, enquanto no Legislativo é de 25%.
Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, o sociólogo Aldo Fornazieri, diretor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, alerta, porém, que a situação é meramente circunstancial. "O Judiciário é tão corrupto e ineficiente quanto o Legislativo e o Executivo", diz ele.
Para Fornazieri, um dos principais motivos para esta imagem positiva momentânea é o julgamento do mensalão. Outro fato considerado por Fornazieri é o destaque da mídia. Para ele, os escândalos do Judiciário não recebem tanto destaque quanto os dos outros poderes.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista:
A que atribui a ausência de ataques ao Judiciário nas manifestações de junho?
No momento dos protestos, o Judiciário, especialmente o Supremo Tribunal Federal, estava com um superávit de imagem positiva. Ainda havia um recall positivo em torno do julgamento do mensalão, o que tornava esse poder, naquele momento, a instituição de maior credibilidade.

Por que frisou 'naquele momento'?
Porque o Judiciário é tão corrupto quanto os outros dois poderes, o Legislativo e o Executivo. Recorrentemente surgem denúncias e escândalos nesta área. Envolvem muitas vezes a compra e a venda de sentenças. Se pegar o caso específico do Tribunal de Justiça de São Paulo verá que está envolvido com denúncias fortes, divulgadas na semana passada, sobre o pagamento de benesses indevidas, com o desvio de milhões de reais. Por outro lado, as tentativas de fiscalização do Conselho Nacional de Justiça enfrentaram forte resistência em São Paulo. Não há, portanto, a menor dúvida de que o Judiciário se equipara aos demais poderes em termos de corrupção.

Existiria algum outro motivo, além do mensalão, para o Judiciário ter sido poupado nos protestos?
Eu citaria mais duas razões. A primeira é que os escândalos do Judiciário não têm tanto destaque na mídia quanto os do Legislativo e do Executivo. Eles aparecem menos. A segunda é que o cidadão, de maneira geral, tem uma relação mais direta com o Legislativo e o Executivo — até porque é ele, cidadão, quem elege os representantes nesses poderes. No Judiciário, com exceção dos ministros do Supremo, as figuras são menos conhecidas. Se você citar os nomes dos juízes do Tribunal de Justiça de São Paulo, pouquíssimas pessoas vão identificá-los. A relação entre o Judiciário e os cidadãos, portanto, é mais difusa, o que atenua a fiscalização sobre esse poder.

Há menos percepção na sociedade sobre as falhas do Judiciário?
Sim. Além de tão corrupto quanto os outros poderes, o Judiciário é extremamente deficiente. Quanto demora o julgamento de um caso na Justiça? Pode demorar décadas. Já foram feitas tentativas, nos últimos quinze anos, de reforma dessa estrutura, mas os problemas continuam. O déficit de eficiência permanece.

O senhor inclui o Supremo nessa análise sobre deficiências?
Como já disse, o Supremo atravessou os protestos com a imagem razoavelmente boa, em função do mensalão. Logo em seguida, porém, começaram a surgir denúncias sobre uso indevido de equipamentos públicos por parte do próprio Joaquim Barbosa e de outros ministros. Nesse caso também a mídia não deu muita ênfase.


