31/05/2010

Educação para paz - V



Educar para a paz não significa, de maneira alguma, formar indivíduos sem o impulso do desenvolvimento, da competição, da ânsia de vencer desafios, de crescer profissionalmente nem muito menos sem ter ambições pessoais. Educar para paz é incutir nos educandos uma leitura do mundo e da sociedade sob uma nova ótica. Uma visão que privilegie a conciliação, o entendimento, a solução de conflitos por meio de compreensão integral do individuo e do papel que representa na sociedade. Não apenas de vencer desafios, chegar na frente.
Tudo isso é importante e faz parte do desenvolvimento individual, mas quando o preço a pagar por isso é uma vida de litígio, é uma sociedade voltada para a “guerra” permanente e a fragmentação geral – de seres e pensamentos -, é alto demais e está minando a convivência entre as pessoas. E esta visão de mundo e perspectiva de futuro não é atual, embora a passos não tão ligeiros quanto fosse o ideal, tem caminhado. A seguir  será apresentada esta trajetória.
Movimento holístico
O termo holismo vem do grego holos que significa todo. Está longe de ser uma idéia contemporânea, já no século VI antes de Cristo, o filósofo Heráclito de Éfeso afirmava que "a parte é diferente do todo, mas também é o mesmo que o todo. A essência é o todo e a parte". 
O movimento holítisco, tal qual o conhecemos hoje, surgiu a partir de 1926 após a publicação do livro do filósofo sul-africano Jan Smuts, “Holism and Evolution”. Descoberto pelo discípulo de Freud, Alfred Adler, o livro foi lançado na Europa.  O movimento ganhou força nos movimentos contraculturais dos anos 60. Aníbal (2009) [1]explica a origem deste pensamento:
(...) foi com a revolução extraordinária da Física das Partículas e, principalmente com a Teoria da Relatividade de Einstein, que o termo passou a ser aplicado com uma conotação mais paradigmática dentro da transformação conceitual da ciência.
A Ciência, antes estritamente objetiva, torna-se epistêmica (voltada para o próprio processo intelectual de conhecer), já que as teorias revelam mais sobre a mente que a concebe que propriamente da realidade. Toda teoria é um modelo de explicação aproximada da realidade. Não é apenas o conjunto de elementos isolados que formam o universo de fenômenos estudado pela ciência. Mas a interação, a RELAÇÃO que existe entre esses elementos. Aliás, é mais provável que os elementos sejam frutos da própria relação tanto quanto esta é fruto destes. Desta forma, a realidade é um processo de troca de informações entre todos os entes físicos, biológicos, psicológicos e sociais.

Antes de prosseguir é interesse reproduzir a definição de holismo do teólogo e filosofo brasileiro Leonardo Boff, citado por Aníbal em seu artigo já mencionado no parágrafo anterior. Ele diz :

O holismo não significa a soma das partes, mas a captação da totalidade orgânica, una e diversa em suas partes, mas sempre articuladas entre si dentro da totalidade e constituindo esta totalidade. Esta cosmovisão desperta no ser humano a consciência de sua funcionalidade dentro desta imensa totalidade. Ele é um ser que pode captar todas estas dimensões, alegrar-se com elas, louvar e agradecer aquela Inteligência que tudo ordena e aquele Amor que tudo move, sentir-se um ser ético, responsável pela parte do universo que lhe cabe habitar, a Terra.
Ela, a Terra, é, segundo notáveis cientistas, um superorganismo vivo, denominado Gaia, com calibragens refinadíssimas de elementos físico-químicos e auto-organizacionais que somente um ser vivo pode ter. Nós, seres humanos, podemos ser o satã da Terra, como podemos ser seu anjo da guarda bom. Esta visão exige uma nova civilização e um novo tipo de religião, capaz de re-ligar Deus e mundo, mundo e ser humano, ser humano e a espiritualidade do cosmos.

