14/04/2016

Como pessoas de baixa renda e instruídos ajudaram a eleger a Câmara do impeachment

Qual é a cara do eleitor da atual Câmara dos Deputados, que conduz o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff e já foi classificada como a Casa "mais conservadora desde 1964"?
Como o voto é secreto, a única maneira de chegar perto dessa resposta é a partir de pesquisas eleitorais.
Em busca desse perfil inédito, um cientista social mergulhou em 194 pesquisas de intenção de voto para a Câmara dos Deputados feitas em 2014, de agosto até a eleição.
Separou os entrevistados que citaram intenção de voto em deputados eleitos e comparou seu perfil (sexo, idade, instrução e renda) com o conjunto do eleitorado.
Nas discrepâncias entre os dois grupos, encontrou pistas sobre os setores da sociedade mais "eficientes" – cujo voto teria resultado em mais deputados eleitos – na eleição da Câmara.
No quadro geral (pois há diferenças entre os Estados), eleitores homens, mais instruídos e de famílias mais pobres provavelmente tenderam a participar mais da escolha dos atuais deputados federais.
A análise de Maurício Garcia, diretor regional do Ibope, considerou pesquisas feitas em 17 Estados (SP, RJ, MG, RS, PR, SC, AL, BA, CE, PE, RN, AM, PA, GO, MT, MS, TO) e no Distrito Federal. Trabalha, portanto, com dados de pesquisas relativas a 423 dos 513 deputados eleitos (82% do total).
O trabalho foi apresentado neste mês no Congresso da Abep (Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa) e levou o prêmio de melhor paper.
Para entender por que muitos votos à Câmara acabam sendo "desperdiçados", é preciso conhecer o sistema eleitoral brasileiro: todos os votos válidos das eleições (número total de votos em candidatos ou legendas, descontados os brancos e nulos) são divididos pelo total de vagas na Câmara.
Essa divisão resulta no quociente eleitoral. Para conseguir eleger deputados, o partido ou coligação precisará alcançar esse quociente. Quem não alcança o quociente, mesmo que tenha recebido uma quantidade razoável de votos, não é eleito.
E quem supera com folga esse quociente acaba "carregando" consigo outros candidatos, que acabam eleitos mesmo sem ter recebido um número alto de votos. Por isso muitos votos depositados nas urnas acabam não elegendo deputados.

Sexo

Partindo do pressuposto de que as pesquisas usadas por Garcia se confirmaram nas urnas, um dos achados mais significativos do estudo foi o peso do voto dos homens na eleição da Câmara.
Enquanto há mais mulheres do que homens no eleitorado brasileiro como um todo (52% x 48%), os deputados eleitos nesses Estados tiveram um percentual de votos mais masculino (56% x 44%), ou seja, uma diferença de oito pontos percentuais em relação ao universo de eleitores homens.
"Será que mulheres dispersam mais seus votos, enquanto os homens os concentram mais em determinados candidatos e partidos, e isso 'melhora' o desempenho do voto masculino?", questiona Garcia, para quem o estudo aponta direções que ainda precisam ser aprofundadas por pesquisadores.

