Milhares
de funcionários das ferrovias da Grã-Bretanha receberam treinamento para
detectar sinais de comportamento indicando que uma pessoa possa estar pensando
em cometer suicídio nas linhas dos trens.
Quase
todos os dias alguém tenta o suicídio nas ferrovias do país. Apenas no ano
passado 238 pessoas cometeram o suicídio se jogando em frente aos trens, um
aumento de 20% desde 2010.
O
agravamento do problema levou a ONG britânica The Samaritans (Os Samaritanos,
em inglês) a criar um programa que ensina quais sinais devem ser observados e
como ajudar as pessoas que podem estar prestes a cometer o ato.
Sharon
Willett foi uma das funcionárias que passou por este treinamento e ajudou um
adolescente.
Ela
notou que ele estava sentado sozinho em um dos bancos da plataforma onde
chegavam os trens, encolhido, usando um agasalho com capuz que escondia o
rosto.
O
menino, de 15 anos, parecia estar chorando, mas Willett não tinha certeza. Ela
apenas observou que ele não embarcou em nenhum dos trens que parou no local.
A
funcionária então usou seu treinamento para tentar se aproximar do menino e
iniciar uma conversa. A princípio o adolescente a recebeu com insultos e, em
seguida, começou a chorar.
Willett
acabou descobrindo que o adolescente era vítima de bullying na escola.
"Ele
desabafou comigo, disse que odiava viver, odiava tudo e só queria que (a vida
dele) acabasse e que ele iria embora naquela noite", afirmou.
O
desabafo com a funcionária da plataforma de trens foi a primeira vez que o
adolescente conversou com alguém sobre seus problemas.
"Às
vezes, as pessoas conversam mais com estranhos do que com amigos e familiares.
Mas aquele foi o primeiro passo para ele ir para o caminho certo, ir para um
lugar melhor em que ele está agora", afirmou Willet.
Três
semanas depois da experiência, a funcionária recebeu uma carta de agradecimento
da família do adolescente.
Atrasos
Novos
números obtidos pela rádio 5 Live da BBC mostram que entre abril e outubro de
2013, 313 pessoas que estariam planejando se matar nas ferrovias da
Grã-Bretanha foram impedidas depois da intervenção de outra pessoa.
A
pesquisa não levantou quem foram as pessoas que impediram, mas alguns foram
ajudados pelos funcionários que participaram do programa, funcionários das ferrovias
que não participaram do curso, a polícia de transportes britânica e até outros
passageiros.
Há
também uma preocupação mais pragmática com o problema dos suicídios nas
ferrovias: os prejuízos. Apenas no ano passado o setor de transportes
ferroviários do governo britânico teve que pagar 33 milhões de libras (mais de
R$ 122 milhões) para as companhias de trens em indenizações pelos transtornos
causados pelos suicídios. Estes transtornos geraram cerca de 5 mil horas de
atrasos.
Sinais e traumas
No
curso dado para os funcionários eles são orientados a identificar alguns sinais
como quando uma pessoa fica sentada na plataforma por períodos longos, sem
embarcar em nenhum trem, segundo Steve Tollerton, um dos treinadores da
Samaritan.
Outros
comportamentos são mais óbvios.
"As
pessoas (que estão pensando em cometer suicídio) podem estar usando camisolas,
roupões, roupas de hospital, chinelos. Em alguns casos elas podem tirar as
roupas e dobrá-las cuidadosamente na plataforma", disse.
Segundo
Tollerton, nestes casos, a conversa é o mais importante e no treinamento todos
os funcionários são orientados a tentar manter a conversa mesmo quando são
rejeitados e, em seguida, tentar levar a pessoa para um lugar seguro.
"Uma
vez que a pessoa começa a falar, é incrível como elas podem se abrir sobre os
problemas. Esta pode ser a primeira conversa que esta pessoa está tendo",
disse.
O
programa também visa evitar o trauma dos funcionários, como Don Stewart,
condutor cujo trem atropelou um homem em uma estação e precisou se afastar do
trabalho durante um ano.
"Você
se senta em casa e fica tipo: 'não estou trabalhando, algo está errado'. Não
importa se você quer falar que não matou ninguém, você estava conduzindo o
trem, você estava controlando. E acertou alguém", afirmou.
"Os
condutores se sentem culpados e responsáveis. Pode trazer à tona emoções
dolorosas e aquelas imagens nunca serão esquecidas", afirma Tollerton.
Segundo
Neil Henry, a frequência dos suicídios está crescendo nas ferrovias britânica.
"Apenas
para colocar em perspectiva, no começo deste mês tivemos sete dias consecutivos
sem nenhum incidente e esta foi a primeira vez desde 2010 que tivemos este
período todo sem incidentes", afirmou.
Para
ele, o treinamento é importante pois dá aos funcionários "a confiança para
se aproximar das pessoas, (saber) o que falar, o que não falar".
Desde o
episódio com o adolescente, Sharon Willett já conseguiu evitar outro suicídio.
Para ela, basta "encontrar o gatilho certo, para que as emoções (do
suicida) sejam liberadas".
"E,
uma vez que (as emoções) começam a aparecer, a situação começa a se dissolver e
é quando você pode levá-los para outro estágio, levá-los para um lugar
seguro", disse.
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