Quando o então universitário
britânico John Rendel desembarcou em Uganda, em 2002, para dar aulas em uma
escola primária da capital Kampala, esperava incutir em seus alunos grandes
inspirações para o futuro. Porém, a realidade da África Sub-Saariana não o
ajudava a pintar um quadro positivo para aqueles meninos. Em meio a um cenário
em que somente 20% das aldeias ugandenses têm uma escola que vai do ensino
fundamental 2 ao médio e, ainda assim, a um custo muito além do que a maioria
das famílias pode pagar, Rendel decidiu agir. Desde a fundação do projeto Peas (Promoting
Equality in African Schools), em 2007, 22 escolas
acessíveis e de qualidade foram construídas em Uganda e no Zâmbia, atendendo a
mais de 8.000 estudantes e oferecendo trabalho e capacitação a centenas de
professores locais.
A iniciativa – que foi
anunciada como uma das seis vencedoras do Wise Awards 2013, prêmio que destaca ideias
inovadoras em educação em todo o mundo no Catar – é alicerçada por um modelo
que permite que o ensino seja garantido de forma sustentável e a um custo
baixo, sem comprometer a sua qualidade. Para isso, o projeto conquistou uma
parceria pioneira com o Ministério da Educação de Uganda, que oferece um
subsídio para cada aluno atendido pelas escolas construídas pelo Peas. O custo
anual equivale a cerca de 40% do cobrado em outras escolas privadas que recebem
auxílio do governo. Os estudantes que não podem pagar pelas taxas recebem uma
bolsa. No Zâmbia, os valores pagos pelos alunos também são baixos, já que os
salários dos professores são cobertos pelo governo.
Todos
os esforços são concentrados a fim de que as escolas consigam se tornar
independentes financeiramente do programa o mais breve possível. Além do
subsídio governamental, as escolas contam com a renda adquirida por meio da
realização de atividades pagas, geralmente relacionadas à agricultura, que são
ligadas ao currículo e permitem o desenvolvimento de habilidades práticas dos
alunos. Um exemplo é o link feito entre as aulas de biologia e a criação de
aves e o cultivo de hortifrúti. Almejar a sustentabilidade das escolas, porém,
não significa abandoná-las à própria sorte. O Peas faz uma auditoria anual nas
instituições e oferece suporte contínuo para garantir a eficiência tanto
educacional quanto financeira.
Rendel
também faz questão de investir no treinamento e na capacitação contínua do
corpo docente, com foco no desenvolvimento de líderes que possam multiplicar
conhecimento nas escolas em que atuam. Professores, coordenadores e diretores
são envolvidos intensamente na elaboração do currículo escolar, que conta com
alguns diferenciais que levam em consideração as particularidades da região.
Além das disciplinas voltadas para agricultura e o empreendedorismo, estão
incluídos aprendizados em torno do exercício da cidadania, desde como elaborar
um currículo profissional até como se prevenir de doenças sexualmente
transmissíveis. Também é foco de atenção o desenvolvimento de habilidades como
leitura, escrita e interpretação, áreas em que normalmente os alunos que
estudaram em escolas primárias de baixa qualidade têm maior dificuldade.
No site
do projeto, Rendel explica que o objetivo não é apenas mudar a vida de milhares
de crianças, mas também de fazer com que o impacto do projeto seja algo
sistêmico. "Esperamos atingir isso ao trabalhar com os governos africanos
a fim de ajudar a fomentar parcerias público-privadas que vão possibilitar o
rápido crescimento na oferta de escolas acessíveis e de qualidade em todo o continente.
Construir as escolas não é o suficiente para nós. Queremos que elas sejam as
melhores escolas gratuitas em Uganda, no Zâmbia e nos outros países em que
começarmos a atuar".
Para
isso, as metas são bem ousadas. O projeto pretende abrir 100 mil vagas nas
escolas dentro do modelo de sustentabilidade financeira – ou seja, que
consigam, em dois anos, arcar com seus próprios custos a partir da combinação
subsídios governamentais e geração de receita – em Uganda até 2017 e, nesse
mesmo prazo, criar 10 mil vagas em outros cinco países da África Sub-Saariana.
"O Peas tem um plano de implementação detalhado com as principais metas a
fim de alcançar esses objetivos estratégicos. Para isso, todos os membros mais
experientes da equipe têm que reportar, a cada seis meses, os progressos, desde
a captação de recursos até a gestão financeira", explica Rendel no site do
projeto. Com a expansão das escolas construídas pelo Peas, mais alunos poderão
ter suas perspectivas renovadas, como ocorreu com Michael, um aluno ugandense
de 19 anos que não conheceu o pai e foi abandonado pela mãe aos 6 meses. Criado
pela avó, que morreu quando Michael tinha 7 anos, ele se viu nas ruas, fazendo
pequenos serviços para sobreviver, até que uma vaga numa escola do Peas deu a
ele a oportunidade de quebrar o ciclo de pobreza em que ele cresceu. Estudante
esforçado e um aspirante a engenheiro, Michael descreve assim o seu maior
sonho: "Eu espero me casar e ter filhos que possam ir à escola",
disse o rapaz em depoimento publicado no site do Peas.
Reportagem
de Carolina Lenoir
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