A questão das “discriminações e atos de violência motivados pela orientação sexual e pela identidade de gênero” foi discutida pela primeira vez, na última quarta-feira (7), dentro da ONU. E foi ao Conselho dos Direitos Humanos, pouco conhecido por suas visões liberais, que coube o privilégio de abrir esse debate “histórico” --dentro de sua 19ª sessão, que acontece em Genebra até o dia 23 de março--, obrigando os países da Organização da Conferência Islâmica (OCI) e os Estados africanos a se pronunciarem sobre um tema que até então era um completo tabu.
Na abertura da reunião, o secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, em uma mensagem por vídeo exortou os 49 Estados-membros do Conselho a reagirem frente “à terrível violência” que atinge as lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros (LGBT) no mundo inteiro. “Como muita gente da minha geração, eu não falava sobre isso antigamente. Mas aprendi a fazê-lo, pois há vidas em perigo." "Qualquer ataque contra você é um ataque contra os valores universais dos direitos humanos!”, disse ele a militantes vindos de países como Paquistão, Brasil e Nigéria, avaliando que “uma mudança histórica de paradigma” estava em andamento.
Em junho de 2011, por iniciativa da África do Sul e do Brasil, o Conselho dos Direitos Humanos já havia aberto uma brecha ao aprovar, por 23 votos contra 19 (três abstenções, entre elas a da China), uma resolução sobre o tema. Navi Pillay, a alta comissária das Nações Unidas para os direitos humanos, foi encarregada de um estudo sobre as “leis e práticas discriminatórias e os atos de violência” contra os LGBT. Um debate havia sido programado.
O relatório de Pillay, publicado em dezembro de 2011, traz um quadro assustador. Setenta e seis países continuam a criminalizar as relações sexuais consensuais entre adultos, sendo que cinco deles preveem a pena de morte. Em muitas regiões, assassinatos, agressões, estupros e atos de tortura ocorrem sem que exista nenhum sistema de registro desses crimes. São inúmeras as discriminações em matéria de emprego, de saúde e de educação.
Esses fatos, que violam a Declaração Universal dos Direitos Humanos e o artigo 2 do pacto sobre os direitos civis e políticos, são denunciados regularmente pelos especialistas da ONU que trabalham com outros temas. O relator sobre as execuções extrajudiciais recentemente chamou a atenção para o assassinato de 31 pessoas LGBT em Honduras, em um período de 18 meses.
A especialista em violência contra mulheres relatou o assassinato de lésbicas na África do Sul, onde duas mulheres foram espancadas e apedrejadas recentemente. ONGs denunciaram um agravamento brutal da intolerância em Camarões. Em 2009, a OCDE assinalou 44 assassinatos cometidos em 22 de seus Estados-membros.
"Ignorância e fanatismo"
Navi Pillay, falando no púlpito, propôs ab-rogar as leis discriminatórias e trabalhar para mudar as mentalidades, lembrando que a “ignorância e o fanatismo não têm o mesmo poder da educação”.
Mas, assim que foi aberto o debate, o Paquistão, que falava em nome da OCI, mostrou o tamanho do abismo que separa os Estados. Seu representante chamou a noção de orientação sexual de “vaga e falaciosa”, considerando que “comportamentos devassos” poderiam “legitimar a pedofilia e o incesto” e ir contra os princípios do islamismo, e conferir um “status especial” aos homossexuais, além de “promover valores que não eram alvo de consenso internacional”.
Esses argumentos foram repetidos pela Mauritânia para o grupo árabe, pelo Senegal para o grupo africano e pela Rússia, onde as paradas gay são proibidas. A União Europeia, os Estados Unidos e os países da América do Sul, além de Cuba, lembraram que se tratava de aplicar os princípios da lei internacional. Durante uma reunião preparatória, um diplomata da “nova” Líbia havia declarado que “os homossexuais ameaçam o futuro da raça humana”. O embaixador paquistanês havia ameaçado boicotar, mas o escândalo não aconteceu, uma vez que alguns diplomatas decidiram deixar discretamente a sala no momento do debate.
As ONGs comemoram o fato de que a questão da orientação sexual se encontra em pauta e “não pareça mais um tema defendido somente pelos ocidentais”, como explica Graeme Reid, defensor dos LGBT para a Human Rights Watch. Mas os opositores já anunciaram sua intenção de encerrar o debate. A exemplo do Paquistão, que pediu para que o “assunto” nunca mais seja abordado em Genebra.
Reportagem de Agahe Duparc para o jornal francês Le Monde
Tradutor: Lana Lim
foto:naopassarao.blogspot.com

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