28/11/2011

O mal-estar dos professores sem estabilidade no sistema de ensino francês


Normalmente eles são até discretos, os professores “precários” do ensino público. Eles dizem que, como o desemprego é uma espada de Dâmocles, “com qualquer deslize você está na rua”. Mas, já fartos, decidiram dar seu testemunho no “Livro Negro dos Não Efetivos do Ensino Público”, em 40 páginas que revelam situações kafkianas. 
Os responsáveis por essa compilação foram alguns professores em regime temporário que se conheceram no fórum da internet “Professores precários”. Com a aproximação da data em que o Parlamento apreciará o projeto de lei sobre a redução do emprego precário na função pública, eles reuniram uma centena de depoimentos e os enviaram aos parlamentares, bem como ao ministro da Educação nacional, Luc Chatel. “O objetivo é obter visibilidade”, diz um deles. “Nossos problemas analisados isoladamente podem parecer insignificantes, mas juntos eles dão uma visão geral sobre algo muito grave”. Três deputados garantiram que transmitiriam essas reivindicações. Chatel não lhes respondeu.
No livro, eles se dizem “tapa-buracos”, “professores de segunda linha” e “prisioneiros de um status”. Seriam 21.200 professores temporários, segundo o Ministério da Educação: 15 mil em contrato de duração determinada (CDD), 5.200 em contrato de duração indeterminada (CDI) e quase 1.000 suplentes (um contrato que cobre um máximo de 200 horas por ano). Seu número vem aumentando desde 2007. “Um ligeiro aumento”, segundo Josette Théophile, a diretora de recursos humanos do ministério. “Um aumento de 25%”, refuta o SNES-FSU, principal sindicato de professores do ensino secundário.
Desde 2007, 66 mil postos de funcionários públicos foram eliminados no ensino público. Para compensar, o governo recrutou temporários. Luc Chatel assume a medida e a defende. Em março de 2010, ele pediu aos diretores de escola que arrumassem uma “reserva” de temporários, composta por aposentados e estudantes, para “atender a necessidades urgentes de substituição”. Desde então, “às vezes os diretores de escolas vão buscar seus substitutos diretamente no Pôle Emploi [agência de emprego governamental]”, relata Philippe Tournier, secretário-geral do SNPDEN-UNSA, o principal sindicato de diretores de escolas.
O problema é que, no ensino público, quando a precariedade se instala, ela se instala por um bom tempo... “Eu sou um peão, enviado de escola para escola desde 1999!” Michael Médiouni é professor de francês na circunscrição de Grenoble. Seu currículo é uma longa lista de trabalhos temporários, de CDDs em meio período, em tempo integral... Trinta contratos no total, passando por um período de desemprego. “O mais duro é esse stress, a cada verão, de não saber se vão nos oferecer um novo contrato no semestre seguinte e para onde vão nos enviar”.
No ensino público, os períodos de CDD são limitados a seis anos “sem interrupção”, contra 18 meses no setor privado. Depois disso se pode, em princípio, ter um CDI. “Mas as secretarias de educação sabem o que fazer para não renovar contrato com um funcionário após seu sexto ano”, relata Angélina Bled, do sindicato SE-UNSA. Ou então justificar interrupções entre dois contratos para “zerar os contadores”.
O plano de efetivação que o governo está preparando deverá permitir que cerca de 500 professores obtenham um CDI, e outros 10.000 prestem um exame para serem efetivados. Mas, segundo o assessor de Estado Marcel Pochard, isso é “tapar o Sol com a peneira”. “O corte do emprego precário é um problema recorrente da função pública”, explica o ex-diretor-geral do governo e da função pública. O primeiro plano de cortes dos professores precários data de 1950. Depois houve a lei Le Pors em 1983, a lei Perben em 1996, o plano Sapin em 2000... “Passam a esponja regularmente, mas os temporários constituem uma reserva que deve ser reconstituída”, lembra Pochard.
A causa disso é a “dimensão de massa do ensino público, combinada a sua complexidade”, sustenta o inspetor geral Didier Bargas: 860 mil professores, 65 mil escolas, 12 milhões de alunos, 35 disciplinas nos colégios e 360 no ensino técnico... “A máquina não pode ter tamanha precisão de forma que, a cada semestre, disponha de todos os professores dos quais precisa”, conclui Porchard. Aqueles que criticam a ineficácia dos planos de efetivação defendem uma melhor gestão dos funcionários, mais humana e mais flexível. “O Estado é mau empregador”, uma ideia bem conhecida. “A administração funciona de maneira mecânica, ela gerencia carreiras e status de maneira impessoal”, analisa Luc Rouban, sociólogo e diretor de pesquisas no CNRS.
O “Livro Negro” está repleto de exemplos. Secretarias de educação inacessíveis, atrasos intermináveis de pagamentos, contratos que terminam às vésperas das férias para recomeçar no dia da volta às aulas, alocações improváveis... “Dois anos atrás, me designaram para uma escola a 170 quilômetros de minha casa. No ano passado, eu rodava 120 quilômetros por dia. E, é claro, não me pagam a gasolina”, conta Médiouni. Um professor de filosofia “bateu a cabeça contra a parede” quando descobriu que havia sido designado para uma escola a uma hora de estrada de sua cidade, sendo que “uma vaga em filosofia estava aberta no colégio ao lado de casa”.
Quanto ao salário, “recebemos o piso, normalmente entre 1.200 e 1.400 euros líquidos, mesmo após dez anos”, conta Vincent Lombard, do SNES-FSU. Quanto ao seguro-desemprego, é uma “burocracia sem tamanho”: “Como o Pôle Emploi não indeniza os temporários do setor público, é preciso esperar dois meses antes de receber suas indenizações”.
A única solução é prestar concurso interno, cujo número de postos oferecidos foi reduzido nos últimos anos. Assim como a esperança dos temporários de serem um dia considerados “professores de verdade.”

Reportagem de Aurélie Collas para o jornal francês Le Monde
http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/lemonde/2011/11/26/o-mal-estar-dos-professores-sem-estabilidade-no-sistema-de-ensino-frances.jhtm 
Tradução: Lana Lim
foto:educacaobsm.com

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