Um convite à reflexão neste final de semana:
Hoje, 94 brasileiros morrerão depois de receber um disparo de arma de fogo. É  como se a tragédia ocorrida há uma semana na Escola Municipal Tasso da Silveira,  em Realengo, no Rio de Janeiro, se repetisse oito vezes por dia. Todos os  dias.
Por não compor um enredo comovente, esta hecatombe a granel passa para os  registros sorrateiramente – não há cartas de psicopatas suicidas, nem há vídeos  no Youtube mostrando parentes gritando na rua e estudantes fugindo. Não é  notícia. E, por isso, os 60 milhões de brasileiros que foram contra a proibição  do comércio de armas no Brasil, no referendo de 2005, não se sentem responsáveis  por nada disso.
Agora,  uma nova iniciativa parlamentar pretende convocar mais um referendo sobre o  tema, provavelmente, para o dia 2 de outubro. A proposta, apresentada pelo  senador José Sarney depois da tragédia de Realengo, já está na CCJ (Comissão de  Constituição e Justiça) do Senado e deve ir a plenário na sequência. Com sorte,  os brasileiros terão uma segunda chance de decidir sobre um assunto vital e  negligenciado. 
A produção, comércio e tráfico de pequenas armas de fogo e munição  constituem, em todo o mundo um dos fatos mais obscuros, menos regulados e mais  cinicamente ignorados pela opinião pública.
O Brasil é um grande produtor de armas. Três empresas privadas continuam  produzindo a cluster bomb, um tipo de munição altamente letal e  imprecisa, proibida pela Convenção sobre Munições em Cacho, da qual o Estado  brasileiro não é signatário.
O país é também um grande produtor de revólveres e pistolas. Por dia, são  produzidas aqui 2,8 mil armas de cano curto, das quais 320 ficam no País e o  restante é exportado. De cada dez armas apreendidas pela polícia no Brasil, oito  são de fabricação nacional. E 70% das mortes por armas de fogo registradas aqui  em 2010 foram provocadas pelo uso de armas que entraram legalmente no mercado,  ou seja, entraram nas ruas pelas mãos de “pessoas de bem”.
Os assassinos, aliás, também são, na maioria dos  casos, “pessoas de bem”. Pesquisadores norte-americanos e australianos  realizaram uma pesquisa sobre o perfil dos crimes com armas de fogo em seus  países e chegaram à conclusão de que em apenas 15% dos casos as vítimas não  conheciam os assassinos. Na maioria das cidades brasileiras, os homicídios  também ocorrem entre pessoas que se conheciam, em finais de semana, em brigas de  bar ou de família e por motivos fúteis.
Um dos entraves para frear esse massacre é o lobby das empresas  produtoras de armas. No referendo brasileiro de 2005, a Taurus doou 2,8 milhões  de reais para a campanha do “não” e a CBC (Companhia Brasileira de Cartuchos)  doou outros R$ 2,7 milhões. A soma corresponde quase à totalidade do custo da  vitoriosa campanha do “não”.
No plano internacional, não é diferente. Grandes empresas e governos  poderosos lucram com o comércio de armas – principalmente de fuzis baratos e  outras armas menores. O documento que deveria regular o setor, o ATT (Arms Trade  Treaty) usa termos como “deveria, quando apropriado e levar em consideração”  para referir-se às obrigações dos Estados de não vender armas para beligerantes  de contextos onde sabidamente cometem-se crimes de guerra. As exigência de  respeitar a lei são cênicas, frouxas e escassas. O comércio e o tráfico  proliferam nas brechas.
Frequentemente, o Conselho de Segurança das Nações Unidas aprova resoluções  impondo embargo de armas a ditadores e autorizando o uso da força para proteger  a população civil, mas não pode fazer nada por essas vítimas cotidianas de baixo  perfil. Os EUA movem sua máquina militar contra o Iraque, alegando combater a  ameaça de “armas de destruição em massa”, mas nenhum arsenal tem provocado mais  mortes do que estas pequenas armas espalhadas pelo mundo. Neste caso, nem o  Exército mais poderoso de todos tem o poder que um voto pode ter num novo  referendo.
Por João Paulo Charleaux, no Opera Mundi
(http://ponto.outraspalavras.net/2011/04/29/revolveres-pistolas-fuzis-verdadeiras-armas-de-destruicao-em-massa/)
foto:tebloga.wordpress.com

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