Em matéria de imigração ilegal, os trabalhistas no poder na Austrália acabam de operar uma surpreendente reviravolta. Apesar das críticas de organizações de direitos humanos, o governo da primeira-ministra Julia Gillard decidiu por fim reabrir dois campos de detenção em pequenas ilhas do Pacífico, em Papua-Nova Guiné e em Nauru. Ele enviará para lá os refugiados interceptados enquanto tentavam chegar até a Austrália, particularmente através da Indonésia, em condições perigosas.
Essa política, conhecida pelo nome de “Pacific Solution” e conduzida pelo conservador John Howard entre 2001 e 2007, após a crise do Tampa – um navio norueguês que teve acesso recusado às águas territoriais australianas depois de socorrer 438 clandestinos afegãos - , havia sido abandonada pelos trabalhistas quando eles chegaram ao poder em 2008.
Mas, na última terça-feira (14), Gillard voltou atrás. As chegadas de refugiados, a maior parte do Afeganistão, do Sri Lanka e do Irã, não pararam e o discurso da oposição criticando a frouxidão das autoridades encontrou certa simpatia entre a população. “Não é mais hora de política, agora é hora de agir”, declarou a primeira-ministra, antes de um debate no Parlamento.
Na véspera, ela havia recebido as recomendações da comissão de especialistas criada em junho para resolver o impasse. Os senadores haviam acabado de rejeitar uma proposta de lei sobre a reabertura de um centro de detenção em Nauru e um acordo com a Malásia, alegando que esse país, que não assinou a convenção das Nações Unidas sobre os refugiados, não poderia oferecer uma proteção adequada.
A comissão emitiu no total 22 recomendações, entre elas a reabertura de dois centros no exterior, mas também o apelo por uma maior cooperação regional, explicando que tentou buscar uma solução “firme, mas não insensível”, “realista, mas não idealista”, “guiada pelo senso de humanidade e pela justiça”.
Em dez anos, 964 refugiados morreram tentando chegar até a Austrália, sendo 604 deles desde outubro de 2009. “É inaceitável que não se faça nada. Por isso nós propusemos uma nova abordagem, que seja global, integrada e justa”, afirmou um dos especialistas. Na terça-feira, as autoridades anunciavam que pelo menos três barcos que transportavam mais de 150 pessoas foram interceptados.
Na quarta-feira (15), a câmara baixa do Parlamento aprovou a lei e os senadores deverão fazer o mesmo, em razão do apoio da maioria trabalhista e da oposição. Esta última não deixou de criticar as hesitações do governo. Gillard afirmou que espera poder reabrir os dois centros daqui a um mês. Além disso, uma equipe de reconhecimento militar foi enviada na última sexta-feira (17).
No entanto, a mudança de postura dos trabalhistas foi criticada com veemência pelas associações de defesa de direitos humanos, que haviam criticado no passado as condições de detenção dos refugiados e a demora dos procedimentos no governo Howard.
O Conselho dos Refugiados da Austrália, que reúne ONGs e cidadãos, recebeu com “uma decepção profunda” a decisão de ter de recorrer novamente aos centros de detenção no exterior. “O que estamos vendo”, opinou Nick Riemer, porta-voz de outra ONG, a Refugee Action Coalition, “é um retorno à crueldade e à desumanidade das políticas do passado”.
Para Ben Saul, diretor do centro de direito internacional da Universidade de Sydney, a Austrália – um destino atraente na região, por ser um dos raros países da Ásia-Pacífico a ter uma tradição de receptividade – “está longe de ser invadida pelos refugiados, que são somente alguns milhares por ano”. Segundo números oficiais, em 2011, 4.565 pessoas chegaram clandestinamente a bordo de 69 barcos. De janeiro a agosto de 2012, foram 7.629 delas, a bordo de 11 embarcações. Além disso, entre julho de 2010 e junho de 2011, mais de 6.300 teriam chegado de avião.
“A Austrália evidentemente pode fazer mais”, afirma Saul ao “Le Monde”. “A solução não é punir os refugiados que vêm aqui os enviando ao exterior enquanto examinam sua situação em uma situação de incerteza em pequenas e pobres ilhas do Pacífico, mas sim de lhes oferecer uma proteção independentemente da maneira como eles vieram, pelo menos até que o número daqueles que vêm se torne impossível de administrar”.
Mas o Conselho dos Refugiados da Austrália comemorou a recomendação do grupo de especialistas de se aumentar a cota de entradas de refugiados de 13 mil para 20 mil ao ano e de chegar até 27 mil em cinco anos, ao mesmo tempo em que buscam uma maior cooperação com os países da região, especialmente a Indonésia e a Malásia.
Tradutor: Lana Lim
Reportagem de François Bougon
foto:refunitebrasil.wordpress.com
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