Exatamente um ano depois
de legalizar o aborto através do sistema público de saúde, o Uruguai está a um
passo de institucionalizar outra medida relativa aos direitos de reprodução.
Trata-se da Lei de Fertilização Assistida, aprovada na última terça-feira
(12/11) pela Câmara de Deputados por quase unanimidade (59 dos 60 votos),
depois de uma efetiva unanimidade no Senado, em outubro.
Falta apenas a
assinatura do presidente José Mujica para que o governo ofereça um procedimento
que hoje só está ao alcance das famílias uruguaias mais ricas, através de
clínicas privadas. A promulgação da lei deve acontecer ainda este mês, segundo
a imprensa local.
O projeto é antigo.
Nasceu em 1996, por iniciativa de um grupo de legisladores da Frente Ampla
(coalizão governista, mas que naquela época fazia parte da oposição). Um desses
legisladores, o socialista Ernesto Agazzi, afirma que “esses procedimentos de
fertilização são realizados há 23 anos no Uruguai, mas somente por clínicas
privadas, e para que isso fosse um direito garantido a todas as mulheres era
preciso levar essa opção ao serviço público, de forma gratuita”.
De acordo com dados do
Ministério da Saúde do Uruguai, cerca de 16% das uruguaias em idade fértil
apresentam dificuldades para engravidar. Para Nancy Silva, representante da ONG
Procriar Uruguai, a lei seria um avanço importante para a consolidação dos
direitos reprodutivos no país. “Hoje, uma mulher pode interromper uma gravidez
indesejada, pela Lei do Aborto, mas não pode escolher ter uma gravidez apesar
dos seus problemas de infertilidade, por falta de recursos”, comenta Silva.
Como funcionará o
procedimento
Uma vez aprovada a Lei
de Fertilização Assistida, o SIS (Serviço Integrado de Saúde do Uruguai)
oferecerá gratuitamente todas as técnicas de fertilização conhecidas como de
baixa complexidade, cuja intervenção se dá dentro do útero da mulher. As
técnicas consideradas de alta complexidade, como a de inseminação in vitro,
continuarão a ser realizadas somente por clínicas privadas.
A principal exigência
para se ter acesso ao benefício é estar incluída no SIS, o que tornará
impossível o acesso a mulheres estrangeiras. Para as uruguaias, a única
limitação é a idade, que estipula um limite mínimo de 18 anos e um máximo de
40. Esta é uma das críticas que a associação Procriar Uruguai tem a respeito do
projeto. “Achamos que não deve haver uma limitação, porque cada caso é um caso.
Uma mulher pode ter condições ótimas para poder ser assistida pela tecnologia
médica atual e ter uma gravidez, mas não poderá fazer o tratamento porque a lei
tem essa barreira burocrática, que acreditamos ser desnecessária”, comenta
Nancy Silva.
Procriar Uruguai também
discorda do artigo que estabelece um máximo de três tentativas para cada
mulher. A ativista diz que tratamentos podem requerer até dezenas de
tentativas. “O pior dessa regra é a pressão que ela coloca: há três chances
para que o tratamento funcione. Se isso não acontece, você fica só com o
fracasso, nenhuma outra chance”, lamenta Silva.
A lei também regulará
outros procedimentos. No caso do aluguel de ventres, só será permitido em caso
de parentesco de primeiro grau entre os envolvidos. A regulação do aluguel de
ventres visa abrir a possibilidade de que casais homossexuais masculinos possam
utilizar a nova lei, além de adequar outros casos. A doação de espermas também
será controlada. O doador, também maior de idade, não poderá ter mais de 60
anos, e poderá fazer um máximo de cinco doações.
Outro tema polêmico que
envolve o projeto é o do destino dos embriões fecundados que não sejam
aproveitados. Segundo o senador Agazzi, “a lei estabelece que o procedimento
deverá ter o cuidado de não utilizar embriões demais, que depois tenham que ser
descartados”, mas diz que isso ainda vai depender do que será sugerido pelos
técnicos do Ministério da Saúde.
Aborto
Em relação à
consolidação dos números relativos aos abortos realizados pelo SIS, o
Ministério da Saúde definiu como um êxito a fase de implantação do
procedimento. Segundo as estatísticas reveladas em maio, cerca de 2,5 mil
mulheres haviam realizado o procedimento, 17% delas adolescentes, e nenhuma
morte havia sido registrada.
A diretora do
Departamento de Saúde Reprodutiva, Leticia Rieppi, afirma que, “agora vamos
para uma segunda etapa, de reforçar a capacitação do pessoal dedicado ao
serviço e a levar mais informação às mulheres, porque algumas ainda não
conhecem esse direito, ou não confiam na sua eficácia”.
Um conhecido crítico da lei,
o ex-presidente Tabaré Vázquez, que deve concorrer à sucessão de Mujia em 2014,
até mesmo mudou de ideia. A Lei do Aborto foi aprovada primeiramente durante o
seu governo, em 2008, mas foi vetada pelo então presidente, que alegou razões
de consciência. Diante dos números apresentados pelo Ministério da Saúde,
Vázquez afirmou, em entrevista para meios locais, que “a Lei do Aborto já foi
aceita pela sociedade, independente da minha posição sobre o tema”.
Reportagem de Victor
Farinelli
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