Estatísticas indicam: violência recuou sensivelmente em SP e RJ, mas
espalhou-se pelo interior. Novos padrões de consumo, mineração sem-lei e
grilagem de terras, na fronteira agrícola, são algumas das explicações.
Artigo de Raquel Rolnik*
Entre 2004 e 2007 morreram mais pessoas assassinadas no Brasil do que nos
conflitos envolvendo israelenses e palestinos e mesmo na guerra do Iraque. Foram
538.324 homicídios em dez anos (2000 a 2010). Só no ano passado, foram 50 mil
pessoas assassinadas em nosso país, mais de 130 por dia.
Estes números foram apresentados, em dezembro do ano passado, no Mapa da violência 2012: os novos padrões da violência homicida no
Brasil. Utilizando a taxa de homicídios por 100 mil habitantes como
parâmetro para medir a violência e com base nas estatísticas de mortalidade
registradas pela rede de saúde no país, o estudo mostra a evolução do número de
assassinatos na última década.
De acordo com o mapa, a taxa média brasileira — 26 homicídios por 100 mil
habitantes — permaneceu estável nos últimos dez anos. Mas esta “estabilidade”
oculta transformações profundas que ocorreram na distribuição das mortes
violentas pelo país neste período. De forma geral, houve um movimento de forte
diminuição nas taxas de homicídio nas regiões metropolitanas — principalmente
São Paulo e Rio de Janeiro — e grande aumento no interior e nas regiões Norte e
Nordeste.
Dos noticiários ao cinema, das políticas públicas às ações de ONGs, a década
foi marcada pela imagem da violência. O tema em si e o debate em torno do seu
enfrentamento tornaram-se uma espécie de obsessão na cultura e política
brasileiras. Entretanto, enquanto o debate público sobre a violência no país
identificava as periferias e favelas metropolitanas como lócus do
crime, a violência foi se disseminando pelo país.
A queda das taxas de homicídio em São Paulo e no Rio de Janeiro merece ser
celebrada, mas sua interiorização e disseminação pelo país são preocupantes.
Hoje, Alagoas, Pará, Bahia, Maranhão e Paraíba são os Estados que apresentam
maiores índices de homicídios per capita, com crescimento superior a
300%.
Quem mora em Salvador ou São Luis com certeza sentiu na pele essa mudança. O
fato é que o crescimento econômico nestas cidades foi acompanhado pela
emergência de um fenômeno antes marginal ou desconhecido: uma cultura da
violência muito semelhante àquela repetida obssessivamente na última década nos
filmes, noticiários e debates públicos. A disseminação do crack, a
homogeneização dos padrões de consumo e o desmantelamento das redes tradicionais
de contenção social como famílias extensas, sem dúvida, contribuíram para
intensificar o fenômeno.
Marabá, no Pará, terceira cidade com maior índice de homicídios, combina os
novos fenômenos da década com o já velho e persistente fenômeno da pistolagem,
dos conflitos armados nas regiões que fazem parte frente de expansão mineradora
e agroindustrial do país. Questões fundiárias — principalmente — que há décadas
matam centenas de pessoas na região, agora aparecem nas estatísticas
nacionais.
Cidades de fronteira (como Guaira no Paraná, quarta no ranking) ou de grande
explosão do turismo (como Porto Seguro, quinta pior cidade em termos de
homicídios) compõem o quadro das situações mais agudas. Entretanto estas são
situações extremas, de um quadro que de forma geral revela um novo fenômeno — a
disseminação da violência pelo interior do país – para o qual não temos ainda
um novo retrato e muito menos formulamos instrumentos para enfrentá-lo.
imagem:blogdainseguranca.blogspot.com
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