Em São Paulo, até crianças são submetidas a revista vexatória

“Meu filho não é bandido. Ele tem apenas 5 anos e o Estado quer castigá-lo como castiga o pai, que já está preso e pagando pelo que fez”. A frase, carregada de indignação, é pronunciada com punhos cerrados sobre a mesa, pela paulistana A., mãe de dois filhos, profissional de vendas e estudante de direito. O marido foi preso há 3 anos e, desde então, a cada dois ou três meses, ela leva o filho R. para ver o pai.
Todas as vezes, na revista da entrada, ela e o filho passam pelo mesmo ritual:
“Nós entramos em um box, eu tiro toda a roupa, tenho que agachar três vezes, abrir minhas partes íntimas para a agente penitenciária, sentar em um banquinho metálico detector de metais, dar uma volta com os braços para cima e às vezes me mandam tossir, fazer força, depende de quem está revistando. Meu filho assiste tudo. Quando preciso abrir minhas partes íntimas, peço para ele virar de costas”, diz.
“Então chega a vez dele. Na penitenciária onde o pai esteve antes de ser transferido, as agentes passavam a mão por cima da roupa, mas quando T. foi transferido para um CDP aqui da capital paulista, a revista do meu filho mudou. Da primeira vez, a agente pediu para eu tirar toda a roupa dele. Eu achei estranho, disse que isso nunca tinha acontecido e ela respondeu que eram normas de lá.  De luvas, ela tocou no ombro meu filho para que ele virasse, para ela ver dos dois lados, sacudiu suas roupinhas. Na hora eu disse ‘Não toca no meu filho. Você sabe que não pode fazer isso’. Ela ficou quieta e eu não debati, porque queria entrar logo, meu filho estava sem ver o pai há meses. O R. não sabe que o pai está preso, eu digo que ele trabalha lá empurrando aqueles carrinhos de comida que ficam na porta. Quando pergunta sobre as grades e as muralhas, eu digo que é para ninguém roubar ele de mim. Neste dia, quando ela pediu para tirar a roupa dele, eu disse: ‘Filhão, lembra que você teve catapora? A gente precisa tirar sua roupa para ver se você ainda tem, para não passar para o papai, tá bom?’ Ele disse ‘Tá bom mamãe, mas eu não tenho mais catapora”.
A. explica que ficou muito incomodada com aquilo. “O ECA [Estatuto da Criança e do Adolescente] diz que se uma mãe fizer seu filho passar por uma situação vexatória, de humilhação, deve pagar por isso. Mas o Estado, que criou essas leis, pode fazer meu filho passar por humilhação? Qual o sentido disso?” questiona. Ela conta que já quiseram até fazer seu filho passar sozinho pela revista masculina, com apenas 4 anos de idade, o que ela negou e conseguiu reverter. A situação ficou insustentável quando, num outro dia de visita, a mesma agente que havia feito o menino tirar a roupa, pediu para que além de ficar nu mais uma vez, R. levantasse os braços e desse uma volta.
“Ela fez igualzinho a revista de adultos e aquilo acabou comigo. Na hora eu perguntei se ela conhecia o ECA, se sabia que o que estava fazendo era crime e ela disse que não. Eu mandei chamar o coordenador do plantão, olhei bem para eles e disse ‘quero que vocês saibam que na segunda-feira vou processar o Estado pelo que vocês estão fazendo com o meu filho. O Estado vai prestar contas”, avisou.
Cada presídio uma sentença
A. procurou a Defensoria Pública de São Paulo, que abriu um procedimento junto à Corregedoria dos Presídios da Capital, pedindo que o caso fosse apurado e que o filho não precisasse mais passar por este tipo de revista, considerada vexatória, para ver o pai. Pediu também que fossem apuradas várias denúncias de revistas vexatórias de crianças e adolescentes nas unidades prisionais do Estado.
“Meu filho não é bandido. Ele tem apenas 5 anos e o Estado quer castigá-lo como castiga o pai, que já está preso e pagando pelo que fez”. A frase, carregada de indignação, é pronunciada com punhos cerrados sobre a mesa, pela paulistana A., mãe de dois filhos, profissional de vendas e estudante de direito. O marido foi preso há 3 anos e, desde então, a cada dois ou três meses, ela leva o filho R. para ver o pai.
Todas as vezes, na revista da entrada, ela e o filho passam pelo mesmo ritual:
“Nós entramos em um box, eu tiro toda a roupa, tenho que agachar três vezes, abrir minhas partes íntimas para a agente penitenciária, sentar em um banquinho metálico detector de metais, dar uma volta com os braços para cima e às vezes me mandam tossir, fazer força, depende de quem está revistando. Meu filho assiste tudo. Quando preciso abrir minhas partes íntimas, peço para ele virar de costas”, diz.
“Então chega a vez dele. Na penitenciária onde o pai esteve antes de ser transferido, as agentes passavam a mão por cima da roupa, mas quando T. foi transferido para um CDP aqui da capital paulista, a revista do meu filho mudou. Da primeira vez, a agente pediu para eu tirar toda a roupa dele. Eu achei estranho, disse que isso nunca tinha acontecido e ela respondeu que eram normas de lá.  De luvas, ela tocou no ombro meu filho para que ele virasse, para ela ver dos dois lados, sacudiu suas roupinhas. Na hora eu disse ‘Não toca no meu filho. Você sabe que não pode fazer isso’. Ela ficou quieta e eu não debati, porque queria entrar logo, meu filho estava sem ver o pai há meses. O R. não sabe que o pai está preso, eu digo que ele trabalha lá empurrando aqueles carrinhos de comida que ficam na porta. Quando pergunta sobre as grades e as muralhas, eu digo que é para ninguém roubar ele de mim. Neste dia, quando ela pediu para tirar a roupa dele, eu disse: ‘Filhão, lembra que você teve catapora? A gente precisa tirar sua roupa para ver se você ainda tem, para não passar para o papai, tá bom?’ Ele disse ‘Tá bom mamãe, mas eu não tenho mais catapora”.
A. explica que ficou muito incomodada com aquilo. “O ECA [Estatuto da Criança e do Adolescente] diz que se uma mãe fizer seu filho passar por uma situação vexatória, de humilhação, deve pagar por isso. Mas o Estado, que criou essas leis, pode fazer meu filho passar por humilhação? Qual o sentido disso?” questiona. Ela conta que já quiseram até fazer seu filho passar sozinho pela revista masculina, com apenas 4 anos de idade, o que ela negou e conseguiu reverter. A situação ficou insustentável quando, num outro dia de visita, a mesma agente que havia feito o menino tirar a roupa, pediu para que além de ficar nu mais uma vez, R. levantasse os braços e desse uma volta.
“Ela fez igualzinho a revista de adultos e aquilo acabou comigo. Na hora eu perguntei se ela conhecia o ECA, se sabia que o que estava fazendo era crime e ela disse que não. Eu mandei chamar o coordenador do plantão, olhei bem para eles e disse ‘quero que vocês saibam que na segunda-feira vou processar o Estado pelo que vocês estão fazendo com o meu filho. O Estado vai prestar contas”, avisou.
Cada presídio uma sentença
A. procurou a Defensoria Pública de São Paulo, que abriu um procedimento junto à Corregedoria dos Presídios da Capital, pedindo que o caso fosse apurado e que o filho não precisasse mais passar por este tipo de revista, considerada vexatória, para ver o pai. Pediu também que fossem apuradas várias denúncias de revistas vexatórias de crianças e adolescentes nas unidades prisionais do Estado.

