A acusação é séria. Sem julgar o mérito da questão, penso que formação acadêmica de qualidade, o que significa o preenchimento de uma série de requisitos, além de capacitação adequada, constante e multidisciplinar são fatores fundamentais e prioritários para o preparo de profissionais competentes. Claro, é preciso dedicação e vocação, caso contrário não haverá o envolvimento necessário para o exercício pleno da profissão.
A Ordem dos Advogados de Portugal acusou o Judiciário português
de empurrar para a advocacia os bacharéis despreparados que não conseguiram
entrar para a magistratura. A acusação foi feita depois que o Tribunal
Constitucional derrubou a quarentena de três anos que a Ordem impunha aos
recém-formados. Bacharéis reprovados nos exames do estágio obrigatório tinham
que esperar pelo menos três anos para se inscreverem em novo estágio.
O Tribunal Constitucional considerou que a quarentena restringia
indevidamente o acesso à profissão. A Ordem não gostou e, nesta semana, o
presidente António Marinho e Pinto demonstrou seu descontentamento em
comunicado divulgado pela entidade. Aproveitou a oportunidade para criticar a
má qualidade do ensino jurídico em Portugal.
"O que o Tribunal Constitucional pretende, no fundo, é
obrigar a Ordem dos Advogados a receber e dar formação a milhares de
licenciados despreparados juridicamente, diplomados por universidades que
mercantilizaram totalmente o ensino do Direito e exploram inescrupulosamente as
ilusões de uma juventude sem esperanças, vendendo-lhes licenciaturas que, em
bom rigor, não servem para nada e que até o Estado (que as criou)
rejeita", escreveu Marinho e Pinto.
Ele reclamou que o Tribunal Constitucional não se importa com a
credibilidade e dignidade da profissão de advogado, prejudicada todos os anos
quando a Ordem é obrigada a receber milhares de bacharéis sem preparo. "O
Tribunal Constitucional não percebe que a Ordem dos Advogados não existe para
garantir o direito à profissão de ninguém, mas sim para garantir à sociedade
que aqueles que vão exercer a Advocacia estão preparados para isso. É essa a
função da Ordem e não outra."
As críticas de Marinho e Pinto também foram motivadas por uma
decisão da corte de janeiro de 2011, quando o tribunal considerou inconstitucional
um Exame de Ordem para estagiário. A prova foi criada no final de
2009 e era exigida para que os graduados pudessem iniciar o estágio obrigatório
antes de receber a carteira de advogado. Além dos estudantes, escritórios de
Advocacia criticavam o exame. Na primeira prova aplicada em março de 2010, o
índice de reprovação foi de quase 90%.
Leia o comunicado da Ordem dos Advogados de Portugal:
"O Tribunal Constitucional (TC) veio, mais uma vez,
declarar inconstitucionais várias normas do Regulamento Nacional de Estágio
(RNE) da Ordem dos Advogados (OA), por alegada violação da Constituição da
República Portuguesa (CRP) na parte em que esta garante que "[t]odos têm
direito a escolher livremente a profissão ou o gênero de trabalho" (artigo
47º, n.º 1). Em causa estão disposições que exigem aproveitamento aos milhares
de candidatos à advocacia inscritos no estágio da OA.
O estágio para advogado tem duas fases: a primeira tem a duração
de seis meses e "destina-se a fornecer aos estagiários os conhecimentos
técnico-profissionais e deontológicos fundamentais e a habilitá-los para a
prática de atos próprios da profissão de competência limitada e tutelada";
a fase complementar tem a duração de 18 meses e "visa uma formação
alargada, complementar e progressiva" de modo a prepará-los para o exercício
pleno da advocacia.
As normas do RNE que o TC revogou estabeleciam que os candidatos
que tivessem efetuado dois estágios consecutivos sem aproveitamento só poderiam
inscrever-se para um terceiro depois de decorridos três anos. E isso porque a
OA não pode nem deve estar a dar formação profissional, repetidamente, a quem
não está em condições de assimilar essa formação por falta dos conhecimentos
jurídicos de base que só as universidades podem ministrar.
Na OA, um estagiário que reprove no exame final da fase complementar
pode repetir o exame; se voltar a reprovar pode repetir toda essa fase do
estágio; se depois voltar a reprovar no exame final pode repetir mais outra vez
esse exame e se voltar a reprovar, então é que já só poderá voltar a repetir o
estágio passados três anos. O que o TC agora veio dizer é que essa exigência
viola o direito de escolha da profissão e, portanto, que esses estagiários
podem reprovar indefinidamente, sendo a OA obrigada a oferecer-lhes tantos
estágios quantos eles queiram.
Esta decisão surge cerca de um ano depois de o TC ter também
declarado inconstitucionais outras normas do mesmo regulamento estabelecendo
que o acesso ao estágio de advogado seria efetuado através de um exame nacional
de acesso, apenas para os licenciados em direito que tivessem tirado o curso
após o Processo de Bolonha, ou seja, com três ou quatro anos de licenciatura.
Os que tivessem o mestrado ou uma licenciatura com cinco anos acediam ao
estágio sem necessidade desse exame.
Sublinhe-se que o acesso à magistratura é muito mais gravoso,
pois, agora, só os mestres em direito podem entrar para o Centro de Estudos
Judiciários e, mesmo assim, só através de um exame igual ao que o TC declarou
inconstitucional na OA. O próprio Estado reconhece, pois, que os novos
licenciados não estão preparados para receber formação para uma profissão
forense, já que nem com um exame os deixa entrar no CEJ.
Todos os anos, a OA é obrigada a admitir vários milhares de
licenciados em direito que não conseguem entrar na magistratura, no notariado, nas
conservatórias, na Função Pública ou aceder a qualquer outra profissão. Para o
TC é totalmente indiferente que isso destrua a dignidade e a credibilidade de
uma profissão que a CRP (artigo 208.º) define como essencial à administração da
justiça.
O que o TC pretende, no fundo, é obrigar a OA a receber e dar
formação a milhares de licenciados despreparados juridicamente, diplomados por
universidades que mercantilizaram totalmente o ensino do direito e exploram
inescrupulosamente as ilusões de uma juventude sem esperanças, vendendo-lhes
licenciaturas que, em bom rigor, não servem para nada e que até o Estado (que
as criou) rejeita.
Infelizmente, o TC não percebe que a OA não existe para garantir
o direito à profissão de ninguém, mas sim para garantir à sociedade que aqueles
que vão exercer a advocacia estão preparados para isso. É essa a função da OA e
não outra. Por mim, garanto que, enquanto for o bastonário, a OA cumprirá
escrupulosamente as decisões dos tribunais, mesmo as decisões erradas como esta
do TC. Mas garanto também que aqueles que acederem à profissão estão em
condições de merecer a confiança dos cidadãos, pois a OA não venderá cédulas
profissionais de advogado como as universidades têm estado a vender diplomas de
licenciatura em direito."
António Marinho e Pinto
Reportagem de Aline Pinheiro
foto:eurovisaoportugal.com

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