21/11/2013

Crianças ainda são criminalizadas e constrangidas, diz especialista


Há duas décadas o advogado Ariel de Castro Alves dedica-se à militância pelos direitos das crianças e dos adolescentes. Ex-secretário-geral do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa (Condepe) de São Paulo, ele se tornou uma das principais vozes do Brasil sobre o assunto por se posicionar abertamente contra a redução da maioridade penal e a favor do fim dos castigos corporais praticados por pais contra filhos.
Em entrevista à BBC Brasil, ele critica a lentidão do governo na investigação das denúncias de abuso infantil e pede maior apoio do Estado às vítimas de agressões e a seus familiares.
"No Brasil, as vítimas são criminalizadas e constrangidas", diz Alves.

BBC Brasil - Dados da Secretaria de Direitos Humanos mostram um aumento no número de denúncias de abuso infantil neste ano. Isso significa que o Brasil está se tornando um país mais perigoso para as crianças? 


Alves - É preciso cautela ao analisar esses dados. Parte do aumento no número de denúncias se dá pela maior divulgação dos meios em que elas podem ser feitas. Mas é inegável que o número de casos também tenha aumentado, dada a crescente vulnerabilidade das crianças e dos adolescentes. O panorama ainda é bastante negativo no Brasil.

BBC Brasil - Por quê? 
Alves - A começar, o sistema do disque 100 não funciona adequamente e nem sempre os casos são imediametamente encaminhados aos conselhos tutelares, órgãos responsáveis por acolher as denúncias. Estes, por sua vezes, não contam com a estrutura adequada. Isso dificulta que os casos sejam apurado e solucionados, deixando as crianças à mercê da situação da violência. Outro problema é a falta de órgãos policiais de apuração especializados na defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes.
O maior estado do país, São Paulo, por exemplo, não possui até hoje uma delegacia de proteção à criança e ao adolescente. Também existem poucas varas judiciais, promotorias e defensorias especializadas na infância e na juventude. Além disso, as crianças que são vítimas de maus-tratos e seus familiares não contam com o apoio psicológico e social de programas municipais.

BBC Brasil - Qual é o efeito prático disso para as crianças vítimas de abuso? 
Alves - Devido à falta de apoio, as vítimas são normalmente tratadas de forma vexatória nas repartições policiais. Muitas vezes se apura mais a conduta das crianças e dos adolescentes do que a conduta dos agressores. As vítimas são criminalizadas e constrangidas.
Além disso, a criança ou o adolescente tem de comparecer inúmeras vezes em delegacias, institutos médico-legais, promotorias e audiências na Justiça e acaba desistindo de dar sequência à denúncia aos processos, pela burocracia ou morosidade do processo. Ou, em muitas situações, a vítima depende do agressor, que é pai, padrasto, mãe ou madastra e fica subjulgada a seu algoz, sem nenhum apoio dos órgãos de proteção.

BBC Brasil - O que o governo pode fazer para melhorar o atual quadro? 
Alves - Acredito que, além de um investimento na melhoria das estruturas existentes, como conselhos tutelares ou delegacias, que deveriam atuar conjuntamente, cabe ao governo criar programas sociais para atender crianças vítimas de maus tratos e seus familiares. Muitas vezes, as agressões são causadas por alcoolismo e outros problemas no ambiente familiar, que geram as brigas no ambiente doméstico.

BBC Brasil - Uma lei mais rígida poderia ser parte da solução? 
Alves - Já temos leis que tipificam as violações contra crianças e adolescentes. O problema é que os agressores não são punidos. E, particularmente, acredito que as punições são muito brandas. Para o caso de maus-tratos, por exemplo, a detenção varia de dois meses a um ano. Se o réu for primário, o agressor cumpriria uma pena alternativa. No caso de lesão corporal, de um a quatro anos. Só se resultar em morte que a detenção pode chegar a 12 anos. Nesses casos, defendo penas mais firmes.

BBC Brasil - Qual é a sua opinião sobre a "lei da palmada"? 
Alves - Sou totalmente a favor dela. A lei tem um caráter preventivo e não repressivo. É inconcebível que a educação se faça através da violência. Um pai não pode pedir a um filho que não brigue na escola se, em casa, ele o agride. O Brasil precisa romper com essa cultura da violência.

BBC Brasil - Mas críticos apontam que a lei interfere no ambiente familiar... 
Alves - Isso é uma grande inverdade. Não cabe o argumento de que se trata de uma intervenção do Estado na vida privada de seus cidadãos. Se essa intervenção visa a prevenir qualquer violência contra crianças e adolescentes, ela é legítima.
A infância é hoje uma questão de prioridade pública. A violência sofrida por essas crianças acaba gerando violência na própria sociedade, pois quem sofre agressão, está mais propenso a praticá-la. Educação se faz pelo diálogo.



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