24/03/2011

Para refletir: Lei da Ficha Limpa só pode ser aplicada em 2012


A notícia é a seguinte:


Em uma sessão bem mais breve e sem a exaltação demonstrada pelos ministros nas sessões anteriores, o Supremo Tribunal Federal decidiu nesta quarta-feira (23/3), por seis votos a cinco, que a Lei Complementar 135/10, conhecida como Lei da Ficha Limpa, não poderia ter sido aplicada em 2010 como decidiu o Tribunal Superior Eleitoral no ano passado. 
A discussão se restringiu à proibição constitucional de uma lei que altere o processo eleitoral ser aplicada antes de um ano de entrar em vigor. A maioria dos ministros decidiu que ao estabelecer novos critérios de inelegibilidades a lei interferiu claramente no processo eleitoral e, assim, feriu o artigo 16 da Constituição Federal. De acordo com a norma, “a lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”. 
Os ministros não chegaram a discutir se candidatos condenados por órgãos colegiados da Justiça antes da lei entrar em vigor podem ser atingidos por ela. Essa discussão ainda renderá bons debates, mas só às portas das eleições de 2012, quando a lei, então, estará em pleno vigor. 
Como foi reconhecida a repercussão geral do recurso julgado nesta quarta, os efeitos da decisão serão estendidos para todos os candidatos que tiveram o registro indeferido pela Justiça com base nas regras da Lei da Ficha Limpa. Só no STF, há 30 recursos contra decisões do TSE que barraram candidatos chamados “ficha-suja”. Para se beneficiar da decisão, basta que os candidatos peçam a extensão dos efeitos da decisão. O plenário autorizou os ministros a decidir monocraticamente os pedidos.
O caso em julgamento foi o do candidato Leonídio Bouças (PMDB), que, no ano passado, disputou uma vaga de deputado estadual para a Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Bouças foi barrado por ter sido condenado por improbidade administrativa, sob acusação de usar a máquina pública em favor de sua candidatura ao Legislativo mineiro nas eleições de 2002, quando era secretário municipal de Uberlândia. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais suspendeu seus direitos políticos por seis anos e oito meses. Com a decisão, ele será empossado como suplente por ter obtido número suficiente de votos para isso.
Na sessão, chegaram a se ensaiar alguns debates, mas nada parecido com os julgamentos do ano passado. A certa altura, o ministro Ayres Britto disse que Bouças havia sido condenado em todas as instâncias anteriores ao Supremo. Ao que Gilmar Mendes respondeu: “É isso que chamo de teoria futebolística. Somam-se três ou quatro decisões e aí a Corte Suprema não atua”. Mas as discussões não seguiram em frente. 
O voto decisivo para definir a questão foi o do ministro Luiz Fux, 20 dias depois de sua posse no Supremo. “Não resta a menor dúvida que a criação de novas inelegibilidades em ano da eleição inaugura regra nova no processo eleitoral”, afirmou o ministro. 
Fux começou o voto afirmando que a Lei da Ficha Limpa “é um dos mais belos espetáculos democráticos” que já assistiu. “Dos políticos espera-se moralidade no pensar e no atuar. Isso gerou um grito popular pela Lei da Ficha Limpa”. Como os advogados bem sabem, quando suas sustentações orais são muito elogiadas pelo juiz, geralmente é porque ele votará contra seu processo. Foi exatamente o que aconteceu. 
O ministro ressaltou que o intuito de estabelecer a moralidade que vem com a lei é de todo louvável. “Mas estamos diante de uma questão técnica e jurídica, que é saber se a criação de critérios de inelegibilidade em ano de eleições viola o artigo 16 da Constituição Federal”. Para Fux, não há dúvidas que a nova lei alterou o processo eleitoral, quando a Constituição proíbe isso. 