Reportagem de Andrea Dip e Fernando Gazzaneo

Apesar de avanços, educação ainda trava avanços sociais no Brasil

Os municípios do Brasil alcançaram, em média, um índice de desenvolvimento humano alto, graças a avanços em educação, renda e expectativa de vida nos últimos 20 anos.
Mas o país ainda registra consideráveis atrasos educacionais, de acordo com dados divulgados ontem pela ONU e pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).
O Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil 2013 aponta que o IDHM (índice de desenvovimento humano municipal) médio do país subiu de 0,493 em 1991 para 0,727 em 2010 - quanto mais próximo de 1, maior é o desenvolvimento.
Com isso, o Brasil passou de um patamar "muito baixo" para um patamar "alto" de desenvolvimento social.
O que mais contribuiu para esse índice foi o aumento na longevidade (a expectativa de vida da população subiu de 64,7 anos para 73,9 anos). Também houve aumento na renda, de 14,2% ou (R$ 346,31) no período.
Os maiores desafios se concentram na educação, o terceiro componente do IDHM. Apesar de ter crescido de 0,279 para 0,637 em 20 anos, o IDHM específico de educação é o mais distante da meta ideal, de 1.
Em 2010, pouco mais da metade dos brasileiros com 18 anos ou mais havia concluído o ensino fundamental; e só 57,2% dos jovens entre 15 e 17 anos tinham o ensino fundamental completo.
Permanência na escola
"O desafio de colocar as crianças na escola foi superado", disse Daniela Gomes Pinto, do Pnud (Programa de Desenvolvimento da ONU), ao apresentar o Atlas. "Agora, o desafio é manter as crianças na escola e completando os ciclos (escolares) na idade certa."
A pesquisadora afirmou que é importante que, aos 5 anos de idade, as crianças já estejam na escola; aos 16, tenham o ensino fundamental completo; e, aos 19, concluam o ensino médio.
Atualmente, segundo os dados de 2010, apenas 41% dos jovens de até 20 anos têm o ensino médio completo.
O ministro da Educação, Aloizio Mercadante, admitiu um "imenso desafio" na área, mas destacou que a educação é o componente que, tendo partido de um patamar mais baixo, registrou os maiores avanços, graças ao aumento no fluxo de alunos matriculados nas escolas.
O índice de crianças de 5 e 6 anos que entraram no sistema de ensino passou de 37,3% em 1991 para 91,1% em 2010.
Municípios
Segundo o Atlas, dois terços dos 5.565 municípios brasileiros estão na faixa de desenvolvimento humano considerada alta ou média. Ao mesmo tempo, a porcentagem de municípios na classificação "muito baixa" caiu de 85,5% em 1991 para 0,6% em 2010.
As cidades com notas mais próximas de 1 no IDHM são São Caetano (SP, com índice 0,862), Águas de São Pedro (SP, com 0,854) e Florianópolis (SC, com 0,847).
Os piores índices foram registrados em Melgaço (PA, com 0,418) e Fernando Falcão (MA, com 0,443).
O relatório identificou uma redução nas disparidades sociais entre Norte e Sul do Brasil, mas confirmou que elas continuam a existir. Um exemplo é que 90% dos municípios das regiões Norte e Nordeste têm baixos índices de IDH em educação e renda.
O Atlas do Desenvolvimento Humano brasileiro contém, além do IDH dos municípios brasileiros, outros 180 indicadores socioeconômicos, com base em dados do Pnud, do Ipea, da Fundação João Pinheiro e do IBGE (Censo 2010), levando em conta itens como demografia, educação, renda, desigualdade social, e acesso a serviços básicos.




