12/02/2012

Sob o pretexto de restabelecer a ordem pública, o Exército está de volta à América Latina


Vinte anos após o fim das guerras civis na América Central e o recuo das ditaduras sul-americanas, os militares estão de volta na América Latina. Sob o pretexto de restabelecer a ordem pública, as forças armadas estão intervindo em território nacional e oficiais superiores estão recebendo cargos de responsabilidade na cúpula de Estado.
O general de reserva Otto Pérez Molina foi empossado presidente da Guatemala, no dia 14 de janeiro. Conservador, ele sucede o socialdemocrata Álvaro Colom, assoberbado pelo crime organizado. O general prometeu acabar com a escalada da violência, apelando para o comando da elite do Exército. As vítimas da guerra civil (1960-1996), que fez 100 mil mortos e desaparecidos, não se esqueceram dos abusos dos militares guatemaltecos.
A Guatemala é um Estado vacilante em uma América Central que se tornou o elo frágil da região. Pegos entre a repressão ao narcotráfico na Colômbia e a no México, os cartéis da droga colocam sob pressão o país centro-americano. Em Honduras, o general Romeo Vásquez, um dos golpistas de 2009, fortalecido pela eleição do general Pérez na Guatemala vizinha, sonha em disputar a presidência da República, incentivado por seu “conhecimento”.
El Salvador forma junto com Honduras e Guatemala o “triângulo norte” da América Central, particularmente afetado pelas gangues, com os índices de homicídios mais elevados do mundo. Apesar do contraexemplo mexicano, o presidente salvadorenho de esquerda, Mauricio Funes, aumentou o número de patrulhas militares nas ruas. No México, a militarização da segurança pública provocou uma alta impressionante no número de homicídios (47.500 mortos desde janeiro de 2007).
No final de novembro de 2011, o general David Munguía Payés, até então ministro salvadorenho da Defesa, foi nomeado ministro da Justiça e da Segurança Pública. Os acordos de paz de 1992, após um conflito armado que fez 75 mil mortos, proibiam a intervenção dos militares na frente de segurança em El Salvador. Por formalidade, o general Munguía trocou o uniforme de combate pelo terno e voltou para a reserva.
O estouro da criminalidade, estimulado pelo narcotráfico, justifica a crescente intervenção dos exércitos junto às forças policiais. No entanto, os militares não são implicados para a manutenção da ordem, mas sim para entrar em guerra contra um inimigo claramente designado, seja para eliminá-lo ou neutralizá-lo.
A virada ocorrida no México e na América Central já está se esboçando na América do Sul. No Brasil, blindados da Marinha e paraquedistas servem de força extra para o desdobramento da polícia nas favelas do Rio de Janeiro. No “Complexo do Alemão”, imenso labirinto de favelas do Rio, a ocupação militar vai se estendendo, à espera do treinamento de policiais que devem assumir seu lugar. A presença prolongada dos soldados tem causado incidentes, sem acabar com o tráfico.
A exemplo de seus colegas sul-americanos, os militares brasileiros estão divididos. Alguns afirmam que sua experiência de capacetes azuis das Nações Unidas no Haiti é útil para a tomada das favelas. Outros se preocupam com um papel propício a erros e tentações de corrupção. A defesa de longas fronteiras porosas, tomadas pelo tráfico de pessoas e de drogas, bastaria para justificar sua missão constitucional.
No Peru, a posse do tenente-coronel de reserva Oscar Valdés Dancuart como primeiro-ministro, no final de 2011, foi muito significativa. Bastaram algumas semanas de agitação social para que o chefe do governo anterior fosse substituído por seu ministro do Interior. A decisão coube ao presidente peruano Ollanta Humala, ele mesmo oficial de reserva, que havia conhecido Valdés antes que este lecionasse na academia militar. Essa escolha ressalta o espírito de equipe dos oficiais, para quem o mundo parece se dividir em dois, os militares e os civis.
Dois outros países da região ilustram essa solidariedade de casta e a desconfiança em relação à sociedade civil: Venezuela e Cuba. O presidente venezuelano, o tenente-coronel Hugo Chávez, só confia em oficiais de reserva como ele, especialmente naqueles que estiveram envolvidos em suas duas últimas tentativas de golpe de 1992, antes de sua primeira eleição (1998). Em Cuba, o regime do general Raúl Castro depende de seus irmãos de armas: os militares controlam os núcleos duros da economia cubana e ascendem à cúpula do partido único.
A Colômbia é o único país da América Latina onde reina um conflito armado digno desse nome, justificando a ação dos militares. As guerrilhas de extrema esquerda resistem, sem esquecer a reciclagem de uma parte dos paramilitares de extrema direita, que se tornaram bandos criminosos. No entanto, as forças armadas não patrulham nem em Bogotá nem em Medellín, e se concentram na luta contra a guerrilha.
Vinte anos depois de ter enterrado a “doutrina de segurança nacional” que havia encoberto os golpes de Estado militares, tanto a direita como a esquerda acreditam estar aceitando o desafio da violência graças às forças armadas. A militarização da segurança pública não é mais tabu. Essa transgressão é uma admissão de impotência por parte das instituições democráticas. Ela se dá sem levar em conta a sociedade civil e as liberdades.


Reportagem de Paulo A. Paranagua para o jornal francês Le Monde
Tradutor: Lana Lim

foto:mundovestibular.com.br

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