25/05/2011

O preço do desenvolvimento: China enfrenta desertificação acelerada

Uma notícia que causa preocupação não apenas com relação a China, mas com o futuro do planeta. Será que o ser humano não aprende as lições do passado e não percebe que desenvolvimento sustentável não é um chavão vazio dos ecologistas, mas uma condição fundamental para garantir a preservação da vida na terra? Será que todas as tragédias ambientais causadas pela ação humana já não produziram mortes e destruições suficientes? Até quando os interesses econômicos e políticos serão a prioridade? Quantos mais terão que morrer para mudar esta ordem perversa?



Área de desertificação chinesa

Sentado ao lado de seu pai no quintal de uma antiga casa tradicional uigure de tijolos ocre, Kalik comemora: “Nós conseguimos produzir 500 quilos de uva por dia”, diz. Essa produtividade é um milagre, considerando as condições climáticas às quais está submetida Turpan, oásis situado em pleno deserto, na região de Xinjiang, extremo noroeste da China. O solo é seco, muitas vezes arenoso. As chuvas não passam de 20 milímetros ao ano.
O jovem sabe que deve sua produção, que sustenta toda sua família, ao canal que passa a alguns passos da propriedade e foi escavado quatro séculos atrás. É uma das artérias do karez, um sistema de irrigação que remonta a mais de dois milênios e que serviu de corda de segurança para esse oásis, funcionando como parada para as caravanas que tomavam a antiga Rota da Seda. Esses canais de irrigação, outrora chamados de “qanats”, se encontram em diversas regiões áridas da Ásia Central.
“A água é doce, ela provém diretamente da Tian Shan”, explica Kalik, evocando as Montanhas Celestiais, a cordilheira que atravessa a região a quilômetros de Turpan. A rede de canais subterrâneos permite que a água das montanhas chegue até essa depressão, ao mesmo tempo em que evitam a evaporação nessa zona onde a temperatura pode chegar a 50 graus Celsius durante os meses de verão.
Na frente da casa ainda florescem cerejeiras, mas o milagre tem sido colocado duramente à prova há alguns anos. A algumas ruas de lá, os trabalhadores migrantes se empenham nos canteiros de obras de concreto, que aos poucos vão tomando conta dos antigos bairros tradicionais. O sistema de irrigação acompanha com dificuldades o ritmo de crescimento. Turpan não escapa da urbanização maciça e da superexploração dos recursos naturais. Para uma cidade chinesa, ela continua tendo uma dimensão modesta, mas a população hoje ultrapassa os 600 mil habitantes, sendo que em 1949 ela possuía 67.300.

Nos lençóis freáticos

Se os habitantes conseguiram cultivar em pleno deserto uma uva que se tornou famosa em todo o país, foi graças aos 5 mil quilômetros de canais. Mas, superexplorados e mal cuidados, estes secaram. Somente 300 dos 1.237 karez registrados em 1957 ainda estão em funcionamento. O ecossistema que havia se organizado em torno deles está se degradando.
Ao mesmo tempo, a produção agrícola, principal fonte de atividade econômica em Turpan, decolou.  A área a ser irrigada passou de 60 mil hectares em 1970 para 113 mil em 2008. Como os karez não fornecem mais água o suficiente para garantir os rendimentos e alimentar as habitações modernas, o vilarejo começou a retirar diretamente dos modestos lençóis freáticos.
Como consequência direta dessa decisão, seu nível tem baixado de 1,5 a 2 metros por ano, calcula o Banco Mundial. “Com o rápido crescimento econômico desses últimos anos, o consumo de água vem subindo e ultrapassa as quantidades disponíveis, levando a um uso excessivo dos lençóis”, observava a instituição em 2010.
“Nos cinco últimos anos, a água se tornou menos abundante, isso se vê particularmente em julho e agosto”, constata Liu Daohong, um trabalhador agrícola que chegou há dez anos da província central de Henan. Ele trabalha em um campo irrigado diretamente pelos lençóis freáticos. Assim como ele, muitos migrantes Han, a etnia maioritária na China, vieram se instalar em Turpan, atraídos pela possibilidade de encontrar um emprego no setor agrícola, nessa região onde a maioria da população pertence à etnia uigure.
A alguns quilômetros ao sul da cidade, a constatação é similar no “jardim botânico”, na verdade um laboratório de pesquisa no meio da natureza sobre a capacidade das plantas de resistirem em zona árida extrema e de servirem de barreira natural contra o avanço do deserto. “Há dez anos, nós podíamos encontrar água a 18 metros de profundidade, mas hoje é preciso perfurar entre 25 e 30 metros. Preferimos utilizar a água a uma profundidade de 156 metros, pois é menos salgada”, explica um professor da Academia de Ciências chinesa, especializada no combate à desertificação.
Ao se conscientizar sobre a ameaça que pesa sobre Turpan, a China deu início a grandes obras, cujo custo deverá ser de US$ 204 milhões (R$ 330 milhões). Três reservatórios serão construídos nas montanhas próximas, a fim de assegurar o abastecimento de água durante o ano, a um custo de US$ 142 milhões (R$ 230 milhões).
No papel, esses projetos apresentam o papel histórico dos karez. Mas as autoridades locais não parecem realmente convencidas do futuro desses canais: do total de somas liberadas, somente US$ 500 mil serão dedicados à recuperação de um único karez, um projeto apresentado como um experimento.




Texto de Harold Thibault para o jornal francês Le Monde
(http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/lemonde/2011/05/06/china-enfrenta-desertificacao-acelerada.jhtm)
foto: tiosam.org

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