29/07/2013

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29 de julio: DÍA DE LOS VALORES HUMANOS


Lei que ratifica direitos de mulheres violentadas espera sanção de Dilma


A presidenta Dilma Rousseff tem até o dia 1º de agosto para definir se sancionará ou vetará, total ou parcialmente, o Projeto de Lei Complementar (PLC) 03, de 2013, que define o atendimento médico que deve ser dispensado às vítimas de violência sexual no país. O texto não traz nenhuma novidade: servirá apenas para institucionalizar procedimentos já previstos por acordos internacionais, consagrados em portarias do Ministério da Saúde e adotados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A canetada presidencial poderá, portanto, garantir a continuidade dessas práticas, transformando-as em lei, ou, ao contrário, em caso de veto, abrir brechas para sua contestação judicial e possível interrupção – o que, segundo organizações sociais, médicas e feministas, seria um retrocesso aos direitos das mulheres.
“Os artigos do texto já são seguidos pelos serviços de saúde na maioria dos casos”, explica Sarah de Roure, militante da Marcha Mundial das Mulheres. “Por mais simples e elementar que pareça o conteúdo projeto de lei, podemos garantir, com sua aprovação, que essas normativas, que são mais eficazes nos grandes centros urbanos, também passem a ser cumpridas em outros lugares mais afastados do país. É importante transformá-las em lei para que as mulheres fiquem ainda mais protegidas e amparadas para garantir seus direitos e suas condições de saúde nos casos de estupro e outras formas de violência sexual.”
“O projeto vem ratificar o que já fazemos há mais de dez anos”, explica o médico Carlos Oshikata, professor da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (SP) e membro da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo). “É uma lei que está vindo bastante tarde. Já sabemos há muito tempo que esse tipo de atendimento é necessário. Apenas 15% a 20% das mulheres que sofrem violência sexual no Brasil procura atendimento médico. E é muito difícil haver pessoas motivadas a atendê-las. Se o texto for vetado, as mulheres ficarão ainda mais vulneráveis. E o agressor terá uma sensação ainda maior de impunidade. Será um retrocesso total.”

Conteúdo

O PLC 03/2013 é bastante conciso: possui apenas quatro artigos. O primeiro determina que os hospitais devem oferecer às vítimas de violência sexual atendimento “emergencial, integral e multidisciplinar”, visando ao controle e ao tratamento dos “agravos físicos e psíquicos” recorrentes da agressão sofrida pela mulher. O segundo considera como “violência sexual” qualquer tipo de forma ou atividade sexual não consentida – ou seja, não é apenas estupro, apesar desta ser a mais agressiva e conhecida delas. O terceiro artigo traz uma lista dos procedimentos a serem observados pelos profissionais de saúde no momento de atender à mulher violentada que procura auxílio nas unidades do SUS.
São sete incisos: I – diagnóstico e tratamento das lesões físicas no aparelho genital e nas demais áreas afetadas; II – amparo médico, psicológico e social imediatos; III – facilitação do registro da ocorrência e encaminhamento ao órgão de medicina legal e às delegacias especializadas com informações que possam ser úteis à identificação do agressor e à comprovação da violência sexual; IV – profilaxia da gravidez; V – profilaxia das doenças sexualmente transmissíveis; VI – coleta de material para realização de exame de HIV para posterior acompanhamento e terapia; e VII – fornecimento de informações às vítimas sobre os direitos legais e sobre todos os serviços sanitários disponíveis.
Apesar de trazer procedimentos bastante óbvios para a proteção das mulheres vítima de violência sexual, e que já são observados na rede pública de saúde, o PLC 03/2013 vem sendo contestado por organizações religiosas cristãs, como a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), e pela bancada evangélica no Congresso, que integra, em parte, a base aliada do governo federal. Apoiadas em seus preceitos morais, as entidades católicas e protestantes acreditam que o projeto pretende “legalizar” o aborto no Brasil.

