26/05/2013

Seria a hora de limitar o uso da cafeína?



Autoridades dos EUA estão investigando quão segura é a presença da cafeína em lanches e bebidas energéticas, preocupadas com o "efeito cumulativo" do estimulante - que é usado em um número cada vez maior de produtos. Será que nossa sociedade movida a chá e café está dependente demais da droga favorita no mundo?
O bule borbulhante, o aroma que vem da caneca e o primeiro gole amargo (e às vezes doce também) da manhã formam um conjunto de rituais sem o qual a jornada de trabalho seria, para milhões de pessoas, horripilante.
A cafeína é, de acordo com a revista New Scientist, a "droga psicoativa" mais popular. Nos Estados Unidos, estima-se que mais de 90% dos adultos a usam todos os dias.
Mas agora, até mesmo os EUA - berço da Coca-Cola, da rede de cafeterias Starbucks e dos energéticos 5-Hour Energy - está questionando a adição de cafeína a alimentos diários como waffles, sementes de girassol, mix de castanhas e doces e até jujubas.
Em um comunicado recente, a Food and Drug Administration (FDA), agência que regula a qualidade de medicamentos e alimentos, condenou o "exemplo infeliz" da goma de mascar Wrigley, que produziu pacotes de oito bastões de chiclete com tanta cafeína quanto em metade de um copo de café. Posteriormente, a Wrigley disse que iria suspender a produção do produto.
A agência também está olhando atentamente para bebidas energéticas cafeinadas, e informou que estava preocupada com o "efeito cumulativo" da dependência de produtos estimulantes.
Tratamento de emergência
De acordo com a Substance Abuse and Mental Health Services Administration, agência governamental americana que cuida do abuso de substâncias e saúde mental, o número de pessoas que procuram tratamento de emergência após a ingestão de bebidas energéticas dobrou para mais de 20 mil em 2011.
No entanto, a indústria de bebidas energéticas diz que seus produtos são seguros e insiste que não há prova de uma ligação entre consumo e qualquer reação nociva.
Casos de overdoses fatais causadas por "efeitos tóxicos da cafeína" foram documentados, embora sejam muito raros. Cientistas da Johns Hopkins University que estudaram as propriedades viciantes da substância descobriram que os sintomas de abstinência incluíam cansaço, dores de cabeça, dificuldade de concentração, dores musculares e náuseas.
Mas não há qualquer tipo de consenso científico de que o uso da cafeína é prejudicial. Um estudo recente da Escola de Saúde Pública de Harvard sugeriu que "beber café não possui graves efeitos prejudiciais à saúde" e que a ingestão de até seis xícaras por dia "não estaria associada ao aumento do risco de morte por qualquer causa".
Em moderação, a cafeína pode ter alguns efeitos positivos. Pesquisas sugerem que poderia estar associada à redução do risco de câncer de próstata e mama. Um estudo recente liga beber café e chá a um menor risco de diabetes tipo 2.
Como resultado, a FDA se comprometeu a "determinar o que é um nível seguro" de uso da cafeína.
O movimento da agência foi bem recebido por aqueles que temem que a cafeína esteja invadindo demais as nossas vidas diárias - muitas vezes em produtos inesperados.
"Muitas pessoas não estão cientes da cafeína que estão tomando", diz Lynne Goldman, diretor da Escola George Washington University de Saúde Pública e Serviços de Saúde.
Como resultado, diz ela, há problemas como insônia, indigestão ou aumento da pressão arterial.
O consumo de cafeína é especialmente preocupante para os pais, que podem achar difícil regular o que ingerem seus filhos.
Mas, desafiar a hegemonia da cafeína pode ser uma tarefa difícil em um planeta que consome 120 mil toneladas da substância por ano.
Na Finlândia, o país mais viciado em cafeína no mundo, um adulto médio consome 400mg da droga a cada dia - o equivalente a quatro ou cinco xícaras de café diárias, e igual ao limite recomendado pela Food Standards Agency da Grã Bretanha, por exemplo.
"Achamos que, quando usada com moderação, a cafeína não representa um risco", diz Sanna Kiuru, um oficial sênior da Evira, a autoridade finlandesa de segurança alimentar. "São principalmente os adultos que bebem café, não crianças. Em nossa opinião, os níveis são bastante moderados".
Mesmo os finlandeses amantes da cafeína têm se preocupado com o aumento do uso não evidente da substância, no entanto.
"Estamos preocupados com o aumento da cafeína em alimentos diferentes", diz Kiuru.
Bebidas altamente cafeinadas na Finlândia são obrigadas a conter etiquetas de advertência - uma prática que será estendida a toda a União Europeia a partir de 2014.
Para a maioria dos consumidores de cafeína, seu benefício principal é que, ao estimular a atenção, a substância ajuda a produzir mais.
Esta é uma característica que a torna incomum entre as substâncias recreativas, diz Stephen Braun, autor do livro Buzz: The Science and Lore of Alcohol and Caffeine (Burburinho: A ciência e a tradição do álcool e da cafeína, em tradução livre).
"O apelo (da cafeína) é de que nos ajuda a ganhar mais dinheiro", acrescenta Braun.
"O que a torna diferente de outras drogas é que é usada como uma ferramenta de produtividade - e não por prazer, como a cannabis, ou como um relaxante, como o álcool."
Talvez a analogia mais próxima seja com folhas de coca, mascadas por trabalhadores para lhes dar energia extra em países como Peru e Bolívia.
Popularidade e produtividade
Não é coincidência, avalia Braun, que a popularidade da cafeína tenha crescido na Europa no início da revolução industrial, com a corrida por maior produtividade.
Muitas mentes criativas da história também têm sido associadas a algumas façanhas verdadeiramente épicas no consumo de cafeína.
De acordo com um biógrafo, o romancista e dramaturgo francês Balzac bebia cerca de 50 xícaras de café por dia. "Se não fosse pelo café, uma pessoa não poderia escrever, o que quer dizer que não poderia viver", insistiu ele, certa vez.
Durante sete anos, o cineasta David Lynch jantou no mesmo lugar em Los Angeles todos os dias, sempre bebendo até sete xícaras de café adoçado "com muito açúcar" de uma só vez, o que, segundo ele, seria uma garantia de que "muitas ideias" viriam.
Ludwig van Beethoven contaria meticulosamente exatos 60 grãos de café por xícara quando preparava diariamente a bebida - para consumo próprio.
Talvez um dos contos recentes mais bem divulgadas sobre excesso de cafeína atribui ao cantor Robbie Williams o consumo de até 36 espressos duplos e 20 latas de Red Bull por dia.
Mas as tentativas de reprimir a disseminação da substância se provaram inúteis historicamente.
Em 1911, o governo dos EUA processou a Coca-Cola Company, afirmando que a cafeína na bebida era "prejudicial à saúde", mas a Coca-Cola venceu nos tribunais.
Um problema com a tentativa de regular o consumo, sublinha Braun, é que a substância afeta todos de forma diferente, tornando impossível estabelecer um limite "seguro" que funcione para todas as pessoas.
"Em última análise, você tem que se tornar seu próprio cientista - não há alternativa a uma cuidadosa auto-experimentação", diz ele.
Mas os críticos dizem que isso não se aplica a bebidas energéticas e alimentos com cafeína, cujos efeitos são, indiscutivelmente, mais difíceis de julgar.



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