Escolaridade e renda

Em relação ao grau de escolaridade, houve diferenças, porém em intensidade menor, entre o perfil do conjunto dos 18 Estados e o de quem declarou voto na atual Câmara.
Eleitores mais instruídos (com ensino médio ou superior completo) foram um pouco mais "eficazes" nos votos do que aqueles com até ensino fundamental.
A diferença foi de quatro pontos percentuais nas duas faixas – enquanto no conjunto os eleitores com ensino médio e superior formam, respectivamente, 40% e 18% do total, no grupo de quem declarou voto nos vencedores os índices são de 44% e 22%.
Votos de famílias mais pobres (rendimento mensal de até dois salários mínimos) foram aqueles que, proporcionalmente, mais elegeram os deputados federais da atual legislatura.
Somadas, as diferenças (entre o perfil do conjunto e o dos eleitores que declararam votos em deputados vencedores) nas faixas de até um salário mínimo e de um a dois salários mínimos chegam a 20 pontos percentuais.
Como no caso da escolaridade, alguns Estados ajudaram a puxar esse resultado, sobretudo os do Norte e Nordeste.
"Dos 18 Estados da pesquisa, Amazonas, Pará, Pernambuco, Bahia, Ceará, Alagoas e Mato Grosso do Sul foram os que mais contribuíram para que, no todo, os eleitores pertencentes às famílias mais pobres sejam os que, proporcionalmente, mais elegeram seus deputados", escreve Garcia no estudo.
Para o cientista social, uma possível razão para isso é o fato de pessoas votarem em candidatos mais conhecidos, que investem pesado em propaganda.
"Justamente nos Estados mais pobres economicamente o voto do eleitor de baixa renda tem 'mais força'. Será que essa força não vem do fato de ele estar votando nos candidatos com melhores condições financeiras? Já nos Estados mais ricos, quando há essa discrepância, a escolaridade pesa mais", afirma o diretor do Ibope.
Para a professora Mara Telles, do departamento de Ciência Política da UFMG, o trabalho de Garcia tem o mérito de investigar um tema em que os dados são escassos.
"É muito difícil para estudos acadêmicos inferir intenção de voto para deputado federal. São pesquisas muito caras e difusas, e ele analisou quase 200 delas", afirma.
Segundo a cientista política, estimativas mostram que cerca de 70% dos votos para a Câmara não se traduzem em cadeiras. Ou seja, o número de pessoas que efetivamente elegem os deputados representa uma fatia menor do eleitorado. "Pesa nisso o fato de o sistema ser muito competitivo, são mais de 5 mil pessoas disputando 513 vagas."
Após a eleição da atual Câmara dos Deputados, em 2014, análises apontaram que se tratava da representação mais conservadora no Legislativo desde 1964.
Especialistas do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), por exemplo, chegaram a essa conclusão ao somar o número de parlamentares eleitos ligados a segmentos militares, policiais, religiosos e ruralistas. O levantamento mostrava ainda queda no número de deputados ligados a sindicatos e a causas sociais.
Ao mesmo tempo, a Câmara eleita em 2014 tinha representantes de 28 siglas diferentes – a composição mais heterogênea da história em termos partidários, aponta Garcia. "O que o estudo tenta delinear, dentro de suas limitações, é quem, afinal, elegeu essas contradições."
A pesquisa do diretor do Ibope também buscou traçar um perfil ideológico da atual Câmara. Como critério, selecionou 13 votações polêmicas de 2015, sobre temas que costumam mobilizar esquerda e direita do espectro político.
Cobrança por cursos em universidades públicas, redução da maioridade penal, financiamento privado para partidos e terceirização foram algumas das votações escolhidas. Quem votava contra essas propostas, por exemplo, era classificado como de esquerda, e vice-versa.
Nesse sentido, a conclusão foi que 74% dos deputados do grupo dos 18 Estados estudados no levantamento eram de centro-direita (tiveram 61% a 80% de posições consideradas de direita) ou direita (81% a 100%).
"Comprovou-se aquilo que especialistas políticos da mídia e da academia já salientavam antes da posse dos deputados federais: o Brasil elegeu em 2014 uma Câmara dos Deputados de tendências mais à direita do que à esquerda no espectro político clássico", aponta.
Para Garcia, um dado relevante na análise dessas votações veio do posicionamento do PMDB. "De fato o PMDB teve uma posição de extrema direita, contrária até a algumas coisas que o governo propunha. Aí foram questões não apenas ideológicas, mas políticas, da briga do Eduardo Cunha e de parte do PMDB contra Dilma."

Reportagem de Thiago Guimarães
fonte:http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/04/160412_perfil_camara_tg#orb-banner
foto:http://epocanegocios.globo.com/Brasil/noticia/2016/04/acesso-camara-sera-restrito-durante-semana-de-votacao-do-impeachment.html

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