Luiz Fux afirmou que o princípio da anterioridade eleitoral representa a garantia do devido processo legal e a igualdade de chances. E, citando o voto do ministro Gilmar Mendes, o que fez em diversas passagens, disse que a carência de um ano para a aplicação de lei que altera o processo eleitoral é uma garantia constitucional das minorias, que não podem ser surpreendidas com mudanças feitas pela maioria. “Tem como escopo evitar surpresas no ano da eleição”, disse. 
Para o ministro Luiz Fux, o processo eleitoral a que se refere a Constituição é a dinâmica das eleições, desde a escolha dos candidatos: “Processo eleitoral é tudo quanto se passa em ano de eleição”. Fux ainda disse que a iniciativa popular é sempre salutar, mas tem de ter consonância com a Constituição. “Surpresa e segurança jurídica não combinam”, afirmou. E, neste caso, de acordo com o ministro, deve prevalecer sempre a segurança jurídica para que as pessoas possam “fixar suas metas e objetivos e de formular um plano individual de vida”. 
De acordo com o ministro, os candidatos foram surpreendidos por regras que não poderiam ter sido aplicadas no mesmo ano da eleição porque implica em desigualdade nas regras do jogo. “A Lei da Ficha Limpa é a lei do futuro”, disse. E completou: “É aspiração legítima da nação brasileira, mas não pode ser um desejo saciado no presente” porque isso fere a Constituição Federal. 
Tribunal contramajoritário
Antes do ministro Luiz Fux, Gilmar Mendes, relator do recurso em discussão, também votou contra a aplicação imediata da Lei da Ficha Limpa. O ministro disse que a missão do STF é aplicar a Constituição Federal, ainda que seja contra a opinião da maioria. 
Gilmar Mendes fez um estudo da jurisprudência do Supremo. O ministro lembrou que quando o STF decidiu pela aplicação imediata da Lei Complementar 64/90, que instituiu um sistema de inelegibilidades novo, o quadro institucional do país era diferente. A recém-promulgada Constituição de 1988 requeria um sistema de inelegibilidades que não existia, por isso não se enquadrou no princípio do artigo 16 da Constituição. 
No caso da Lei da Ficha Limpa, de acordo com Gilmar Mendes, ela alterou regras que já existiam. Logo, deveria se submeter ao prazo de carência de um ano. Como foi publicada em 7 de junho de 2010, só poderia valer de fato a partir de 7 de junho de 2011. Na prática, só se aplicaria aos candidatos a partir das eleições municipais de 2012. 
“A tentativa de aplicar o precedente ao tema atual levaria a conclusão diametralmente oposta”, afirmou Gilmar Mendes. O ministro fez uma analogia com o princípio da anterioridade tributária. O contribuinte não pode ser cobrado no futuro por um imposto que não existia no passado. Da mesma forma, o candidato não pode ser penalizado por regras que não existiam quando decidiu se candidatar. 
O ministro voltou a classificar a lei como casuística e disse que “não se pode distinguir casuísmos bons e casuísmos ruins”. E completou, citando Machado de Assis: “A melhor forma de apreciar o chicote é ter o cabo nas mãos. Mas o chicote muda de mãos”. Para o ministro, o "processo eleitoral não começa com as convenções. E até as pedras sabem disso". A fase pré-eleitoral começa em outubro do ano anterior, com a obrigação da filiação partidária. 
E, apesar de estar bem mais calmo do que nos julgamentos anteriores, não deixou de alfinetar os defensores da lei: “Para temas complexos há sempre uma solução simples. E, em geral, errada”. Para Gilmar, “a Lei da Ficha Limpa tem uma conotação que talvez tenha escapado a muitos ditadores”. 

