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12/06/2017

Os seis dias que já duram 50 anos: a guerra que mudou para sempre o Oriente Médio

Cena da guerra dos Seis Dias
Poucas guerras foram tão curtas - e tiveram consequências tão amplas e duradouras.
Há 50 anos, entre 5 e 10 de junho de 1967, Israel enfrentou simultaneamente os exércitos de Egito, Síria e Jordânia. E impôs a todos uma derrota fulminante no conflito conhecido como a Guerra dos Seis Dias.
Foi uma transformação no xadrez geopolítico do Oriente Médio, com efeitos sentidos até hoje.
"A guerra transformou o Oriente Médio porque teve um impacto significativo no mundo árabe, em Israel e na atuação dos Estados Unidos na região", afirmou Kenneth Stein, professor de História do Oriente Médio e Ciência Política na universidade Emory, nos EUA.
"As sequelas prosseguem e ainda não conhecemos o resultado final", disse Stein à BBC Mundo, o serviço em espanhol da BBC.
A primeira consequência evidente da guerra diz respeito a território: Israel multiplicou seu tamanho tomando a península do Sinai do Egito e as colinas de Golã da Síria. A Jordânia perdeu a Cisjordânia.
Segundo Stein, essa mudança no mapa do Oriente Médio em junho de 1967 foi a mais dramática desde 1916, quando França e Reino Unido fizeram a partilha da região no acordo secreto de Sykes-Picot.
A vitória rápida surpreendeu até os israelenses.
"Israel não tinha intenção de ir à guerra ou invadir países árabes. Seu objetivo era neutralizar o exército egípcio. As atas das reuniões do governo israelense durante a guerra mostravam a incerteza que havia sobre o que fazer com os territórios", diz o especialista americano.

Aniquilação

Em 1967, a percepção de um conflito iminente entre árabes e judeus estava no ar. Em 14 de maio, o presidente egípcio, Gamal Abdel Nasser, tinha mobilizado milhares de soldados na fronteira com Israel quando solicitou a retirada das forças de paz da ONU presentes na região desde 1957.
Oito dias depois, o Egito instituiu um bloqueio naval a Israel no estreito de Tiran, fechando o único acesso marítimo que o Estado judeu tinha ao mercado asiático, e sua rota de recebimento de petróleo por seu principal provedor à época, o Irã.
As decisões vieram com ameaças.
"Os exércitos de Egito, Jordânia, Síria e Líbano estão nas fronteiras de Israel, e atrás de nós estão as tropas de todo o mundo árabe. Assombraremos o mundo! Chegou a hora de agir", disse Nasser em discurso em 30 de maio.
O ministro da Defesa e futuro presidente da Síria Hafez al Assad anunciou sua disposição para o conflito. "Estamos com o dedo no gatilho. Chegou o momento para uma batalha de aniquilação."
Autor do livro Guerras justas e injustas, o filósofo americano Michael Walzer ressalta o contraste entre as expectativas antes da guerra e o conflito em si.
"O triunfo israelense foi tão extraordinário que jogou no esquecimento a ansiedade de semanas anteriores", escreveu.
Segundo Walzer, enquanto o Egito vivia uma febre bélica e a expectativa de vitória, o ânimo em Israel era completamente diferente: o pânico deixava vazias as prateleiras de supermercados e milhares de sepulturas foram cavadas em cemitérios militares à espera de soldados mortos.

Surpresa

Na manhã de 5 de junho, o premiê israelense, Levi Eshkol, ordenou um ataque aéreo surpresa em que 90% da Força Aérea egípcia foi destruída no solo. O mesmo se passou na Síria.
"Israel estava sendo estrangulado e precisava desatar o nó que tinha ao redor do pescoço", conta Stein.
Outra explicação para o ataque está na doutrina militar de Israel de levar conflitos ao território inimigo: uma guerra em Israel causaria uma enorme quantidade de baixas - seu território é pequeno e com alta concentração populacional.
Nathan Sachs, diretor do Centro de Políticas sobre Oriente Médio do Instituto Brookings, em Washington, ressalta que, embora Israel soubesse ter poder militar suficiente para derrotar os árabes, não podia permitir que as tensões se prolongassem demais.
"Israel era mais forte, mas apenas porque o país inteiro estava comprometido com o esforço de guerra. Precisava de enormes recursos para manter o alto nível de alerta. Então, havia limites para o quanto podia sustentar essa situação. A economia inteira tinha sido mobilizada para responder às ameaças", diz Sachs.