Pressão

Mesmo com a oposição dos parlamentares cristãos, o texto acabou sendo aprovado por unanimidade na Câmara dos Deputados. “Esse projeto não traz o nome aborto. Foi aí que nos pegaram”, afirmou Marco Feliciano (PSC-SP), presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Casa, justificando por que não havia votado contra o projeto. “Eles foram muito sagazes.” O deputado Paulo Freire (PR-SP), presidente da Frente Parlamentar Evangélica, afirmou em entrevista ao portal UOL que a bancada agora está pressionando Dilma Rousseff para que vete a matéria. “Só com essas frentes temos por volta de 200 deputados, e vamos à presidenta pedir o veto a esse projeto absurdo.”
As entidades sociais e religiosas também expuseram contrariedade ao governo. No último dia 17, a ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, recebeu em Brasília representantes da CNBB, Federação Espírita do Brasil, Fórum Evangélico Nacional de Ação Social e Política, Movimento Nacional da Cidadania pela Vida Brasil sem Aborto, Confederação Nacional das Entidades de Família e Associação Nacional da Cidadania pela Vida. Elas também pedem o veto total ou parcial do PLC 03/2013. Além de participar da reunião, a CNBB circulou entre os bispos de todo o país uma carta em que explica os motivos pelos quais se opõe ao projeto.
Os católicos alegam não ser contrários ao “atendimento devido a uma vítima de violência sexual, nos aspectos físico, psicológico, legal e social, inclusive no que se refere à identificação do agressor e sua criminalização”, mas manifestam algumas contrariedades ao texto. A principal crítica se dirige ao inciso IV do artigo 3º. “Há incorreção conceitual a gerar descompasso jurídico por consagrar a gravidez como doença, uma vez que 'profilaxia' é termo relacionado à prevenção de doenças”, diz a epístola, assinada pelo secretário-geral da CNBB, Leonardo Ulrich Steiner. “Entendemos que associar gravidez a doença, uma doença a ser evitada, é de todo inadmissível.”
A entidade também não gostou do inciso VII. “Afora não ser o aborto um 'direito', mas sim um crime em relação ao qual há duas excludentes legais de punibilidade, não cabe aos hospitais orientação jurídica, ainda que a título de 'informações', sobre 'direitos legais'”, esmiúça o bispo. “O inciso III já cobre o desejado atendimento legal, e outras informações devem ser prestadas pelas delegacias especializadas, e não pelo hospital.” Como lembra Steiner, a legislação permite que as vítimas de aborto interrompam sua gravidez. “Não se pune o aborto praticado por médico se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal”, diz o artigo 128 do Código Penal.

