21/11/2015

Em dez anos, fábrica de leis saiu do Executivo e foi para o Congresso


Embora disseminada, a ideia de que no Brasil o Executivo é quem legisla parece ultrapassada. Estudo publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em outubro mostra que, entre 2005 e 2014, o protagonismo na elaboração de políticas públicos foi deixando de ser do Executivo para ser do Legislativo, principalmente por meio das comissões permanentes das duas casas do Congresso Nacional.
De acordo com o levantamento, entre 1989 e 2004, as leis de iniciativa do governo (tanto projetos enviados ao Congresso quanto medidas provisórias) giravam em torno de 60% do total de textos legislativos aprovados no país. A partir de 2005, essa fração começa a cair e atinge os atuais 30% em 2008.
O levantamento se baseia em dois períodos. O primeiro vai de 1995, primeiro ano subsequente ao Plano Real, que encerrou o período de hiperinflação, a 2002, último ano da presidência de Fernando Henrique Cardoso. O segundo vai de 2007 a 2014 — do segundo mandato de Lula ao fim do primeiro mandato de Dilma.
Na comparação entre os dois intervalos, a quantidade de medidas provisórias em relação à produção total de leis manteve-se estável em 50%. Já a quantidade de projetos aprovados com urgência caiu pela metade(de 28,7% para 13,8%), enquanto a porcentagem de projetos aprovados pelas comissões triplicou (de 9,8% para 29,1%, na mesma comparação).
A pesquisa, intitulada Processo Legislativo: mudanças recentes e desafios, leva em conta leis não orçamentárias, já que a Constituição estabelece a competência exclusiva da União para tratar do assunto. O texto considera como leis de iniciativa presidencial os projetos enviados pelo governo federal ao Congresso e as medidas provisórias. Também discute os mecanismos legais para a intervenção do governo na pauta legislativa, como a urgência regimental, que tira os projetos das comissões permanentes e os leva diretamente aos plenários das Casas Legislativas.
Levando em conta a mesma comparação entre períodos, a média de projetos de lei de iniciativa presidencial aprovada por ano caiu de 64,6 para 50,4. Já a média de projetos de iniciativa parlamentar subiu de 38,4 para 80,9. Não houve, portanto, substituição de um poder pelo outro, mas um aumento da produtividade das comissões do Congresso.
“Os dados deixam claro que o processo legislativo ordinário passou a ser usado de forma crescente a partir do ano 2005, após período de leve queda gradativa, iniciado em 1997”, diz o estudo. “Portanto, parece razoável concluir que, particularmente nos últimos dez anos, a agenda legislativa tornou-se mais aberta e descentralizada.”
A pesquisa analisa que isso quer dizer que a agenda legislativa deixou de ser dominada pelo Executivo — e, portanto, pelas necessidades do governo federal. E também que o ritmo de decisões legislativas é ditado pelo Congresso e não pelas necessidades do Executivo Federal.
Sob investigação
De acordo com o autor do estudo, o pesquisador Acir Almeida, técnico de Planejamento e Pesquisa da Diretoria de Estudos de Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia (Diest) do Ipea, ainda não foram detectadas causas para o retrato demonstrado no trabalho. Isso, diz ele, é uma segunda etapa que ainda está em investigação.