Bravatas?

Alguns analistas acreditam que, apesar dos indícios de que um ataque árabe era iminente, Nasser não tinha intenções de iniciar uma guerra, mas apenas fazer bravatas dentro de um plano de se tornar líder do mundo árabe.
"É bem provável que Nasser já considerasse uma grande vitória se pudesse ter bloqueado o estreito e mantido tropas na fronteira sem realmente ir à guerra", escreveu Walzer.
A derrota, porém, foi um duro golpe para Nasser e para a ideologia do pan-arabismo, que promovia a unidade política e cultural do mundo árabe.
"Nasser era o líder árabe mais importante do momento. Era também muito carismático, mas a derrota em 1967 afetou dramaticamente sua reputação e mudou o balanço de poder na região", explica Sachs.
Especialistas como Stein veem a Guerra dos Seis Dias como o princípio do fim do pan-arabismo e uma das causas do surgimento de movimentos islâmicos radicais no mundo árabe.

Causa palestina

O resultado do conflito teve impacto direto na causa palestina, uma bandeira comum dos Estados árabes.
Sachs explica que, antes de 1967, a maior parte dos palestinos vivendo na Jordânia eram cidadãos deste país, pois os demais não concediam cidadania. Sendo assim, uma tema central eram os refugiados e seus descedentes, gente que vivera onde era Israel e que de lá tinha saído após a fundação do Estado judeu, em 1948.
"Depois da Guerra dos Seis Dias, os países árabes ficaram menos interessados em lutar pelos palestinos e mais preocupados em recuperar seu próprio território. Surge, então, um movimento palestino independente com causa nacionalista e que tenta buscar a atenção internacional."
Esse movimento recorreu a meios violentos para impulsionar a causa, como sequestros e atentados. Entre eles, o assassinato de 11 atletas israelenses durante as Olimpíadas de Munique, a Alemanha, em 1972.

Sementes da paz

No entanto, a guerra também abriu oportunidades para a paz entre Israel e outros vizinhos. O conflito tornou possíveis os acordos com Egito (1979) e Jordânia (1994), bem como as negociações falidas com a Síria.
"Antes de 1967 havia muito poucas oportunidades de negociação. Principalmente porque os Estados árabes esperavam derrotar Israel militarmente", afirma Sachs.
A derrota, porém, deu a Israel espaço de manobra. "Muitos países começaram a pensar de forma pragmática sobre como lidar com a existência de Israel."
Ainda assim, os Estados árabes fizeram nova tentativa de resolver as coisas à força. Em 1973, Egito e Síria atacaram Israel no Dia do Perdão, o mais sagrado do calendário judaico - o conflito durou três semanas. Mas Stein ressalta que a diplomacia acabou vencendo.
"Se Nasser não tivesse perdido o Sinai, o Egito, com o sucessor Anwar al Sadat, não teria que ter se esforçado para recuperá-lo, algo que só veio com a paz junto a Israel. Isso mudou a natureza do conflito."
A guerra também deu início a uma era de maior envolvimento dos EUA no Oriente Médio - tanto que Washington foi protagonista nas negociações de paz entre Israel, Egito e Jordânia.
E embora proteger Israel fizesse parte da política externa americana, até 1967 o principal provedor de armas para Israel, por exemplo, era a França.
"Agora Washington é referência quando se trata do conflito árabe-israelense", diz Stein.