Desde forma é possível dizer que o movimento holístico quebra muitos paradigmas e segundo Smuts, um dos mais significativos é que “o conceito mecanicista da natureza tem o seu lugar e a sua justificação apenas na estrutura mais ampla do holismo". Ou seja, ao contrário da visão fragmentado newtoniano-cartesiana do mundo, para o holismo o todo está sempre ligado as partes, produzindo interações constantes. E esta fragmentação também pode ser entendida como as fronteiras do mundo material que separa, divide, obrigando uma visão em partes do universo. São as fronteiras nacionais, econômicas, religiosas, de conhecimento, aquelas existentes entre o ser humano e a natureza, as interpessoais e entre o sujeito e o objeto.
O objetivo do holismo é ir além destas dualidades que dividem e desagregam o ser humano e ir ao encontro (interior e depois materializado) de uma compreensão total de todas as manifestações de vida na Terra. Uma compreensão que será viável a partir do entendimento da sinergia existente entre tudo e todos.
Assim, o holismo atua como um construtor de pontes entre os fragmentos para tentar reunificá-los e assim permitir um reagrupamento de tudo que foi separado forçadamente pela sociedade por meio de paradigmas e crenças distorcidas do que é a vida e de qual é a razão de ter surgido neste planeta.
De acordo com artigo publicado na Revista Mercuryo[2] e que sintetiza de forma clara e concisa,  o holismo:
É tão somente uma visão de mundo que vem se contrapor à visão dualista, fragmentadora e mecanicista que despojou o ser humano da sua unidade, ao longo desses séculos de civilização tecnológica e de racionalismo exacerbado. 
A holística basicamente é uma atitude diante da realidade, uma forma de ver e compreender o mundo, um espaço onde é permitido um intercâmbio dinâmico entre Ciência, Arte, Filosofia e as Tradições Espirituais, sendo exatamente esse intercâmbio que se propõe como uma das mais criativas formas de enfrentamento dos desafios deste final de século. 
 (...) Não exclui, não condena, não separa. Não nega nem afirma. Trata, tão somente de construir pontes, de estabelecer nexos e correlações entre campos até então considerados inconciliáveis como entre a Ciência e o Misticismo, a Arte e a Filosofia.  Considera que em cada coisa está representado o Todo e que este transcende a simples soma de suas partes.

Desta forma fica fácil entender a proximidade que o movimento holístico manteve (e mantém) com outros movimentos que surgiram nos anos 60 como o hippie, da medicina alternativa, feminista e ecológico, entre outros.  Todos eles (e soutros não citados) têm um denominador comum: são contrários ao modelo mecanicista imposto pela sociedade que divide maniqueistamente o mundo e as pessoas, fragmento o pensamento, separa o conhecimento e que tem como fundamento básico a dominação pela força (de indivíduos e idéias) das classes que estão no poder. Além de garantir a manutenção do controle, da produção em série e ainda da padronização em todos os aspectos da vida.
Por isso, antes de encerrar este tópico é oportuno mais uma vez recorrer ao artigo já citado anteriormente, desta vez sobre as conseqüências na vida cotidiana que produz a assimilação da visão holística:
Vislumbramos uma forma diferente de encarar a saúde e a doença, o processo de cura, e a Morte. Alcançamos um maior entendimento do que se passa durante o processo de ensino-aprendizagem, e de quais estratégias são mais adequadas para obter um melhor rendimento de nossas escolas aproveitando de maneira mais criativa as infinitas potencialidades do nosso cérebro. 
Despertamos para novas abordagens na psicologia que extrapolam os limites do pessoal e nos mergulham em níveis chamados transpessoais, e nos damos conta da importância existencial e terapêutica dos estados ampliados de consciência. 
Descobrimos também maneiras inusitadas de se administrar empresas, com a possibilidade de progredir e ter lucros aumentados mesmo em épocas de crise, e mais, dentro de uma relação harmônica com o meio ambiente. E podemos também participar de uma prática política instigante, repleta de significado, amor ao próximo, e realização enquanto ser humano, além de estarmos prontos para relacionamentos humanos mais prazerosos e criativos, onde haja um clima de alegria, respeito, amor e compreensão, e sobretudo, de liberdade. 

No próximo tópico será apresentada a trajetória e o momento presente do movimento holístico no Brasil.


[1] ANIBAL, Carlos. O novo paradigma holístico. Disponível em http://www.institutoluz.com.br/?p=artigo08. Acesso em setembro de 2009.
[2] Revista Mercuryo. A visão holística. Disponível em http://www.clotildenews.digi.com.br/holistic.htm. Acesso em setembro de 2009.

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