A neurociência – disciplina dedicada a
estudar o funcionamento do cérebro – está em alta. As descobertas feitas pela
comunidade científica nos últimos anos sobre o funcionamento da mente
produziram conhecimentos importantes, mas também abriram espaço para a
proliferação da chamada “neurobobagem”, termo que pode designar tanto os mitos
sobre a mente humana quanto o uso oportunista, extrapolado ou indevido de
informações científicas pela publicidade.
Em uma palestra recente para a
Technology, Entertainment, Design (TED), conhecida popularmente como TED Talks,
a neurocientista norte-americana Molly Crockett explica como os resultados
obtidos por uma pesquisa científica séria podem ser distorcidos e repassados erroneamente
para o grande público. Molly fala com conhecimento de causa. Estudiosa de como
a química do cérebro influencia nossas escolhas, a neurocientista realizou um
experimento que consistia em oferecer para voluntários uma bebida com o
aminoácido triptofano, capaz de aumentar os níveis de serotonina do cérebro.
Molly e sua equipe concluíram que, quando os níveis de serotonina estavam
altos, as pessoas tomavam decisões mais racionais. Quando ocorria o contrário,
os participantes tinham mais chances de tomar decisões impulsivas ou
emocionais.
As reportagens subsequentes sobre o
estudo da neurocientista da University College London e da Universidade de
Zurique, porém, diziam simplesmente que um sanduíche de queijo seria a solução
para tomar decisões difíceis de maneira mais racional. “O estudo não tinha nada
a ver com queijo ou chocolate. Nós demos para os voluntários uma bebida
artificial horrível”, conta Molly na palestra publicada pelo TED Talks. O
triptofano é encontrado em quantidade no queijo e no chocolate – isso foi o
suficiente para que os dados de sua pesquisa fossem compreendidos de maneira
equivocada e replicados para servir a interesses alheios aos da pesquisa
original. Ela também foi procurada diversas vezes para oferecer apoio a
produtos que, supostamente, melhorariam a capacidade cerebral. O problema,
questiona Molly, está na frequência com que isso está acontecendo. “E no fato
de os conhecimentos neurocientíficos serem usados de maneira indevida e
deturpados para alavancar a comercialização de produtos.”
“Colocou neuro na frente, vira
sucesso”, também critica o neurocientista e coordenador do Núcleo de Divulgação
Científica e Ensino de Neurociências da UFRJ, Alfred Sholl-Franco. Para o
brasileiro, a neurobobagem assume duas formas principais: há aquela oriunda de
informações errôneas do senso comum e o uso oportunista de informações
científicas e acadêmicas na publicidade. “Como o nível de conscientização da
população em geral sobre neurociência é muito baixo, os mitos acabam se
perpetuando”, explica. Em ambos os casos, o neurocientista recomenda cautela e
pesquisa ao se deparar com esse tipo de informação.
Para Leonor Bezerra Guerra, professora
do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG, também é importante cautela ao
interpretar os dados oriundos de pesquisas sobre o assunto, especialmente se a
informação foi pinçada dos meios de comunicação. Estudos que procuram saber a
influência do videogame sobre o aumento ou diminuição da atenção e do tempo de
resposta, por exemplo, podem ser entendidos de maneira errada ou simplificada.
“O que o professor imagina? Se eu usar videogame, meus alunos ficarão mais
atentos”, exemplifica. “O contexto da sala de aula é completamente diferente de
um laboratório ou sala de pesquisa. A informação científica é importante para o
professor conhecer caminhos para melhorar a prática pedagógica, mas os dados de
uma pesquisa não devem ser colocados diretamente em sala de aula”, explica
Leonor, coordenadora do Neuroeduca, projeto vinculado à UFMG que oferece cursos
de formação para professores.
No que diz respeito à neuroeducação –
campo interdisciplinar que reúne conhecimentos da educação, da neurociência e
da ciência cognitiva –, o cuidado deve ser redobrado. A área tem sido bastante
procurada por docentes por ajudar a compreender como se dá o processo de
ensino-aprendizagem. Ao buscar cursos de formação na área da neuroeducação,
porém, Alfred Sholl recomenda que o professor verifique as credenciais de quem
está oferecendo o serviço em plataformas reconhecidas, como o Lattes. “Não
estou dizendo que só pode dar aula quem é titulado, mas espera-se que qualquer
profissional que vá falar sobre esse assunto tenha experiência formal ou
prática. Isso pode ser encontrado no currículo Lattes, por exemplo”, recomenda.
Para Leonor, apesar de não causar
prejuízos diretos, o mau uso dos dados da neurociência pode ser negativo. “Não
é benéfico que o professor acredite que aquela estratégia do artigo científico
resolverá o problema de aprendizagem dos seus alunos. Ele pode perder tempo e
deixar de usar estratégias.”
Desmitificar a neurociência e promover
a uma maior difusão dos conhecimentos científicos pode ser a melhor maneira de
combater as neurobobagens. Iniciativas como as Olimpíadas de Neurociências
podem ajudar a reduzir a desinformação. “Quando a população é exposta a isso,
você combate as bobagens e também combate as neurobobagens oportunistas”,
comemora Sholl-Franco.
Reportagem de Tory Oliveira
fonte: http://www.cartanaescola.com.br/single/show/352
foto:http://abrhba.org.br/noticia/neurociencia-nova-aliada-do-rh
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