Dilema interno

No terceiro dia da guerra de 1967, o exército israelense tomou o controle de Jerusalém Oriental, e o premiê Eshkol comentou que o país tinha "recebido um bom dote, mas uma noiva de que não gostava".
Foram palavras premonitórias.
"Na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental estão os lugares mais sagrados para os judeus, e isso mudou muita coisa em Israel. Fomentou o sionismo religioso em oposição ao secular, que havia predominado até então. Depois de 1967, havia quem visse nessa vitória uma 'intenção divina' de devolver os locais sagrados aos judeus", analisa Sachs.
"Isso teve um efeito dramático na política israelense, que começou a se concentrar mais nos territórios do que na economia e em outros assuntos."
Stein diz que Jerusalém se transformou em parte do debate.
"Conquistar Jerusalém teve um imenso impacto emocional. Tanto que, anos mais tarde, o Estado aprovou uma lei que declara a cidade como a capital eterna do povo judeu."
Desde então, o país se moveu ideologicamente do centro para a centro-direita.
Israel também ocupou o território do antigo protetorado britânico da Palestina, onde construiu assentamentos para seus prórpios cidadãos e gerou acusações de violações de direitos humanos e condenações por uma série de instituições, incluindo a ONU.
Para Sachs, a situação atual está em um limbo. "Se Israel incorpora a Cisjordânia a seu território, mudaria completamente o país, pois não teria uma maioria judia e criaria o risco de uma guerra civil."
A alternativa, na opinião do especialista, seria a retirada de Israel da Cisjordânia para permitir a criação de um Estado palestino. Só que iniciativas anteriores revelaram um problema de segurança.
"As tentativas de acordo de paz com os palestinos fracassaram. Quando Israel deixou voluntariamente a Faixa de Gaza, em 2005, o que conseguiu foi mais beligerância por parte do (grupo extremista) Hamas."
Deste modo, entre segurança e democracia, Israel enfrenta um dilema fundamental que, 50 anos depois da Guerra dos Seis Dias, ainda não sabe como resolver.

fonte:http://www.bbc.com/portuguese/internacional-40200042#orb-banner
foto:http://contact.photoshelter.com/image/I0000qoGFrMaayyo

28/04/2017

1ª greve geral do país, há 100 anos, foi iniciada por mulheres e durou 30 dias

Em junho de 1917, décadas antes da consolidação das leis trabalhistas no Brasil, cerca de 400 operários - em sua maioria mulheres - da fábrica têxtil Cotonifício Crespi na Mooca, em São Paulo, paralisaram suas atividades.
Eles pediam, entre outras coisas, aumento de salários e redução das jornadas de trabalho, que até então não eram garantidos por lei. Em algumas semanas, a greve se espalharia por diversos setores da economia, por todo o Estado de São Paulo e, em seguida, para o Rio de Janeiro e Porto Alegre. Era a primeira "greve geral" no país.
Mas uma das principais diferenças entre aquela e a greve geral convocada para esta sexta-feira, em protesto contra as reformas trabalhista e da Previdência, é que, em 1917, ela não foi anunciada como tal, disse à BBC Brasil o historiador Claudio Batalha, da Unicamp.
"Não é uma greve que já tivesse bandeiras gerais. Ela começa com questões específicas dos setores que vão aderindo ao movimento grevista, alguns por solidariedade. Depois é que a pauta passou a incluir desde reivindicações relacionadas ao trabalho até reivindicações de cunho político - libertação dos presos do movimento, por exemplo."
Uma destas questões específicas, menos comentada nos livros de história, era o assédio sexual. Segundo Batalha, parte da revolta das funcionárias do Cotonifício Crespi era o assédio que sofriam dos chamados contramestres, funcionários que supervisionavam o chão de fábrica.
"Isso não era incomum na época. Greves anteriores já haviam começado contra determinado funcionário que tivesse um cargo de chefia e tirasse proveito desse poder", explica.

