14/08/2011

Internato educa crianças africanas para que um dia elas ajudem o continente

Bom dia!
A educação muda o mundo ao transformar os indivíduos.




Um consultor e um ex-piloto de caça querem proporcionar um futuro melhor ao continente mais pobre do mundo. Em um internato em Johannesburgo, eles estão treinando algumas das crianças mais talentosas do continente para tornarem-se uma nova elite africana
Todas as manhãs, quando os outros ainda estão dormindo, Joseph Munyambanza abre os olhos e agradece a Deus pelo fato de poder estar aqui neste local bonito e de atmosfera megalomaníaca. Ele pensa na sua casa, no campo de refugiados e na distância que teve que se deslocar para chegar a esta escola em Johannesburgo.
Poucas horas depois, Joseph entra no pátio apoiado em muletas. Este jovem de pele escura e magro tem 19 anos de idade. Quando jogava futebol, ele torceu o joelho direito e rompeu o ligamento cruzado. “O ligamento deu um estalo alto, mas não foi como um tiro”, diz Joseph. Tendo vindo do Congo, ele conhece bem o som de disparos de arma de fogo.
Joseph entra mancando no refeitório onde é servido o café da manhã, senta-se a uma mesa perto da parede e conta a sua história com uma voz tranquila. Ele morava perto da fronteira com Ruanda. Rebeldes passavam pela vila dele ao se deslocarem pelo Congo. Quando encontravam qualquer grupo de homens, os rebeldes os matavam rapidamente. E se encontrassem um grupo de mulheres, eles as matavam lentamente, em grupos de até 12 homens. A família de Joseph fugiu para Uganda quando ele tinha seis anos de idade.
Joseph, os pais dele e os seus cinco irmãos receberam uma barraca em um acampamento da Organização das Nações Unidas (ONU). “Descobri que a partir daquele momento eu era um refugiado, e não um ser humano”, diz Joseph. Os funcionários de auxílio humanitário forneceram à família dele milho seco e óleo, mas eles não tinham lenha para cozinhar, de forma que Joseph comeu os grãos secos e bebeu o óleo. Era melhor sentir dores de estômago do que a fome. “Não havia nenhuma esperança no campo”, explica ele. “Eu jamais poderia ter sequer sonhado com um local como este”.
Um funcionário de uma organização de auxílio humanitário falou a Joseph a respeito da Academia de Liderança Africana. Joseph preencheu um formulário de inscrição. Em uma página ele tinha que escrever o quanto os seus pais ganhavam por ano. Joseph escreveu apenas o algarismo “0”. Na página seguinte havia uma tabela na qual ele deveria declarar todos os bens da sua família. Joseph pensou um pouco e escreveu: uma enxada.
Joseph remeteu o seu formulário de inscrição para Johannesburgo, colocando como destinatário Christopher Khaemba, o diretor da escola. Joseph jamais imaginou que poderia ter qualquer chance de ser aceito. Mas, assim que Khaemba leu apenas algumas linhas da inscrição de Joseph, ele teve a certeza de que tinha que trazer o garoto para a sua escola na África do Sul.
Uma escola para acabar com os males da África
Desde então, Joseph mora com 200 colegas neste internato particular na periferia de Johannesburgo. Os seus colegas têm de 15 a 20 anos de idade e vieram de 40 países da África. Todos eles são superdotados, assim como Joseph. Eles foram os escolhidos de um grupo de 5.000 inscritos: meninos, meninas, muçulmanos, cristãos, negros e brancos. Eles foram os melhores. Quando forem mais velhos, a esperança é que eles ajudem a resolver os problemas que afligem o mundo no qual eles cresceram. O trabalho que eles têm pela frente é nada mais nada menos do que erradicar a corrupção do continente, combater o crime, criar universidades, controlar a disseminação do HIV e promover a paz. “Eles deverão salvar a África”, afirma Khaemba.
Ex-piloto de caça da força aérea queniana, o diretor de 55 anos de idade da Academia de Liderança Africana é um homem amigável. Khaemba pega um livro sobre a sua mesa. “Motivação Diária para o Sucesso Afro-americano”, diz o título. Ele estava lendo o livro nesta manhã. “É este o resultado que os meus alunos deverão alcançar. Meninos como Joseph, assim como o general Colin Powell”, diz ele.
O mesmo Colin Powell que conduziu os Estados Unidos à Guerra do Iraque? “Bem, não exatamente dessa maneira”, diz Khaemba. “Talvez seja algo mais parecido com um Bill Gates negro”.
