Luis Pedro Osório tem 21 anos e pretendia “conseguir um trabalho para seguir em frente”. Sem qualquer chance no seu país, a Guatemala, arriscou a vida tentando chegar aos Estados atravessando o deserto na fronteira com o México. Depois de cinco dias de marcha enfrentando o sol escaldante, ficar sem água nem comida e quase morrer devorado pelos coiotes, Luis foi preso pela truculenta e racista polícia migratória e mantido um mês encarcerado – algemado pelas mãos e pelos pés – antes de ser deportado. Para não passar fome teve de sujeitar-se a trabalhar na prisão por um dólar ao dia, sendo submetido a todo tipo de humilhação e constrangimento.
Essa é a toada humanitária do governo de Barack Obama, que repete o script discriminatório, em especial contra os latinos. Assim, o número de imigrantes guatemaltecos deportados pelos Estados Unidos durante o ano fiscal de 2013 bateu um novo recorde: 40.938, superando os 40.647 de 2012. O número total de estrangeiros deportados no período totalizou 409.849 e não para de crescer.
Como o ano fiscal estadunidense inicia em 1º de outubro e encerra em 30 de setembro do ano seguinte, o número de guatemaltecos expulsos por Obama pode chegar a 50 mil até o final de 2013, multiplicando por 10 os cinco mil deportados há uma década.
A contrapartida econômica é saudável para os cofres da nação maia, sendo determinante para a sobrevivência de um grande número de famílias que sofrem com a distância de seus entes.
Conforme o Banco Central da Guatemala, o país deve receber este ano US$ 5,2 bilhões de remessas enviadas pelos guatemaltecos no estrangeiro, um crescimento de 8,7% em comparação aos US$ 4,78 bilhões de 2012, o que representa 10% do Produto Interno Bruto (PIB).
De acordo com a Organização Internacional para as Migrações (OIM) dos cerca de 1,5 milhões de guatemaltecos que vivem fora, a grande maioria, 1,3 milhões, encontram-se nos Estados Unidos e são indocumentados.
Na sede da Central Geral dos Trabalhadores da Guatemala (CGTG), um dia depois de ser deportado pelos EUA, em 19 de novembro, com mais 114 conterrâneos, Luis Pedro nos concedeu esta entrevista.
Brasil de Fato - Conte um pouco sobre a sua tentativa de ingressar nos EUA.
Luis Pedro - Quando a migração chega todos correm para não se deixar agarrar e acabam deixando tudo pelo chão. Aí fica difícil sobreviver no deserto. Levávamos cinco dias de marcha quando fomos agarrados. A maioria se entregou porque já se encontrava sem água nem comida, então não dava para resistir mais. Não tinha outro jeito, tive de me entregar. Também estávamos sós, já não tínhamos guia. Sem saber aonde chegar, vagávamos perdidos. No deserto tens de dormir em cima das árvores, porque embaixo os coiotes estão prontos para te comer. Sempre dormíamos nas árvores. Assim, é melhor se entregar.
O que mais te marcou neste tempo em que esteve preso?
O relato de um companheiro que ficou sozinho e seguiu caminhando e caminhando, até que se alegrou um pouco quando avistou uma mulher que estava deitada. Ficou contente por pensar que agora teria alguém para acompanhá-lo no caminho. Foi conversar e ela estava ali, morta, provavelmente picada por uma cobra. E assim ficou. O triste é que a família não sabe nada dela. Seu corpo continua ali, abandonado no deserto.
Qual a sua avaliação sobre esse grande contingente de guatemaltecos que sai do país à procura de emprego?
O que acontece é que aqui na Guatemala não nos pagam nem o salário mínimo. As pessoas ganham 40 ou 50 quetzales (cinco ou seis dólares) por dia, o que não alcança para manter a família, não dá para comer, para se vestir. Daí a necessidade de migrar, de ingressar naquele país. A migração dos EUA nos destrata, nos atira no solo, coloca a arma na nossa cabeça, nos colocam algemas nos pés e nas mãos. Somos tratados como perigosos criminosos, mas só fomos buscar trabalho e nada mais.
E o que tem feito o governo guatemalteco?
A verdade é que nenhum governo guatemalteco tem feito nada bom. Onde vivo ninguém paga sequer o salário mínimo de 70 quetzales diários. Pagam 50 quetzales por um trabalho de todo o dia. Fomos para os Estados Unidos para trabalhar no que der, no que aparecer, sem vacilar, sem negociar. Quem migra, vai preparado para sofrer, seja como garçom, ajudante, no campo, onde houver trabalho. Por nós e por nossas famílias temos necessidade de seguir trabalhando, de ir adiante.
Qual a sensação de estar preso por buscar trabalho?
Ninguém se sente bem estando preso por nada, por não ter cometido nenhum delito além do de querer trabalhar. Naquela prisão dos EUA há quem fica três meses preso, seis, oito, até dez meses. Quando nos levam ao julgamento, todo algemado, é humilhante. Além disso, nos dão muito pouca comida na prisão. A fome faz com que todos tenham de trabalhar por um dólar ao dia, porque há necessidade de comer. Trabalhávamos na lavanderia, na cozinha, limpando o terreno, tudo por um dólar ao dia. A verdade é que ninguém deixa o seu país por que quer.
Reportagem de Leonardo Severo
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