Crescimento

Mas se a convocação de 2017 reflete a insegurança causada pelo desemprego e pela recessão, em 1917, a indústria brasileira ia de vento em popa.
Na verdade, os lucros das empresas chegavam a duplicar a cada ano.
"Entre 1914 e 1917, com a Primeira Guerra Mundial, se passou de uma recessão econômica a um superemprego, porque os produtos brasileiros passaram a substituir os importados e a serem exportados", explica o historiador italiano radicado no Brasil Luigi Biondi, da Unifesp.
"Em 1914, o Cotonifício Crespi lucrou 196 contos de réis. No ano seguinte, o lucro foi de 350 contos de réis. E foi aumentando. Enquanto isso, aumentavam as horas de trabalho."
Com o aumento da produção, as fábricas brasileiras, que tinham poucas máquinas, vindas do exterior, tiveram que usá-las por mais tempo. Isso significava que os operários passaram a trabalhar até 16 horas por dia, sem aumento de salário.
No final de junho, a paralisação dos operários do Crespi contagiou os 1.500 operários da fábrica têxtil Ipiranga. Em seguida, se espalhou pela indústria de móveis, concentrada no Brás, e chegou até a fábrica de bebidas da Antarctica.
"Em julho, a greve parou a cidade (São Paulo). Havia embates de rua e tentativa de saques aos moinhos que produziam farinha por causa da crise de abastecimento. Muitos foram mortos e feridos nos confrontos com a polícia", diz Biondi.
O movimento ganhou mais fôlego no dia 11 de julho, quando milhares acompanharam o enterro do sapateiro espanhol José Martinez, de 21 anos.
Ele morreu com um tiro no estômago depois que uma unidade de cavalaria da polícia dispersou manifestantes que quebraram barris de cerveja diante da fábrica da Antartica, segundo o jornal O Estado de S. Paulo, que noticiou o confronto.
"A partir daí, a greve se alastrou para quase todas as cidades do interior de São Paulo. Campinas, Piracicaba, Santos, Sorocaba, Ribeirão Preto. Até Poços de Caldas, no sul de Minas, que não era uma cidade industrial, teve movimentos de greve", afirma o historiador.

Negociação

Em 16 de julho - mais de um mês após o início da paralisação no Cotonifício Crespi - um acordo entre autoridades, organizações trabalhistas e industriais, mediado por jornalistas, pôs fim à greve em São Paulo. Mais ainda não era o fim da greve geral.
"Só em São Paulo a greve de fato terminou com uma negociação única. No Rio e em Porto Alegre, os movimentos tiveram dimensões gerais, mas só terminaram na medida em que cada setor chegava a um acordo com seu patronato. O ritmo de saída da greve foi aos poucos, assim como a adesão", explica Batalha.
Segundo Biondi, até mesmo na cidade de São Paulo ainda havia categorias entrando em greve no dia 18 de julho, como os pedreiros. Parte dos empresários se recusava a assinar os acordos e queria negociar condições diretamente com os funcionários.
Mesmo com a assinatura dos acordos, a consolidação dos direitos só viria em 1943, durante o regime de Getúlio Vargas.
"O que acontecia muitas vezes na época é que algo era obtido com uma greve, passava-se algum tempo e essa reivindicação voltava para nada", diz Claudio Batalha.
"Em 1907, também houve uma série de greves pedindo a jornada de trabalho de oito horas. E elas chegaram a diminuir, mas, depois de algum tempo, o patronato voltou a estabelecer as jornadas anteriores. O mesmo ocorreu após 1917."
A experiência da primeira greve geral também fez com que os empresários se preparassem para enfrentar futuras paralisações - o que tornou novas negociações mais difíceis para os trabalhadores.
"Uma das coisas que levou ao sucesso relativo da greve em 1917 é que as fábricas não tinham estoques. Quando os operários paravam, não havia produtos nas lojas. A partir daí, eles passaram a ter grandes estoques, e podiam permanecer sem funcionar um certo período porque tinham produção para vender."
Batalha lembra, no entanto, que o acordo só surgiu depois que "a greve atingiu dimensões tais que não tinha mais como controlar o movimento".
"A primeira tentativa de lidar com a greve foi de repressão. Essa era a tônica do período, tanto que houve mortes. Parte do processo de ampliação da greve, inclusive, se deveu a essas mortes."
"Até hoje a solução repressiva pode ser um desserviço às autoridades. Se a gente pensar nos protestos de 2013, a virada no número de pessoas em São Paulo foi quando houve uma repressão desproporcional à manifestação", afirma.

Ideologia

Em fevereiro de 1917, meses antes da greve brasileira, mulheres que trabalhavam na indústria têxtil deram início a protestos e a uma paralisação que teria consequências ainda maiores: a revolução russa.
"Essa greve também é importante porque mostra a conexão do Brasil com o resto do mundo. Naquele ano, greves como aquela ocorreram em diversos países", diz Luigi Biondi.
Ideologias como o anarquismo e o socialismo marxista, que chegaram a São Paulo principalmente pelos imigrantes italianos, tiveram um papel importante na organização do movimento.
"Por causa da Rússia, eles tinham a ideia de que aquilo poderia levar a uma insurreição dos trabalhadores. Isso não ocorreu, mas a cidade foi tomada. Pela primeira vez isso espantou as elites do país, que começaram a se dar conta de que a questão social urbana era grave e tinha que ser considerada."
Batalha acha que as correntes socialistas "tinham certa liderança", mas que sua influência era maior sobre trabalhadores qualificados.
"O que faz com que uma greve funcione é que as pessoas sintam que aquele estado de coisas chegou ao limite. Uma das características importantes de 1917 é que, pela primeira vez, setores que não participavam desse tipo de movimento começaram a participar."

