23/11/2013

Acredita em simpatias? A ciência explica o porquê

As simpatias fazem parte da vida da maioria dos brasileiros. Vestir-se de branco na noite de Réveillon, colocar um vaso de sete ervas em casa, tomar banho de sal grosso e amarrar fitinhas no braço são alguns dos exemplos mais conhecidos.
O brasileiro André Souza, pós-doutorando em psicologia na Universidade do Texas, nos Estados Unidos, sempre achou curiosas as receitas de sua mãe para diversas situações cotidianas – se quisesse passar em uma prova, por exemplo, ele deveria dormir com o livro aberto e vestir uma camisa azul no dia do exame. Por isso, as mandingas viraram seu objeto de estudo acadêmico.
Souza e a psicóloga americana Christine Legare iniciaram uma série de pesquisas sobre rituais, especialmente simpatias. Com experimentos feitos no Brasil e nos Estados Unidos, a dupla mostrou que os processos cognitivos envolvidos na realização de um ritual são os mesmos presentes em diversas ações cotidianas – como apertar o botão do elevador mais vezes quando se está com pressa.
A relação entre as duas ações está na intuição: em ambos os casos, a pessoa não sabe exatamente como aquele processo (seja dar três pulinhos ou apertar o botão mais quatro vezes) vai fazer com que ela atinja seu objetivo, mas intui que alguns fatores, como a repetição, podem ser responsáveis pelo sucesso da ação.
Passo a passo – O primeiro estudo, publicado em abril de 2012 no periódico Cognition, buscou os fatores que fazem com que uma pessoa considere uma simpatia eficaz. O primeiro passo foi inventar mandingas - algumas delas, propositalmente parecidas. "Uma simpatia repetia o mesmo procedimento sete vezes, a outra só uma vez, e o resto era igual. A gente queria ver, dessas duas, qual as pessoas veriam como mais eficaz", explicou Souza, em entrevista ao site de VEJA, durante uma passagem pelo Brasil.
Ao todo, 162 brasileiros foram entrevistados para este estudo, em postos de saúde em Belo Horizonte. Cada participante ouvia algumas das simpatias e respondia, em uma escala de 0 a 10, o quanto acreditava que ela poderia funcionar. Os pesquisadores notaram que a frequência, a repetição e o nível de detalhamento dos procedimentos eram os principais fatores que faziam uma simpatia parecer confiável. "Se eu digo ‘uma simpatia boa para crescer cabelo é tomar um suco de laranja’, ou digo ‘pegue o suco, sopre três vezes, rode e então beba’, a segunda vai ser considerada mais eficaz, porque tem mais detalhes", explica Souza.
Segundo o autor, isso acontece porque quando nosso sistema cognitivo se depara com uma ação e um resultado que não sabe explicar, é mais fácil se convencer de que deve haver uma explicação quando vários procedimentos levam ao resultado, mesmo que você não saiba dizer como isso aconteceu. "O que difere uma ação ritualística das demais é não saber a relação de causa e efeito. Mas você compensa a falta de entendimento com processos intuitivos, como repetição e detalhamento", afirma Souza.
Esse tipo de intuição funciona para outras situações, além das simpatias. "A gente não tem uma cognição diferente pra avaliar rituais. Usamos os mesmos processos cognitivos, e é por isso que os rituais, apesar de terem diferenças superficiais, em termos cognitivos, são parecidos em qualquer lugar", diz.
Para garantir que os resultados não eram exclusivos dos brasileiros, acostumados com a tradição de simpatias, os autores repetiram o teste com 68 americanos. Entre eles, a quantidade de pessoas que acreditavam nesses rituais foi menor, mas os resultados se mantiveram iguais, ou seja, os mesmos fatores que fazem a simpatia parecer eficaz foram apontados pelos americanos, apesar de não haver equivalência às simpatias brasileiras nos Estados Unidos.
O fato de uma pessoa acreditar ou não na eficácia das simpatias também não alterou os resultados. Mesmo entre os participantes que se declararam céticos, a descrença era maior diante das simpatias com poucos detalhes e menos repetição.
Falta de controle – Em um segundo estudo, a ideia era mostrar como a falta de sensação de controle faz com que as pessoas acreditem mais nas simpatias. Segundo Souza, o sistema cognitivo tenta compensar a ausência, mesmo quando o contexto não envolve a crença em um ritual. "Se eu pergunto a você por que o Brasil está nessa situação econômica, você vai criar uma explicação, mesmo que não entenda nada de economia, porque o sistema cognitivo se sente mais à vontade quando sabe por que as coisas acontecem", explica.
Para demonstrar isso, os pesquisadores fizeram quarenta brasileiros e 92 americanos formarem frases com palavras pré-determinadas. Eles foram divididos em três grupos: no primeiro, havia palavras com significados que remetiam à sensação de aleatoriedade, como "caótico", "desordem", "imprevisivelmente" e "acaso". No segundo grupo, havia palavras de sentido negativo, como "medo", "machucado" e "idiota", enquanto no terceiro, apenas palavras consideradas neutras.
Depois disso, cada um recebeu algumas simpatias para avaliar. A ideia é que, entrando em contato com termos que remetem à falta de controle, o sistema cognitivo seria afetado por essa sensação, de forma inconsciente. De fato, os resultados mostraram que as pessoas desse grupo avaliaram as simpatias como sendo mais eficazes, enquanto o resultado dos grupos neutro e negativo foram iguais. Em outras palavras, quando estamos diante de uma situação que sentimos incapazes de controlar, temos uma tendência de acreditar em rituais, para compensar essa falta de controle cognitivo.
Segundo Souza, a principal contribuição dos estudos é mostrar que o processo cognitivo usado em rituais é algo geral da natureza humana. "O que leva uma pessoa no Brasil a fazer uma simpatia e uma nos Estados Unidos e não fazer é um processo cultural. Mas a partir do momento em que alguém faz uma simpatia ou outro ritual, o que a leva a acreditar naquilo ou não é universal", afirma. O segundo estudo foi publicado em agosto da revista Cognitive Science, e será apresentado em fevereiro do próximo ano, durante a 15.ª reunião anual da Sociedade de Personalidade e Psicologia Social, em Austin, nos Estados Unidos.


Reportagem de Juliana Santos

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