20/10/2012

Crise econômica aumentou número de processos nos tribunais europeus


“O aumento da litigiosidade é um dos grandes problemas hoje na Europa.” Quem faz a leitura é o advogado português Nuno Albuquerque, ao analisar as consequências jurídicas da crise econômica que se alastra pela zona do Euro. O delicado momento pelo qual passam Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha e Itália não é só feito de demissões em massa, falências de empresas, protestos populares, cortes orçamentários e outras medidas de austeridade fiscal. Na verdade — e, possivelmente, em função desses elementos —, a crise traz também uma mudança profunda no perfil de processos judicias que chegam aos tribunais europeus.
“Nós trabalhamos hoje com um tipo de cliente com que não trabalhávamos há cinco anos. Muitas das empresas que eram nossas clientes já faliram”, afirma o advogado, sócio de um escritório em Portugal, e presente na 9ª edição da Fenalaw, feira jurídica que terminou na última quinta-feira (18/10), em São Paulo.


De acordo com Nuno Albuquerque, a mudança no perfil de litigiosidade tem suas raízes no “ciclo vicioso” criado pela crise econômica. Em meio à recessão, uma quantidade massiva de trabalhadores é demitida das mesmas empresas que, no passado, foram má geridas por seus executivos. Nesse cenário caótico, em que há uma enormidade de firmas falidas e inúmeras famílias endividadas, fica clara qual é a questão que está transformando o setor jurídico na Europa: a insolvência — de pessoas físicas e jurídicas.No escritório de Nuno Albuquerque [foto], por exemplo, o departamento de estruturação de insolvências representa atualmente mais de 40% de toda a demanda de trabalho. “Há dois anos, não passava de 5%”, lembra o advogado.
Insolvências particulares
Particularmente em Portugal, o ordenamento jurídico do país foi capaz de desenvolver mecanismos que punem também os executivos responsáveis por empreender gestões irresponsáveis, essenciais para iniciar o processo de falência das companhias. Em um contexto anterior de crédito fácil e juros baixos, os gerentes que avalizaram empréstimos arriscados — e que depois provaram-se impossíveis de serem pagos — também podem ser responsabilizados judicialmente. Os grandes credores não batem à porta somente das famílias endividadas e que não conseguem pagar a hipoteca de suas casas. Muitos altos executivos portugueses também estão sendo acionados na Justiça e obrigados a entrar no mesmo processo de insolvência que o restante da população.
“Isso ajuda a explicar por que o número de insolvências particulares [pessoas físicas] ultrapassou, no início de 2012, o número de insolvências coletivas [pessoas jurídicas]”, observa Albuquerque, diante da “transformação radical” no cenário.
O país lusitano também tem um procedimento jurídico específico para tratar os insolventes. “As pessoas físicas podem apresentar insolvência e pedir exoneração do passivo restante”, conta Albuquerque. Isso significa que um cidadão comum que tenha um conjunto de dívidas impossíveis de cumprir se apresenta a um tribunal e explica às autoridades quais são os seus bens e qual é o seu rendimento mensal. Durante um determinado período, ele passa a entregar os bens e parte do seu rendimento a um administrador judicial — mantendo uma quantia necessária para sobreviver. Ao final desse prazo, tudo o que foi juntado é distribuído aos credores. Uma vez honrados os compromissos, o sujeito tem a ficha limpa e fica isento de qualquer responsabilidade. “É o chamado fresh start, uma filosofia importada dos EUA”, explica Albuquerque.
Pequeninas causas
Ainda como consequência direta da crise, há somente um tipo de litigiosidade que diminuiu sensivelmente nas cortes judiciais europeias. “Já não se discute mais se o muro da sua casa invade o terreno da minha”, ilustra o advogado português. Em relação às “pequeninas causas”, as pessoas estão recorrendo menos aos tribunais, por não terem mais dinheiro para arcar com os custos do processo. “Hoje, predominam outros tipos de causas judiciais, fruto direto da crise econômica”, observa.



Reportagem de Felipe Amorim
foto:bloguevermelho.blogspot.com

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