Reportagem de Camilla Costa
fonte:http://www.bbc.com/portuguese/brasil-39740614#orb-banner
foto:https://naufrago-da-utopia.blogspot.com.br/2017/04/1917-heroica-greve-geral-que-custou.html

07/08/2016

A guerreira que abriu caminho para as mulheres brasileiras nos livros de História

Anita Garibaldi (imagem abaixo), cuja morte completa 195 anos nesta semana, foi uma das poucas mulheres a conseguir despontar em um universo majoritariamente masculino: as páginas dos livros didáticos sobre a história brasileira.

Um dos motivos, apontam pesquisadores, é o fato de sua trajetória fugir - e muito - do esperado para as mulheres de sua época.
Em pleno do século 19, Anita escolheu não ter filhos ao ser casar pela primeira vez, se separou do marido para se juntar às tropas dos Farrapos e se tornou, com seu companheiro Giuseppe Garibaldi, uma heroína revolucionária não só no país, mas também na Itália.
"Além de atuar na Revolução Farroupilha, no sul do Brasil, e em lutas no Uruguai, Anita também teve importante atuação nas guerras da unificação italiana junto a Garibaldi, que foi reconhecido como o maior herói daquele país", conta Cristina Scheibe Wolff, historiadora da Universidade Federal de Santa Catarina.
"Ela se destacou em um campo que não era visto como possível para as mulheres: a guerra revolucionária."
Segundo a pesquisadora, uma das autoras do livro Nova História das Mulheres no Brasil (Editora Contexto), o país teve diversas personagens importantes como Anita Garibaldi, mas que acabaram não tendo a mesma "sorte" dela.
O fato de a revolucionária ter sido uma exceção, aponta, é obra de um homem: o próprio marido, que sempre a incluiu em suas memórias.
"O que sabemos sobre Anita veio principalmente das memórias do Garibaldi, que demonstrava uma grande admiração por ela. De certa forma, a fama de Anita é decorrente da vida longa de Garibaldi, que ainda em vida foi reconhecido como herói e fez questão de dividir esse lugar com a memória da mulher."

As mulheres e os livros escolares

Segundo a pesquisadora, a ausência de mais personagens como Anita nos livros escolares brasileiros se deve à demora destes em incorporar estudos mais recentes.
"É somente a partir dos anos 1980 e, com mais força nos anos 2000, que temos uma produção mais significativa sobre a história das mulheres. Infelizmente, essa produção muitas vezes se dá de forma um pouco distanciada, como uma história a parte, nem sempre reconhecida por todas as correntes historiográficas."
Para ela, a ação de setores conservadores também tem parcela da culpa. "Recentemente, a bancada conservadora da Câmara de Deputados e setores ligados a igrejas forçaram a retirada do termo 'gênero' dos planos nacional, estaduais e municipais de educação", exemplifica.
"Acontece que a história das mulheres na escola é importantíssima para que meninos e meninas percebam a importância da igualdade de gênero, desfaçam preconceitos e vivam de forma mais igualitária suas relações sociais com respeito à diversidade."
Entre as mulheres guerreiras "esquecidas" pela História do Brasil, Cristina cita as indígenas - "quem sabe até as Amazonas descritas por Carvajal", em referência as lendárias guerreiras nativas relatadas por jesuíta no século 16 -, Dandara e outras negras que lutaram contra a escravidão e as participantes da Guerra da Independência, como a militar Maria Quitéria.
Além disso, lembra as cangaceiras, as enfermeiras das Força Expedicionária Brasileira na Segunda Guerra Mundial e as guerrilheiras que lutaram contra a ditadura militar.