Posições firmes
O ponto nevrálgico da discussão foi, mais uma vez, sobre se a lei se submeteria ou não ao chamado princípio da anterioridade previsto no artigo 16 da Constituição Federal. Os rachas anteriores entre os ministros se deram exatamente pelas diferenças entre o conceito do que é processo eleitoral. 

Os ministros mantiveram suas posições. Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Cezar Peluso, como Luiz Fux, reforçaram que a lei deveria respeitar o princípio da anterioridade eleitoral. Outros cinco ministros — Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Ayres Britto e Ellen Gracie — entendem que sua aplicação é imediata porque novas hipóteses de inelegibilidade não alteram o processo eleitoral. Logo, não teriam de cumprir o prazo de carência de um ano previsto na Constituição Federal. 
Para os ministros que defenderam a aplicação imediata da lei, só tem poder de interferir no processo eleitoral uma regra que desequilibra ou deforma a disputa. Como a Lei da Ficha Limpa é linear, ou seja, se aplica para todos indistintamente, não se pode afirmar que ela interfere no processo eleitoral. Logo, sua aplicação é imediata. O argumento foi reforçado pelo ministro Ricardo Lewandowski, que é presidente do TSE. 
Os que sustentaram – e venceram o julgamento – a que a lei tinha que obedecer ao prazo fixado no artigo 16 da Constituição Federal, fizeram com o argumento de que não há interferência maior no processo eleitoral do que estabelecer novas regras que criem restrições para que um cidadão se candidate. 
“Ninguém em sã consciência pode afirmar que a Lei Complementar 135 não altera o processo eleitoral”, afirmou o ministro Marco Aurélio em julgamentos anteriores. Nesta quarta, disse que “a primeira condição da segurança jurídica é, sem dúvida nenhuma, a irretroatividade das leis”. O ministro também disse que o tribunal não tem culpa pelo fato de o Congresso Nacional ter aprovado a lei em ano eleitoral. 
Os ministros discordaram até de quando se inicia o processo eleitoral. Para a maior parte do time pró-aplicação imediata da lei, o processo se inicia com as convenções partidárias, que pela Lei Eleitoral devem ser realizadas entre 10 e 30 de junho, e com os registros de candidatura, que devem ser feitos até as 19h do dia 5 de julho. 
Para a outra metade do Supremo, o processo eleitoral começa um ano antes das eleições, com o fim do prazo para as filiações partidárias. Se para concorrer o candidato tem de estar filiado ao partido um ano antes das eleições, é nesta data que começa o processo rumo ao próximo pleito. 

Decisão final
A decisão encerra o impasse a que os ministros chegaram nos dois julgamentos do ano passado. Em 27 de outubro do ano passado, o STF tinha decidido que a Lei da Ficha Limpa tinha aplicação imediata e gerava efeitos sobre os pedidos de registro de candidaturas de políticos que renunciaram ao mandato para escapar da cassação, mesmo antes de as novas regras de inelegibilidade entrarem em vigor. 

Os ministros julgavam recurso de Jader Barbalho (PMDB-PA), que disputou uma vaga no Senado pelo Pará, contra decisão do Tribunal Superior Eleitoral que rejeitou o registro de sua candidatura. Barbalho foi barrado por ter renunciado ao mandato de deputado, em 2001, para escapar da cassação por acusação de improbidade. 
Para chegar à decisão, contudo, foi usado um critério de desempate incomum em favor da aplicação da lei porque o tribunal precisava dar uma resposta à situação de indefinição às vésperas das eleições. Um mês antes, ao julgar recurso do ex-candidato ao governo do Distrito Federal, Joaquim Roriz (PSC), o empate em cinco votos a favor da aplicação imediata da lei e cinco contra deixou a questão aberta, depois de 11 horas de discussões. 
A decisão do Supremo tomada nesta quarta-feira, com o voto de Luiz Fux, mudará o quadro dos eleitos em 2010. Além de mudar os eleitos para a Câmara, devido ao recálculo do quociente eleitoral, os efeitos da decisão serão marcantes no Senado Federal. Jader Barbalho, Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), Marcelo Miranda (PMDB-TO) e João Capiberibe (PSB-AP) tiveram votos suficientes para se eleger, mas foram barrados devido à nova lei. Com a decisão, deverão tomar posse. O caso de Jader pode gerar mais discussões pelo fato de já ter sido julgado pelo Supremo, mas sua defesa irá requerer a aplicação da decisão para o seu caso. 


