O
economista inglês Stijn Broecke é autor de um relatório publicado recentemente
pela OCDE intitulado "Investing
in Youth: Brazil" (Investindo na Juventude: Brasil). As
conclusões do estudo deveriam inquietar até os eventuais entusiastas da
política educacional brasileira. A primeira é que as cotas de acesso a
universidades públicas, que reservam vagas a determinados grupos de alunos,
abrem, é claro, as portas da academia para novos estudantes, mas não combatem
as fragilidades sistêmicas do ensino nacional. A segunda é que a cobrança de
taxas de estudantes de universidades públicas poderia ajudar. O assunto é um
tabu brasileiro, que só vem à tona em raras discussões públicas como a motivada
pela atual crise
de recursos da USP. Broecke aborda os dois temas de maneira igualmente direta.
"As cotas podem ajudar a ampliar o acesso à universidade para determinados
grupos, mas não resolvem os problemas fundamentais da educação
brasileira", diz o inglês. E emenda sua defesa da cobrança de
taxas como forma de combater outro problema nacional: o nanismo da parcela
de jovens na universidade. Isso, é claro, exige recursos. "Uma das
maneiras de rever a forma de financiamento do sistema é introduzir a cobrança
de taxas no setor público para aqueles estudantes que podem pagar."
Confira a seguir a entrevista com o especialista.
Em
seu relatório, o senhor questiona a efetividade das cotas nas universidades
públicas brasileiras. Por quê?
As cotas podem ajudar a ampliar o acesso à
universidade a determinados grupos, que abrangem os mais pobres e alunos de
escolas públicas, mas não resolvem os problemas fundamentais da educação
brasileira. Podemos resumi-los em dois. Primeiro, os baixos níveis de qualidade
do ensino público básico oferecido justamente para aqueles dois grupos.
Segundo, o número relativamente pequeno de vagas no ensino superior, com acesso
restrito a poucos, tanto nas universidades públicas quanto privadas.
Com
resolver essas questões?
A baixa
qualidade da educação oferecida aos alunos de baixa renda deve ser combatida.
No relatório, destacamos algumas políticas prioritárias para ajudar na solução
da questão. Elas incluem esforço constante pela equalização dos gastos entre as
etapas da educação, aumento da proporção de jovens em escolas em tempo integral
e a definição de medidas adicionais para melhorar a qualidade do ensino,
incluindo melhores salários, redução das taxas de repetência e garantia de
atendimento individualizado a estudantes em risco de abandono escolar. É a
garantia do princípio de equidade na oferta. Em segundo lugar, o setor
universitário precisa ser ampliado. A parcela de jovens que frequenta
universidades no Brasil ainda é muito pequena, e os que frequentam são
principalmente aqueles com melhores condições financeiras.
Políticas
de cotas pode ajudar a combater o segundo problema? Elas funcionam bem em
outros países?
As
universidades americanas, por exemplo, usam cotas para que seuscampi representem de maneira mais fiel a
situação demográfica das regiões em que estão instalados. A avaliação desses
programas, no entanto, depende de quais resultados são observados, pois eles
apresentam grandes variações em parâmetros como eficiência, equidade e coesão
curricular, entre outros. Um exemplo interessante é o da Universidade de
Bristol, na Grã-Bretanha, que em 2003 passou a favorecer estudantes com baixo
índice de aprendizagem no ensino médio em seu processo de seleção. A medida
ampliou o debate sobre as estratégias de seleção de alunos, tema que voltou a
entrar na pauta em março deste ano, quando uma pesquisa do Conselho de
Financiamento do Ensino Superior mostrou que estudantes provenientes de escolas
mantidas pelo Estado apresentam desempenho levemente superior ao de alunos de
instituições privadas quando chegam ao ensino superior. No Brasil, a
efetividade de medidas semelhantes ainda precisa ser mais investigada. Elas
poderiam, após a melhoria do ensino básico, servir como auxílio para garantir
acesso de estudantes pobres a universidades de elite.
Quais
os obstáculos para a solução do segundo problema fundamental, a expansão do
sistema universitário brasileiro?
Um dos fatores que explica por que o
sistema universitário ainda é relativamente pequeno é o fato de uma grande
quantidade de dinheiro dos contribuintes ser usada para manter uma pequena
elite no sistema universitário público. Embora os gastos públicos brasileiros
por aluno nos ciclos infantil, fundamental, médio e também ensino técnico
estejam bem abaixo da média da OCDE (2.653
dólares contra 8.412 dólares, respectivamente), o valor despendido
por estudante no ensino superior é maior do que o da OCDE (13.137 dólares contra 11.382
dólares). A expansão do sistema de ensino superior é necessária
para ampliar a participação de estudantes nessa etapa e exige mudanças no
modelo atual, que prevê que uma elite de alunos seja atendida pela rede pública
enquanto a massa vai para a rede privada. Além disso, é preciso rever a forma
de financiamento do sistema. Uma das maneiras de fazer isso é introduzir a
cobrança de taxas no setor público para aqueles estudantes que podem pagar. É
claro que tais medidas podem ser combinadas com um sistema de cotas, porque
essas políticas não são excludentes. A questão é que as cotas não podem ser
vistas como solução para esse sistema.
De
que forma o pagamento de mensalidades nas universidades públicas pode reduzir
disparidades do sistema?
Embora
não seja a única solução para o problema, a cobrança de taxas pode ser parte da
resposta. Atualmente, as instituições públicas e de alta qualidade são
frequentadas por um pequeno número de estudantes ricos, enquanto as
instituições privadas e de baixa qualidade são frequentadas pelos estudantes
mais pobres. Taxar estudantes ricos para frequentar universidades públicas
traria recursos adicionais, que poderiam ser gastos tanto na expansão do setor
universitário, ampliando as vagas, como na melhoria da qualidade do ensino
fundamental.
Em
quais países o sistema de cobrança de taxas nas instituições públicas funciona
bem?
Austrália
e Grã-Bretanha têm sistemas muito interessantes. Ainda que a cobrança de taxas
esteja em vigor, o acesso à universidade é de fato livre para os alunos, graças
a sistemas de financiamento muito bem desenvolvidos. Depois de formados, os
ex-alunos só começam a pagar suas dívidas quando seus ganhos ultrapassam
determinado valor. O sistema é complementado por programas de bolsas para alunos
mais pobres.
O
senhor afirmou em seu relatório que os jovens no Brasil enfrentam dificuldades
no mercado de trabalho. Essas dificuldades são decorrência de falhas do ensino?
O relatório argumenta que uma das
principais fontes de dificuldade na transição escola-trabalho no Brasil são os
baixos níveis de escolaridade. O ensino superior, por sua vez, ajuda a alcançar
melhores resultados no mercado de trabalho. Também por isso, o governo precisa
garantir a ampliação do acesso às universidades. O problema mais urgente no
Brasil, contudo, é de fato a má qualidade e as desigualdades gritantes do
ensino básico.
Reportagem de Bianca Bibiano
fonte:http://veja.abril.com.br/noticia/educacao/e-hora-de-discutir-a-cobranca-de-taxas-na-universidade-publica-diz-pesquisador-da-ocde
foto:http://maisquepalavrasentimento.blogspot.com.br/2013/10/universidade-publica-x-universidade.html
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