'Heroína de dois mundos'

Ana Maria de Jesus Ribeiro, nasceu em 30 de agosto de 1821 em Laguna, em Santa Catarina - foi a terceira de uma família humilde de dez filhos.
Aos 14 anos, foi obrigada pela mãe a se casar com um sapateiro muito mais velho. Segundo outra versão, o casamento ocorreu porque a menina havia sido violentada.
Ainda adolescente, adotou costumes considerados avançados para as mulheres da época: se recusou a ter filhos, cavalgava e se interessava pela política do Brasil Império.
Em 1838, os rebeldes da Revolução Farroupilha (1835-1845) chegaram à cidade. E aos 18 anos, Anita fugiu de casa com as tropas comandadas pelo italiano Giuseppe Garibaldi.
Com o revolucionário, aprendeu manejar espadas e armas de fogo. Casaram-se em 1842 e tiveram quatro filhos, mas nunca viveram como uma família tradicional; mesmo grávida, ela não deixou de participar das batalhas que a fizeram entrar para a história.
Em 1846, ela se mudou para a Itália. Com a proclamação da República Romana, em 1848, Garibaldi se envolveu na luta pela unificação italiana e ela, grávida do último filho do casal, lutou ao lado do marido. Para integrar as tropas, cortou os cabelos e se vestiu como homem.
Acabou morrendo pouco tempo depois, em 4 de agosto de 1849, durante uma fuga das tropas. Tinha apenas 28 anos.
Ela entrou para os livros de História como a "heroína de dois mundos". Em 1931, o governo italiano reconheceu sua importância e enterrou seus restos mortais em Roma, em um monumento construído em sua homenagem na colina de Gianicolo. No Brasil, além da presença nos livros escolares, Anita Garibaldi tem um museu dedicado à sua memória em Laguna, além de dar nome a duas cidades de Santa Catarina.

Primeira feminista?

Para Cristina, Anita é importante para os movimentos pró-mulheres no Brasil. "É um exemplo conhecido de uma mulher que saiu de um casamento violento e não satisfatório para uma relação de companheirismo amoroso e ideológico", afirma.
Ela avalia, porém, ser anacrônico dizer que ela era feminista. "Anita Garibaldi viveu no início do século 19, quando ainda não se falava em feminismo, uma noção desconhecida naquela época", explica, ao citar a o início da luta de mulheres de vários países pelo voto e pela educação, no fim do mesmo século, como o estopim do movimento.
"Mas certamente era uma mulher que não se conformava com os estereótipos e lugares designados às mulheres de seu tempo - e mesmo do nosso tempo."

Reportagem de Lais Modelli
fonte:http://www.bbc.com/portuguese/brasil-36969317#orb-banner
foto:http://infinitoparticulardalva.blogspot.com.br/2010/06/feminino-plural.html