(texto de Rodrigo Haidar. http://www.conjur.com.br/2011-mar-23/lei-ficha-limpa-aplicada-eleicoes-2012)


No final de 2010 fiz um estudo sobre o excesso de leis no Brasil e a respeito da Ficha Limpa escrevi o seguinte:

"Outro exemplo apontado como casuísmo legislativo é a Lei da Ficha Limpa (Lei complementar nº 135, de 4 de junho de  2010), que impede a candidatura de políticos condenados pela Justiça, aprovada em maio deste ano (2010) pelo Senado Federal e sancionada em junho, sem vetos, pelo presidente da República. Apesar de ter sido proposta por um movimento popular que conseguiu quase 2 milhões de assinaturas, para o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Gilmar Mendes, que votou contra a lei, ela não poderia (como foi) ser aplicada na eleição de 2010.O ministro do STF considerou que o princípio da anualidade, segundo o qual a lei que altera o processo eleitoral não pode ser aplicada à eleição que ocorra a menos de um ano da data da sua vigência é uma cláusula pétrea da Constituição brasileira e desta forma não pode ser alterado. Na opinião do ex-presidente do STF o fato de ser uma lei de iniciativa popular não dá uma legitimidade diferenciada ao princípio da anualidade. “Defendo a Constituição, o Estado de Direito, que é a missão dessa corte”. O ministro Gilmar Mendes não está sozinho em sua opinião. O atual presidente do STF, ministro Cezar Peluzo, também votou contra a validade da Lei da Ficha Limpa para as eleições de 2010. Para Peluzo a norma prevista no artigo 16 da Constituição, segundo a qual uma regra que altera o processo eleitoral somente pode valer para as eleições que se realizem pelo menos um ano da data de sua vigência, foi formulada para impedir o dirigismo e o casuísmo. Ao justificar o seu voto o presidente do STF argumentou que uma norma que altera as condições de elegibilidade, como e o caso desta lei, “é a que tem a maior capacidade de atingir a correlação de forças eleitorais, porque altera o elemento mais delicado do processo eleitoral, que é o quadro da competição”.
Por fim, Peluzo afirmou que a determinação da Lei da Ficha Limpa que torna inelegível o político que renunciar ao mandato viola vários direitos de ordem constitucional, entre eles a proteção da dignidade da pessoa humana e a irretroatividade de sanção legal. O que significa que para os dois ministros citados, mesmo que não tenham dito literalmente, a velocidade com que a lei foi aprovada e sancionada pelo presidente da República, atropelando a própria Carta Magna brasileira é uma evidência do seu casuísmo. E a conseqüência é que a interpretação da Lei da Ficha Limpa virou polêmica entre vários juristas de todo o Brasil. E a principal delas está relacionada com o artigo 5º da Constituição, segundo o qual o uma lei não pode retroagir para prejudicar um réu. No entanto, existem aqueles que chamam esta lei de “casuísmo do bem”. Ou seja, caminhos um tanto quanto escusos para atingir um bem maior. Uma atitude que não está prevista na Constituição brasileira nem de qualquer outro país. Casuísmo era como se denominavam as manobras da ditadura militar para modificar as regras eleitorais e assim obter os benefícios que desejavam. Um destes casuísmos da época da ditadura militar que o Brasil não pode esquecer é a criação dos senadores “biônicos”, que podiam ser eleitos indiretamente, com o objetivo de manter a maioria no Senado. Com uma aprovação popular de quase 80% o presidente Lula não iria perder a oportunidade de sancionar, sem votos, uma lei de iniciativa da sociedade e com forte apelo popular. Principalmente quando tenta eleger sua candidata à sucessão presidencial".


Hoje eu chamado os constituintes para refletirem comigo sobre esta questão: tendo em vista a morosidade da justiça o que acontecerá com o preceito constitucional que prevê que ninguém será punido em razão da presunção de inocência até o trânsito em julgado dos recursos?
Enquanto consultora jurídica eleitoral não posso ficar omissa e indiferente a todos os que lutaram (e lutam) pela moralidade política no Brasil e recolheram milhões de assinatura para aprovação da Ficha Limpa.
Também não posso ficar omissa diante do oportunismo e das manobras políticas que acontecem o tempo todo no País e envolvem todos os poderes, inclusive o Judiciário. Lamentável.


imagem: conceicao-da-barra.blogspot.com

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