Tergiversação

“Concretamente, o projeto de lei não guarda nenhuma relação com o aborto”, rebate Sarah de Roure, da Marcha Mundial das Mulheres. “O texto está apenas regulamentando o atendimento médico que a mulher deve ter nos hospitais do SUS. Quando a mulher dá entrada no hospital, vítima de estupro, ela já recebe uma série de medicamentos para a prevenção de DST e aids, por exemplo, e pílula-do-dia-seguinte.” A militante lembra, porém, que os setores religiosos reconhecem a pílula-do-dia-seguinte como abortiva. “Mas é um contraceptivo de emergência”, argumenta. “E as igrejas são contra qualquer tipo de contracepção, até mesmo a camisinha.”
O ginecologista Carlos Oshikata endossa os argumentos da feminista. “Hoje, a mulher violada recebe um acolhimento privativo, que pergunta sobre as características da violência: onde foi, como foi, se anal, vaginal ou oral, se ela usa anticoncepcional etc.”, explica. “É feito exame físico na paciente, para verificar a existência de lesões decorrentes da violência. É colhido material biológico que possa servir de prova do crime, como esperma na vagina ou na roupa, para detectar o DNA do agressor. Qualquer ferimento é tratado e é prescrita a anticoncepção de emergência, além de remédios anti-DST. Além disso, é visto também a parte social: se é menor de idade, temos que acionar o Conselho Tutelar. Se não tem onde ficar porque foi violentada dentro de casa, por exemplo, é função do serviço de saúde acolher a mulher.” É exatamente o que determina o PLC 03/2013, complementa o médico. “Não tem nada a ver com aborto.”
Quanto à pressão da CNBB pelo veto ao inciso VII, que garante o “fornecimento de informações às vítimas sobre os direitos legais e sobre todos os serviços sanitários disponíveis”, Sarah questiona, perplexa: “Por que você não pode dar orientação às mulheres sobre os direitos legais?” A militante afirma que a contrariedade das igrejas se insere num contexto mais amplo de conservadorismo. “Essa postura se relaciona com outros projetos em discussão, como o Estatuto do Nascituro e a chamada bolsa-estupro, em que você reconhece a paternidade do estuprador e o Estado paga um valor para a mulher levar a gravidez adiante”, diz. “É um discurso que reforça as desigualdades contra a mulher. Parece que o estupro é uma violência menor frente ao aborto ou mesmo à contracepção.”

Histórico

Na portaria 528, publicada no Diário Oficial da União em 1º de abril, o Ministério da Saúde reúne uma série de leis, decretos e portarias anteriores para definir regras para habilitação e funcionamento dos chamados Serviços de Atenção Integral às Pessoas em Situação de Violência Sexual no âmbito do SUS. As regras passaram a valer no dia 2 de abril. Com elas, “os serviços hospitalares públicos deverão prestar atendimento clínico, psicológico, acolhimento, administração de medicamentos, notificação compulsória institucionalizada, referência laboratorial para exames necessários e referência para coleta de vestígios de violência sexual”, diz o ministério. “As ações também incluem interrupção de gravidez, nos casos previstos em lei.”
Ao menos uma cartilha do Ministério da Saúde também orienta os profissionais do SUS sobre o atendimento às mulheres que sofreram estupro. O documento Aspectos Jurídicos do Atendimento às Vítimas de Violência Sexual – Perguntas e Respostas para Profissionais da Saúde, editado em 2011, reconhece o aborto em caso de estupro um direito da mulher que foi violentada. “Como o sistema penal considera lícita e não criminosa a prática do abortamento nessa situação, é direito da mulher interromper a gestação decorrente de estupro”, afirma o texto, em contrariedade com a interpretação da CNBB.
Outra publicação, intitulada Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes e publicada em 2012, orienta sobre a administração da pílula-do-dia-seguinte às vítimas de estupro que procuram o serviço de saúde. “A anticoncepção de emergência deve ser prescrita para todas as mulheres e adolescentes expostas à gravidez, através de contato certo ou duvidoso com sêmen, independente do período do ciclo menstrual em que se encontrem, que tenham tido a primeira menstruação e que estejam antes da menopausa”, afirma o texto. “O risco de gravidez, decorrente dessa violência, varia entre 0,5 e 5%. A gravidez decorrente de violência sexual representa, para grande parte das mulheres, uma segunda forma de violência.”

Reportagem de Tadeu Breda

Falta de transparência reforça críticas a exportações de armas do Brasil

País é quarto maior exportador de armamento leve do mundo e, apesar de defensor dos direitos humanos, tem entre clientes Estados contestados pelo autoritarismo.