24/03/2016

Para historiador, corrupção é regra na relação entre governos e empreiteiras


"Para sobreviver nesse campo, já fiz. Agora se você me perguntar quando e com quem, eu não vou dizer nunca", disse o empresário Emilio Odebrecht em entrevista à "Folha de S.Paulo", em 1994, admitindo que já havia cometido irregularidades, como pagar propinas, durante a trajetória da empreiteira.
Naquela época, empresa era investigada por pagar propinas a políticos e participar no esquema de Paulo César Farias, tesoureiro da campanha de Fernando Collor e um dos personagens centrais do escândalo de corrupção que derrubou o ex-presidente. Emilio – pai de Marcelo Odebrecht, preso na Operação Lava Jato – negou essas acusações específicas na entrevista, mas reconheceu atos ilícitos em outros momentos da trajetória da empresa.
Nesta quarta-feira, documentos apreendidos pela Polícia Federal na Operação Lava Jato listaram possíveis repasses da Odebrecht a mais de 200 políticos de 24 partidos políticos. De acordo com as investigações, a Odebrechet possuía um departamento dedicado exclusivamente ao pagamento de propinas
Na terça, a empresa anunciou em nota que optou por colaborar definitivamente com a Lava Jato - ainda não foi confirmado se executivos e funcionários farão acordo de delação premiada com o Ministério Público Federal - e citou que as investigações revelam "a existência de um sistema ilegal e ilegítimo de financiamento do sistema partidário-eleitoral do país".
"Não me surpreende a existência desse departamento de propinas", diz o historiador Pedro Henrique Pedreira Campos, autor do livro "Estranhas Catedrais - As Empreiteiras Brasileiras e a Ditadura Civil-militar", que aborda a ligação das empresas de construção com o regime. Estudioso da trajetória das empreiteiras, Campos afirma que a Odebrechet "atuou permanentemente assim, desde a época da ditadura".
"A Odebrecht consegue a obra, acerta o pagamento de propina e a doação para campanha eleitoral e recebe o pagamento pela obra. Como é difícil receber o pagamento em dia, a empresa usa esses mecanismos para conseguir. E nesse processo, muitas vezes a qualidade e a duração das obras vão para o espaço. As obras ficam reféns desse cabo de força entre empreiteiras e governantes", diz o historiador.
"Não só a Odebrecht, que fique claro. Esse é o padrão das empreiteiras. Essa relação corrupta com o o Estado não é exceção, é regra", afirma Campos, que rechaça o discurso de que as empreiteiras são vítimas da corrupção dos governantes. "Elas [empresas] vivem contando essa ladainha, de que precisou pagar propina para conseguir o pagamento da obra", critica. "Eles não são vítimas desse processo. São os sujeitos ativos."
Além do pagamento de propinas e das doações, as empresas atuam muito com intermediários nas estatais, segundo o escritor, para manter seus contatos com os políticos. "A Lava Jato mostra isso, com funcionários e diretores envolvidos nas operações."
"Mas não adianta apenas prender o Odebrecht e punir os políticos. É preciso ver onde estão esses buracos institucionais e investir para tapá-los. Como fazer com os mecanismos que nutrem esse processo, como o financiamento eleitoral, a forma de preenchimento de cargos em estatal, as leis de licitação? Não adianta trazer uma empresa da China para fazer obras se esses mecanismos não forem alterados."

Aliada da ditadura, adaptada à abertura

Fundada na Bahia na década de 1940, a Odebrecht fechou seu primeiro contrato com a Petrobras, principal empresa vinculada à Lava Jato, em 1953, ano de fundação da estatal. E ela permaneceu aliada da petroleira, atuando principalmente na região Nordeste, até a década de 1970, quando ganhou a confiança de Ernesto Geisel, presidente da Petrobras durante o governo Médici (1970-1974).
Segundo Campos, a empresa contava com a simpatia do general, que virou presidente entre 1974 e 1979, por possuir uma posição "nacionalista", mais próxima dos militares, em relação às empreiteiras de São Paulo, ligadas a grupos internacionais.
De acordo com o historiador, a Odebrecht abriu caminho para se tornar a maior empreiteira do Brasil ao executar obras estratégicas do regime, como a construção da usina nuclear Angra 1. No Rio de Janeiro, ela também atuou na ampliação do aeroporto do Galeão e construiu o edifício-sede da Petrobras.
Com a abertura política, a Odebrecht foi a empresa que obteve maior êxito em se manter ligada ao poder durante a transição da ditadura à democracia, segundo Campos. Para isso, adaptou seu modo de operar com os governantes.
"Houve um movimento do setor das empreiteiras de se adaptar às novas características políticas, e a Odebrecht foi o caso de maior sucesso. Durante a ditadura, as ações dessas empresas eram direcionadas a certos alvos, como as estatais e os militares, e após o fim do regime passa a ter importância o Parlamento, as campanhas eleitorais", diz Campos.

Reportagem de Marcelo Freire
fonte:http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2016/03/24/para-historiador-corrupcao-e-regra-na-relacao-entre-governos-e-empreiteiras.htm
foto:http://miradouronoticias.com/web/2014/09/o-custo-da-corrupcao-no-brasil/

27/02/2016

Como seremos estudados pelos arqueólogos do futuro?

É fácil presumir que o mundo digital se resume a pixels e códigos, diretamente oposto ao caráter físico de livros, por exemplo. Brewster Khale sabe que a realidade é bem diferente. “Digital não é imaterial como muitas pessoas pensam”, explica o americano, um misto de analista de sistemas, empreendedor virtual e ativista online.
Kahle é o fundador do Internet Archive, uma espécie de museu da informação digital. De artigos de revista escaneados a vídeos e URLs, a quantidade de dados acumulados já ocupa mais de 20 milhões de gigabytes de espaço.
E tudo isso está armazenado em discos rígidos, CDs e fitas magnéticas, todas ocupando uma série de armazéns mantidos pelo Internet Archive em diversos lugares ao redor do mundo.
Mas o espaço físico ocupado não é o único problema: discos rígidos duram menos do que se imagina. O material de que são feitos, inclusive componentes eletrônicos, eventualmente vai degradar e parar de funcionar. CDs podem sofrer um tipo de “ferrugem” que limita sua vida útil plena a cinco anos de idade.

