27/10/2014

De Dilma para Dilma: uma herança que pode se tornar uma bomba

Inflação alta, crescimento baixo e fragilidade fiscal são apenas algumas das distorções que a presidente provocou na economia e que agora terá que corrigir.



Reeleita, com 51,64% da preferência do eleitorado, a presidente Dilma Rousseff (PT) terá que encarar, diante do espelho, uma autoimagem nada alentadora: a da deterioração econômica resultante de quatro anos de políticas equivocadas. Terá uma chance de mais quatro anos para transformar sua herança, marcada por atividade fraca, inflação alta e artimanhas fiscais, numa agenda de retomada do crescimento. Os desafios são muitos, e vão desde o reestabelecimento de um equilíbrio das contas públicas, passando pela inversão do déficit nas transações correntes até chegar no alinhamento entre política monetária e fiscal. A estagnação dos indicadores de desigualdade social torna ainda mais urgente a correção dos deslizes.

O problema é que a presidente, até agora, não sinalizou que mudará sua conduta e, mais uma vez vitoriosa, pode entender que teve a chancela do povo brasileiro para seguir adiante com sua estratégia de priorizar a demanda, ou seja, o consumo, em detrimento da oferta. Ainda que ela defenda a bandeira do "governo novo, ideias novas", não há solução mágica: trocar o comando do Ministério da Fazenda não a absolve dos erros cometidos anteriormente, tampouco implica em mudanças automáticas. A revolução necessária está no DNA da presidente. "Dilma não acredita que a economia parou de crescer em razão de suas políticas mal concebidas, do discurso intervencionista, da visão que de que o Estado é quem deve ser o principal condutor do crescimento. A presidente também não acha que temos um problema fiscal em gestação com o uso desgovernado do crédito público", diz a economista Mônica de Bolle, diretora do Instituto de Estudos de Política Econômica da Casa das Garças.
O Brasil de 2015 será um país bem diferente do que Dilma recebeu em 2011 – mais fragilizado economicamente e rachado no campo político. Com Dilma, o Brasil deve crescer, em média, menos de 2%, metade do que avançou no período Lula. "A economia cresce perto de 0 neste início de 2014, em um cenário de recessão técnica (dois resultados negativos trimestrais de PIB). Em termos comparativos, a média de avanço do governo Dilma representa um terço da taxa de crescimento de seus pares emergentes", destaca Felipe Salto, economista da Tendências Consultoria. Além do mais, desta vez, pode não haver crise hídrica ou externa para atribuir a culpa da desaceleração da atividade. Na verdade, quem dita o atraso é a estratégia até o momento mal-ajambrada da presidente. Como reflexo do baixo nível da atividade, Dilma deixa de presente grande parte das obras prioritárias do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) atrasadas, como a transposição do rio São Francisco e a refinaria de Abreu e Lima - esta última, inclusive, investigada como objeto de superfaturamento, conforme aponta o Tribunal de Contas da União (TCU).

Diante deste cenário nada animador, não resta dúvida de que 2015 será um período de ajustes. O que está em aberto é seu grau e velocidade. "Fazer ajustes fiscais vai ajudar o Brasil a crescer, e não o contrário. É por meio desse processo que o próximo governante vai desfazer distorções provocadas por políticas equivocadas, a fim de retomar o caminho do equilíbrio econômico", diz Zeina Latif, sócia da Gibraltar Consulting. Para afastar o fantasma do rebaixamento, imposto pelas agências de classificação de risco, a economista ainda sugere uma avaliação minuciosa de todas as benesses fiscais concedidas durante o governo, como desonerações de impostos apenas para alguns setores. "Questiono-me se o avanço da agenda de desonerações foi positivo e melhor do que se adotássemos medidas horizontais e cautelosas", diz Zeina. Tal ajuste terá  de passar por uma maior contenção de gastos de custeio, como despesas e terceirizações. "O mais triste é que esse tipo de medida afeta, diretamente, a parcela mais pobre da população", lembra Evaldo Alves, economista da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

​Na pauta do próximo governo, também está a liberação de preços administrados, como gasolina, transporte e energia, que foram segurados este ano para não arranhar ainda mais a já tão debilitada credibilidade da presidente. Economistas consultados não descartam a possibilidade de que o Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPCA), que já ultrapassa o teto da meta do Banco Central (BC), de 6,5%, encoste na casa dos 7%, mesmo que isso venha acompanhado de uma queda do preços de commodities no mercado externo. Também será tarefa do próximo governante solucionar a crise energética que impôs novamente à população o risco de racionamento, com reservatórios em níveis mínimos, distribuidoras desabastecidas e térmicas a pleno vapor. 

Abaixo alguns dos principais pontos do legado que Dilma deixou para ninguém mais do que si mesma. 