Durante os protestos na Turquia, uma imagem não passou despercebida. Em meio às centenas de bombas de gás lacrimogêneo utilizadas pela polícia, algumas traziam o selo "made in Brazil". Dois anos antes, quando a Primavera Árabe chegou ao Bahrein, a bandeira brasileira também estava estampada em artefatos similares. Um deles, segundo ativistas, teria feito até vítimas – denúncia, no entanto, jamais confirmada.
Com vendas anuais superiores a meio bilhão de reais, o Brasil é hoje o quarto maior exportador de armas leves do mundo. E é, ao mesmo tempo, um dos que tratam com maior secretismo suas vendas. Não se sabe com precisão se o armamento vendido está nas mãos de países que respeitam os direitos humanos – valor tão defendido pela diplomacia brasileira – ou de regimes contestados pelo autoritarismo, como Turquia ou Bahrein.
"Essas informações são muito importantes, já que a venda triangulada acontece de forma frequente no mercado internacional de armas. Quer dizer, uma nação vende para um país que tem uma boa reputação no comércio internacional que, depois, funciona como intermediário e repassa as armas para outro que viola os direitos humanos", diz Bruno Langeani, do Instituto Sou da Paz.
Segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), as vendas de armas leves – como fuzis, espingardas, revólveres e pistolas – subiram 36% em cinco anos, passando de 201 milhões de dólares em 2007 (440 milhões de reais) para mais de 315 milhões de dólares (700 milhões de reais) em 2012. Entre os dez maiores compradores de armas leves brasileiras estão países como EUA, Estônia, Paquistão e Emirados Árabes.
Já as vendas de bombas em geral, como gás lacrimogêneo e de fragmentação, tiveram um aumento exponencial na última meia década. Em 2007, as exportações foram de 460 mil dólares (um milhão de reais); em 2011 passaram a 5,7 milhões de dólares (12 milhões de reais) e, em 2012, atingiram 17,8 milhões de dólares (40 milhões de reais).
Apesar de divulgar o total das exportações, o Brasil não informa quais tipos de armas foram comercializadas e em que ano ocorreram as transações. Além da preocupação com os países que violam os direitos humanos, há também dúvidas se os compradores têm condições de controlar seus arsenais.
"Se não existe esse controle, as armas podem ser desviadas para grupos terroristas, criminosos e dissidentes, que vão encabeçar um processo de guerra civil. Então esse tipo de transação tem que levar em conta a capacidade de controle que esses países têm", opina Langeani.
Procurada pela DW Brasil, a Associação Nacional da Indústria de Armas e Munições (Aniam) não quis se manifestar sobre o assunto.
Tratado de armas
Para muitos analistas, o Tratado sobre o Comércio de Armas da ONU, assinado no início de junho pelo Brasil, pode trazer mais transparência às vendas. O tratado regulamentou, entre outros pontos, a proibição da venda de armas convencionais a países sob embargo ou onde elas possam ser usadas para crimes contra a Humanidade, crimes de guerra e terrorismo.

"Alguns países estão em condições financeiras difíceis e é bem questionável se eles deveriam estar priorizando esse tipo de aplicação de seus recursos. Ter uma maior transparência por parte do Brasil auxilia também na mobilização da população em outros países, que não sabe o que seus governantes estão comprando e de quem estão comprando", diz Maurício Santoro, da Anistia Internacional no Brasil.
Mas para entrar em vigor, o Congresso Nacional precisa, ainda, avaliar e ratificar o tratado, o que pode acontecer neste ou no próximo semestre. "Nós propomos que o acordo seja tratado no Brasil como piso e não como teto, quer dizer, o país pode fazer mais do que isso", sugere Langeani.
De acordo com uma análise da organização suíça Small Arms Survey, baseada nos dados de 2010 – os mais recentes – da divisão de estatísticas da ONU (UN Comtrade, em inglês), o Brasil só fica atrás de Estados Unidos, Alemanha e Itália na exportação de armas leves.
A organização ainda faz a estimativa de que as transferências internacionais anuais de armas leves movimentam ao menos 8,5 bilhões de dólares (19 bilhões de reais). Seu relatório ressalta, no entanto, que avaliações precisas são difíceis devido à "relutância" de muitos países, como o Brasil, de divulgar publicamente a sua produção legal e dados sobre exportação e importação.
Incentivos do governo
O Brasil se tornou um dos maiores exportadores de armas leves do mundo por causa, em parte, de uma série de decisões políticas tomadas durante a ditatura militar. Segundo especialistas, tanto no país como no exterior, a indústria de armamentos depende da participação do Estado, seja diretamente, como acionista de empresas estatais, seja por meio de grandes encomendas.

Em 2008, por exemplo, o ex-presidente Lula lançou a Estratégia Nacional de Defesa. Entre os três principais objetivos do programa estava a reestruturação da indústria brasileira de material de defesa, que contou com isenção de impostos e uma série de ações do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) no financiamento de projetos.
A maior parte do mercado brasileiro de armas está nos EUA e nos países da União Europeia, mas tem havido um esforço do governo para ampliar esses mercados para África e Oriente Médio – onde há países em que as necessidades de equipamentos de defesa são mais modestas.

Reportagem de Fernando Caulyt/ edição de Rafael Plaisant