Poeira

E, se nossa cultura hoje é predominantemente digital, como é que vai resistir ao passar dos séculos? Como preservaremos informações sobre instituições, sociedades, culturas e descobertas científicas? Como futuros arqueólogos vão estudar como vivemos?
Uma possibilidade é que eles examinem nosso DNA, preservado deliberadamente em “fósseis sintéticos”. No futuro, a tendência é que seja cada vez mais barato “ler” o código genético que define todos os organismos vivos. Na Suíça, Robert Grass e Reinhard Heckel, do centro de pesquisas ETH, de Zurique, desenvolveram um método de “gravar” o DNA.
Como isso funciona sem que o DNA se deteriore? “Se você deixar o DNA exposto, ele começa a degradar em seis meses. Então, nosso desafio é encontrar uma forma de estabilizá-lo”, afirma Grass.
A solução é a “fossilização”: Grass e seus colegas queriam encontrar material que não fosse reativo e que tivesse resistência. No mundo natural, o DNA é mais bem preservado em ossos e em baixas temperaturas.
Isso explica por que pesquisadores recentemente puderam analisar DNA encontrado em ossos de um cavalo de 700 mil anos de idade. Mas se o fosfato de cálcio nos ossos tem uma boa estrutura química para encapsular o DNA, a substância conta com uma grande desvantagem: dissolve na água.
A equipe do ETH escolheu o vidro como material para o fóssil sintético, mais precisamente a sílica, sua matéria-prima. Embora um painel ou garrafa de vidro sejam frágeis, o tipo usado pelos suíços é extremamente resistente por ser incrivelmente pequeno – na verdade, é basicamente pó. Cada partícula contendo um punhado de DNA tem apenas 150 nanômetros de largura. Congelamento, impacto ou compressão não teria efeito sobre elas.
Elas podem até resistir a temperaturas extremamente altas, mas com um problema: o DNA contido nelas é afetado. Grass diz que o limite de resistência é 200 graus, e isso quer dizer que, enquanto as partículas sobreviveriam a um incêndio, os dados que elas contêm seriam destruídos.
A melhor temperatura para armazenar os “fósseis sintéticos” para evitar os efeitos do tempo seria 18 graus negativos.
E se analisar os dados é uma tarefa fácil, o mesmo não se pode dizer de sua extração das placas de sílica. Este processo exige uma técnica especial baseada na imersão das partículas em uma solução à base de flúor.
Seria necessário deixar instruções para que os dados sejam acessíveis para os arqueólogos do futuro. “Seria como gravar instruções em uma pedra”, diz Glass.
Este é um tipo de problema que outros cientistas tentam resolver. Kahle cita o Disco de Rosetta – um arquivo de mais de 1500 línguas que seria registrado em um disco metálico. Explicações sobre seu funcionamento fariam parte do material, que seria disposto em formado de espiral. Mas o disco teria o formato bem maior que nanopartículas. A equipe de Grass precisa trabalhar em pistas para as futuras gerações.
Mas seu projeto permite vislumbrar o armazenamento confiável de informações por milhares e talvez milhões de anos. Só que o custo de registrar o DNA ainda é alto. “Você precisa escolher o que registrar e definir sua importância, uma escolha extremamente difícil”, afirma o cientista.
Há ainda o fato de que nem sempre nossas escolhas são as mais corretas. O lixo, por exemplo, tem sido uma mina de ouro para arqueólogos buscando entender como gerações passadas viveram. Mas se o lixo de hoje vai sobreviver por milênios é outra história.
Mas mesmo que nossa civilização vire pó, esse pó vai contar uma história. Pois ele conterá DNA e uma riqueza de informações.

Reportagem de Chris Baraniuk
fonte:http://www.bbc.com/portuguese/revista/vert_fut/2016/02/160219_vert_fut_arqueologia_futuro_fd#orb-banner
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