Contendo a fuga de cérebros
O aluno Joseph chegou até a pensar algumas vezes sobre como a sua vida teria sido se ele tivesse simplesmente ido embora da África. Ele sabe que aqueles que têm alto nível de instrução sempre conseguem encontrar uma oportunidade nos Estados Unidos ou no Reino Unido. Khaemba explicou a Joseph que 20 mil africanos qualificados deixam o continente a cada ano. Engenheiros, advogados e médicos mudam-se para países nos quais a comida é estranha, e os invernos e as pessoas são frios. Joseph entende por que muitos africanos preferem viver no exterior a conviver com o índice de infecção por HIV de 40% encontrado na Suazilândia, com a ocorrência de um estupro a cada 30 segundos na África do Sul ou com o genocídio que deixou 800 mil pessoas mortas em Ruanda.
É a isso que os especialistas se referem quando falam da “fuga de cérebros”, a emigração de cidadãos qualificados. Joseph aprendeu esse termo na academia, e ele sabe quais são as consequências desse êxodo: as pessoas que partem fazem falta na hora de construir ruas, votar leis ou fornecer cuidados médicos a pacientes.
É exatamente essa fuga de cérebros que a Academia de Liderança Africana tem como objetivo conter. Khaemba deseja que Joseph e os outros estudantes retornem aos seus países de origem após se formarem. “Eles deverão servir o continente”, diz Khaemba.
Joseph recebe uma bolsa para a sua educação na academia assim como quase todos os outros alunos, de forma que ele não tem que pagar pelo curso, cujo valor total é de US$ 40 mil.
Após concluir a sua educação na academia, Joseph poderá estudar em qualquer parte do mundo, mas os termos do contrato da bolsa o obrigam a retornar à África dentro de cinco anos após a conclusão dos estudos e a trabalhar durante pelo menos dez anos no continente. Mas, e se ele preferir se mudar para Manhattan? Uma expressão séria subitamente toma conta da face de Khaemba, e neste momento é fácil imaginar que ele já foi um excelente piloto de caça. “Se fizer isso, ele terá que pagar o valor inteiro do curso”, responde Khaemba. “São US$ 40 mil”.
Após os seus estudos, Joseph diz que deseja retornar ao campo de refugiados em Uganda. Ele quer continuar aquilo que começou.
Ele está inclinado sobre um prato no qual há uma pequena porção de arroz. Após ter passado fome durante vários anos em um campo de refugiados, ele jamais se adaptou a um estômago totalmente cheio. Joseph mastiga e fala ao mesmo tempo, às vezes interrompendo as suas sentenças. Ele se concentra mais na comida do que na sua história.
Quando criança, Joseph jogava futebol, mas a mãe dele lhe disse que o esporte não lhe garantiria nenhum futuro. Ela afirmou que a única maneira de sair do campo de refugiados seria cursando uma escola.
“O homem da lanterna indica o caminho às pessoas”
Joseph não tinha livros, lápis nem papel para escrever. Todos os dias, pela manhã, ele cavava buracos para o plantio de milho com os seus pais e caminhava até a barraca que funcionava como escola após o trabalho. Quando ele chegava atrasado, o professor ficava bravo, de forma que Joseph cavava rapidamente – às vezes até que as suas mãos sangrassem. A mãe dele lhe disse que ele tinha que ser o melhor aluno, porque o melhor talvez tivesse uma chance de receber uma bolsa de estudos. Joseph parou de jogar futebol e pegou livros emprestados com outras crianças, lendo-os à noite à luz de uma fogueira.
Ele desejava tornar-se um ser humano, e não ser um refugiado e, por isso, aprendeu a cultivar uma nova vida. No Natal, os pais dele lhe deram como presente papel para escrever.
Um sonhador que perseverou
Na sétima série, Joseph foi para uma escola diferente, que ficava a quilômetros de distância da sua casa. A jornada era difícil, diz Joseph, mas a nova escola era melhor. Ele acordava cedo, molhava a plantação de milho, e depois corria descalço até à escola. No final do ano escolar, Joseph recebeu uma bolsa de estudos, o que lhe possibilitou mudar-se para a cidade.
Joseph conseguiu realizar o seu sonho. Ele deixou a sua mãe orgulhosa e conseguiu sair do campo de refugiados por meio dos estudos. Mas em breve ele descobriu que notas boas apenas não transformam uma pessoa em um ser humano, de forma que ele passou a retornar para casa nos fins de semana e feriados para ensinar as outras crianças refugiadas na sua velha escola na barraca.