Ele explica que o estudo descobriu dois fenômenos. O primeiro é a queda da produtividade do Executivo. O segundo, a alta na produtividade do Legislativo. Só o primeiro é que começou a ser investigado, mas Almeida garante que não se pode estabelecer relações de causa e consequência entre os dois. “Não há indícios de que  Congresso esteja preenchendo um vácuo deixado pelo governo federal. Não vimos isso em outros momentos analisados”, afirma.
Para o segundo fenômeno, há algumas hipóteses, e todas elas passam pela composição de maiorias parlamentares em torno dos interesses do governo. A primeira, e mais óbvia, ideia é que a diminuição da produtividade do Executivo se deu por conta do mensalão. Ali, conta Almeida, ficou descoberto um método de formação de maiorias ilegal e que por isso teve de ser abandonado tão logo se tornou público.
Mas ele disse ter dificuldades em atribuir um fenômeno tão significativo a um único episódio. A principal chave para entender o problema, afirma o pesquisador, é o modelo de coalizão que se estabeleceu no Brasil depois de 1988.
Hegemonia
Segundo Almeida, até agora, a hipótese que parece fazer mais sentido é a da dificuldade dos governos petistas de compor maiorias no Congresso. E isso é fundamental no ambiente político brasileiro, pautado pelo que se convencionou chamar de presidencialismo de coalizão — ou a necessidade de o presidente da República compor maiorias como base de apoio para suas propostas.

Na opinião do pesquisador, em 2003, quando o PT chegou à Presidência, se viu obrigado a montar uma base de apoio “muito heterogênea”. “Ainda que tenha sido eleito um presidente de proposta de centro-esquerda, no parlamento, os eleitores não deram essa mesma maioria. Então o governo teve de fazer alianças com partidos de outros matizes ideológicos.”
De acordo com Acir Almeida, essa configuração dificulta a construção de acordos em torno de políticas públicas. “Tirando a presidência de Fernando Collor, todos os governos anteriores a 2003 foram coalizões de centro-direita. Em 2003 houve essa novidade, e também a eleição de muito mais partidos do que de costume. Isso dificulta a administração das alianças”, analisa o pesquisador do Ipea.
Para ele, essa tese é mais plausível que as demais, porque ajuda a explicar o aumento na produção de leis pelo Congresso. Como a distribuição de forças ficou mais heterogênea em 2003, afirma, houve um “incentivo menor” da base aliada a delegar ao governo o controle da agenda legislativa.
Para frente
Ele acha precipitado dizer que se trata do fim do presidencialismo de coalizão, pois só houve até agora um exemplo de crise no sistema, já que os mandatos de Lula e Dilma Rousseff são continuidade um do outro.

De todo modo, a pesquisa do Ipea conclui que “talvez o maior desafio para o Congresso seja assegurar a qualidade na formulação de políticas públicas”.
A preocupação tem dois motivos. Primeiro, “os incentivos particularistas e paroquiais oriundos do nosso sistema eleitoral”. O estudo analisa que, como a produção de leis se centralizou no governo federal, ela ficou mais imune a esse fenômeno do que agora, quando os parlamentares assumiram o controle da produção de políticas públicas.
Haveria um risco, portanto, de que fossem editadas normas que beneficiassem aos próprios deputados e senadores ou seus grupos políticos. Um levantamento qualitativo preliminar do Ipea aponta alguns caminhos: esse tipo de lei “em causa própria” aumentou 21% entre os dois períodos analisados pelo estudo (1995-2002 e 2007-2014).
Já a quantidade de leis que prestam homenagens e instituem datas simbólicas “cresceu extraordinariamente no período”. Saltou de 6,3 leis por ano para 38,1 entre os dois intervalos de tempo, e passou a representar 47% de toda a produção legislativa dos últimos oito anos.
O segundo motivo de preocupação é a “desvantagem informacional” do Legislativo em relação ao Executivo na avaliação de políticas públicas. Como historicamente o Executivo é a principal fonte de informação do Congresso, o uso reiterado de mecanismos de abreviação do processo legislativo fazia com que os parlamentares tivessem acesso apenas às informações que o governo se interessasse em divulgar.
“Com o Congresso assumindo postura mais proativa na formulação de políticas públicas, coloca-se a questão de em que medida ele está capacitado e os seus membros interessados na coleta e produção independente de informação”, conclui o estudo.

Reportagem de Pedro Canário
fonte:http://www.conjur.com.br/2015-nov-21/dez-anos-fabrica-leis-saiu-executivo-foi-congresso
foto:http://www.esaoabsp.edu.br/Noticia.aspx?Nid=271

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigada pela visita e pelo comentário!