Inflação

Além de contrariar o discurso cego da presidente, de que a inflação está sob controle, os números do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) expõem a gravidade do problema. De acordo com os últimos dados disponíveis, referentes a prévia de outubro, o resultado acumulado em 12 meses acumula valorização de 6,62%, acima do teto da meta do Banco Central (BC), de 6,50%. De janeiro a setembro, o avanço é ainda maior: 6,75%. "Nos quatro anos de Dilma não chegamos nem perto perto do centro da meta, de 4,50%", aponta a economista Mônica de Bolle, da Casa das Graças. As razões apontadas pelo governo para o desprezo inflacionário vão desde a crise internacional até o choques esporádicos que afetam os preços de alimentos. "Ora, se outros países da nossa região sofreram os efeitos da mesma crise, além de choques semelhantes, como conseguem manter a inflação baixa?", questiona a economista. As exceções óbvias são Venezuela e Argentina, que registram inflação na casa dos 60% e 40%, respectivamente. O resultado inflacionário do Brasil poderia ser pior, se o governo tivesse liberado os preços administrados, como energia, gasolina e transporte. Eles foram represados nos últimos dois anos para não prejudicar a campanha eleitoral da presidente. Os efeitos da explosão da bomba da alta de preços devem ser sentidos a partir do ano que vem. "Foi plantado o ovo da serpente: assim que esses preços forem liberados, o impacto será sentido diretamente no bolso do consumidor", afirma Evaldo Alves, professor de economia da FGV. O aumento dos combustíveis, por exemplo, encarecerá a cotação de alimentos e de bens de consumo duráveis, pois a cadeia produtiva de todos esses itens dependa de logística, que por sua vez, é movida a gasolina e diesel. Por outro lado, neste caso, o alinhamento das cotações deve favorecer o setor o sucroalcooleiro, atualmente composto por 70% de usinas endividadas e descapitalizadas por conta de fatores como a defasagem da gasolina. A estimativa da União da Indústria de Cana-de-Açúcar é de que as empresas do setor terminem a safra atual (de abril de 2014 a março de 2015) com uma dívida de 77 bilhões de reais.

Política Fiscal
A falta de transparência e os malabarismos contábeis levaram a área fiscal ao total descrédito. A maior evidência do fracasso do governo é perda do compromisso com a realização do resultado primário, economia feita para o pagamento de juros da dívida pública. Os últimos quatro resultados foram negativos. No ano, até agosto, o governo central (composto por Tesouro Nacional, Banco Central e Previdência Social) economizou apenas 4,68 bilhões de reais, ou 0,14% do PIB. O desempenho está longe de alcançar a meta do governo para 2014, de 80,77 bilhões de reais, ou 1,55% do PIB. Para atingir este objetivo, a missão seria praticamente impossível: um saldo positivo mensal de 19 bilhões de reais até o fim do ano. O cenário fica ainda mais desanimador se considerarmos que os últimos resultados foram favorecidos por receitas atípicas, impulsionadas pela contribuição de dividendos pagos por estatais, sobretudo BNDES e Caixa Econômica Federal, e pelo recebimento de parcelas de dívidas tributárias (Refis). A grande tarefa para o próximo governo, portanto, é reestabelecer o equilíbrio das contas públicas, promovendo ajustes e desviando o foco da atual política, essencialmente expansionista. Para cumprir esta tarefa, há quem defenda, inclusive, a instalação de uma espécie de conselho fiscal para realizar uma varredura generalizada. "A política fiscal entrou em colapso", alerta a economista Zeina Latif, da Gibraltar Consulting. Ela reforça que esse é um dos principais fatores que ameaçam futuros rebaixamentos do rating soberano do Brasil por agências de classificação de risco - um fantasma a amedrontar o próximo governante. E dada à sua fragilidade, a questão fiscal não sai do radar dessas agências. "O próximo governo herdará uma economia que enfrenta múltiplos desafios em termos de baixo crescimento, inflação elevada e performance fiscal em deterioração. Portanto, ajustes de política serão fundamentais para determinar a trajetória futura dos ratings soberanos do Brasil e de sua perspectiva", afirmou a Fitch, em relatório recente.

Câmbio
É consenso entre os analistas de que o programa de intervenção no câmbio adotado pelo Banco Central (BC) desde agosto de 2013 deve ser gradativamente abolido no próximo mandato. A ideia da autoridade monetária é segurar a tendência de alta da moeda americana, diante das incertezas sobre o futuro programa de estímulos do Federal Reserve (Fed, banco central dos Estados Unidos). A estratégia será estendida no ano que vem, mas tem fôlego limitado, alertam especialistas. "O próximo governo terá que trabalhar com o câmbio flutuante", defende Ricardo Humberto Rocha, professor do Insper. Para Otto Nogami, também do Insper, a solução deste impasse - intervir ou não no câmbio - passa pela adequação da capacidade produtiva do país à demanda. "À medida em que o Brasil reduz a dependência do produto importado, torna-se cada vez mais possível soltar a taxa de câmbio, sem precisar da intervenção que vemos hoje", defende. A despeito da estratégia adotada no ano que vem, a tendência de apreciação do dólar é clara, dado os sinais cada vez mais evidentes de que o Fed mexerá nos juros em 2015. O resultado dessa conjuntura pode encarecer o preço de insumos importados, gerando impactos na inflação. 


Reportagem de Luís
fonte:http://veja.abril.com.br/noticia/economia/de-dilma-para-dilma-uma-heranca-que-pode-se-tornar-uma-bomba
foto:http://blogs.ne10.uol.com.br/jamildo/2014/10/18/desvio-da-petrobras-teria-financiado-campanha-de-dilma-em-2010-afirma-veja/

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