Quando o ano escolar terminou, muitos dos alunos de Joseph tiveram um resultado tão bom que foram aceitos por uma escola de segundo grau. Mas a escola ficava a 80 quilômetros de distância, e nenhuma das crianças do campo de refugiados tinha dinheiro para pagar pela acomodação e as refeições.
Joseph, que na época tinha 16 anos de idade, conseguiu obter dos outros moradores do campo doações suficientes para poder alugar uma casa na cidade. Lá ele conseguiu espaço para 16 crianças, embora não houvesse camas e a comida fosse escassa. No final do primeiro trimestre, quatro dessas crianças estavam empatadas como as melhores da classe.
Aos 14 anos de idade, Joseph imaginou um plano para criar uma escola em regime de internato de forma que pudesse salvar crianças do seu campo de refugiados. Muitos o chamaram de sonhador, mas ele perseverou. Quando Fred Swaniker tinha 27 anos de idade, ele decidiu salvar a África com uma escola desse tipo. Outras pessoas o chamaram de louco, e elas poderiam ter razão. Mas ele, também, perseverou. Agora, com 33 anos de idade, Swaniker senta-se em uma sala de conferências, com um BlackBerry sobre a mesa, rindo alegremente. Nascido em Gana, ele estudou no Estado norte-americano de Minnesota, e mais tarde trabalhou na firma de consultoria de negócios McKinsey.
A companhia o mandou para a Escola de Administração da Universidade Stanford para fazer um curso de mestrado. Durante aquele período, ele fez um estágio em um banco na Nigéria, onde conheceu pessoas que mandavam os filhos estudar em internatos na Inglaterra. Uma educação desse tipo custa até US$ 40 mil por ano. “Eu poderia fazer o mesmo de forma melhor e mais barata”, pensou ele. Seis anos mais tarde, ele tinha a sua própria escola em Johannesburgo, fundada com cerca de 14 milhões de euros (US$ 20 milhões) que ele obteve por meio de doações.
Quando Joseph recebeu um convite para uma entrevista na academia, ele foi instruído a trazer um assunto que se adequasse à sua pessoa. Ele colocou uma lanterna de cabeça diante do comitê de entrevista, a luz que ele usava para estudar à noite. “O homem da lanterna mostra o caminho às pessoas”, disse ele. “Eu sou o homem da lanterna”.
“Vocês me chamam de refugiado, mas eu sou um ser humano”
Hoje é o dia da festa de formatura. Joseph recebeu uma bolsa universitária, mas mesmo assim ele ainda terá que pagar uma pequena parcela da mensalidade. Ele ainda não sabe onde conseguirá o dinheiro; primeiro ele voltará à barraca onde moram os seus pais em Uganda.
Ele está de pé no parlatório, segurando três folhas bem dobradas. Ele nunca gostou de contar aos colegas de classe de onde veio e jamais pediu a simpatia de ninguém. Todos os sábados ele fez jejum, de forma que a fome o fizesse lembrar do seu lugar de origem. Agora ele quer fazer um discurso.
“Eu sou Joseph Muniambanza”, ele começa a ler, com a voz oscilando um pouco diante dos estudantes, dos professores e dos parentes, todos vestidos com as suas melhores roupas de domingo. Os pais dele não tinham dinheiro para as passagens aéreas e ficaram em Uganda.
Ele conta que a sua irmã grávida contraiu malária, mas o médico se recusou a tratá-la porque ela não tinha como pagar. Ela morreu antes da criança nascer. Joseph diz que deseja estudar medicina.
Ele agradece ao diretor e aos professores. “O meu sonho é ir para a universidade e me tornar médico. É um sonho difícil, mas a minha vida sempre foi difícil, e eu nunca abandonei a esperança”, diz ele. Colocando os papéis sobre a bancada, ele respira profundamente. “Eu sou Joseph Munyambanza”, dez ele com a voz firme. “Vocês me chamam de refugiado”. Olhando para a plateia, ele faz uma pausa, cerra os dentes, com o maxilar inferior pressionando a face.
Ele hesita por um momento, fazendo silêncio, e diz a seguir: “Mas eu sou um ser humano”.


fonte:http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/derspiegel/2011/08/13/academia-prepara-nova-geracao-de-elite-africana.jhtm
foto:http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/derspiegel/2011/08/13/academia-prepara-nova-geracao-de-elite-africana.jhtm

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